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A bem da Nação

A GRÉCIA, A ALEMANHA E A UE

 

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Contrariando anteriores posições que defendi nesta página (só não muda de opinião quem não reconhece a evolução natural do status quo e os elementos novos de análise introduzidos recentemente no debate), creio que haverá um entendimento difícil, complexo, e em certos aspectos pouco linear, mas, sem embargo, de algum modo, consistente entre Atenas e Bruxelas. Sucede que a Grécia ao brandir a arma do “incumprimento” (default) assusta a Alemanha e coloca em risco toda a zona Euro, muito embora existam, hoje, diferentemente de 2011, todas as almofadas financeiras possíveis para enfrentar uma tal situação. A questão, porém, é política como se procurará demonstrar.

 

Atenas vai prometer vender algumas empresas públicas, encetará uma batalha contra a evasão fiscal, mais uma disseminação de impostos, aqui e além e a garantia de que irá cumprir fica atestada. Os credores podem considerar-se parcialmente satisfeitos – é um exercício do possível. Resta saber como Tsipras vai vender essas promessas em casa perante um eleitorado descontente e um partido no Poder que ameaça cindir-se. Com efeito, a resistência principal parece provir do próprio Syriza, uma vez que toda a campanha eleitoral se baseou no termo da austeridade, na renegociação da dívida e na manutenção da Grécia na Eurozona. Todos estes objectivos são, à partida, inexequíveis, porque contraditórios nos seus próprios termos e toda a gente tem plena consciência disso. Mas...aguardemos para ver.

 

Nesta matéria, as perguntas que se impõem são estas: Que estratégia vai ser adoptada por Alexis Tsipras, uma vez que à medida em que as negociações avançam o funil vai inevitavelmente apertar-se? Estaremos perante um hipotético referendo à presença da Grécia no Euro? Ou a eleições antecipadas, porque não existem condições para o Syriza se manter no poder, nem cumprir o seu programa? Estas questões são essencialmente intra-helénicas, com repercussões além fronteiras, bem entendido, mas são de pura gestão doméstica.

 

Estou em crer que o Syriza conta, no essencial, com a vontade da Alemanha em manter a Grécia na Eurozona. O Grexit (evicção da Grécia da moeda única) se, como dissemos, pode ser viável do ponto de vista financeiro, não o é do ponto de vista político. E o busílis da questão está precisamente aqui. A Alemanha, principal Estado da Eurozona e da UE não pode admitir a implosão do sistema que ela própria ajudou a criar em Maastricht. A saída de Estados da moeda única e, a prazo, da própria União, é uma questão politicamente impensável e redundaria, em última análise, no desprestígio total da própria Alemanha. Assim, Berlim necessita de um compromisso e Alexis Tsipras joga com isso. A jogada de póquer está aqui. Pode-se, pois, arriscar uma previsão: Atenas vai cumprir minimamente o programa de resgate, com este nome ou com outro qualquer, até Junho e veremos internamente como se vai comportar a ala mais à esquerda do Syriza. A contestação pode ser muito aguda e tal será visível principalmente na segunda metade do ano.

 

Dou a mão à palmatória. Estas análises terão de ser reformuladas em tempo, porque estamos num cenário de mutação permanente.

 

30 de Março de 2015

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Francisco Henriques da Silva

PODEMOS Ó NO PODEMOS?

 

 

O bipartidarismo espanhol parece estar a evoluir para um sistema quadri-partidário, a julgar pelas sondagens mais recentes. Assim, o aparecimento de um partido populista de extrema-esquerda (Podemos) cuja ascensão fulgurante parecia imparável, apresentando-se, mesmo, há relativamente pouco tempo como a primeira força em termos das prováveis intenções de voto, é contrariado pela emergência de uma nova força nascida na Catalunha, mas anti-independentista “Ciutadans/Ciudadanos”, recentrada em torno de propostas mais moderadas, mas sem deixar cair as bandeiras da luta contra a desigualdade, a pobreza e a exclusão social. Surpreendentemente, obtém 12,2% em eleições regionais e a partir daí anuncia a sua intenção de se transformar em partido nacional, o que conseguiu de forma espectacular.

 

Os partidos que tradicionalmente têm dominado a cena política espanhola desde a morte de Franco, ou seja o PP e o PSOE, incapazes de, por um lado, facultar respostas adequadas e coerentes à crise, por outro, sacudidos por escândalos internos e, finalmente, sem capacidade de reacção à investida do Podemos e de outras forças centrífugas, começaram a erodir as respectivas bases sociais de apoio. Por estas e por outras razões, em Novembro, o Podemos, para surpresa geral, estava na “pole position”.

 

Todavia, o alinhamento do Podemos com a Grécia de Tsipras, a sua indefinição quanto aos “nacionalismos” – uma questão de primeira grandeza e de enorme sensibilidade na vida política da Espanha –, agravada, igualmente, por alguns escândalos políticos e financeiros e pela ambivalência no jogo tradicional entre esquerda e direita, acabaram por não lhe ser totalmente favoráveis e o entusiasmo inicial esmoreceu.

 

Numa fase recente, a mensagem anti-austeridade do Podemos, a defesa da renegociação da dívida, por conseguinte, a proximidade com as teses do Syriza, adornada por alguns toques latino-americanos (Chavistas) fez ganhar dividendos a Pablo Iglesias e à sua gente. Mas o terreno da política é movediço: as teses de Tsipras não têm consistência (e começamos a estar conscientes disso mesmo, dia após dia) e, por outro lado, a inspiração bolivariana acaba por não ser muito apelativa para o eleitorado espanhol.

 

Por isso, dizia-me um amigo catalão pró-independentista: “Se estes avançam no terreno, é certo e sabido que a Catalunha declara unilateralmente a independência”. Ao que eu acrescentaria: e logo a seguir os bascos e provavelmente outros que estão na fila de espera. Isto num quadro hipotético de uma vitória de Iglésias em Dezembro, que é duvidoso que se concretize.

 

Em suma bem vistos todos os lados da questão, perante um quadro actual de empate técnico a 4, todas as combinações passam a ser possíveis, mas, principalmente, 2: PP-Ciudadanos ou PSOE-Ciudadanos. A chave parece, pois, estar nos Ciudadanos e não no Podemos. Mas outros arranjos são conjecturáveis, bem entendido.

 

Por isso, há dois dias, na conferência que proferiu na Sociedade de Geografia, a que estive presente, o Prof. Adriano Moreira não se mostrou particularmente preocupado com a situação espanhola. A meu ver, está-se, de facto, perante uma mudança de cenário, agora a 4, e perante a formação inevitável de coligações. Mas muito água há-de ainda correr pela nora. Os jogos ainda não estão feitos.

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Francisco Henriques da Silva

GRÉCIA-EUROPA: O CHOQUE FRONTAL. COMO SAÍMOS DESTA?

 

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O BCE deixou de aceitar títulos de dívida pública grega como colateral para os bancos gregos se financiarem (ler o artigo do Expresso on-line). Trata-se de um primeiro apertão forte às pretensões do Governo helénico, no fundo, uma verdadeira moção de desconfiança.

 

Por outro lado, o encontro de hoje entre Varoufakis e o Ministro das Finanças alemão Schäuble parece um autêntico filme de terror. Sob o sugestivo título: “Showdown in Berlin leaves leading actors poles apart” o “Financial Times” não mascara a situação, a título exemplificativo, passo a reproduzir um excerto significativo (ver o relato completo aqui)

 

“Mr Varoufakis went further, saying they did not “even agree to disagree”. He said: “We did not reach agreement because it was never on the cards that we would. We agreed to enter into deliberations as partners with the orientation of a joint solution to European problems that’s going to put the interests of Europe at the helm.” O que fica por dizer e que se lê nas entrelinhas faz parte do “thriller” e não é relevante: é relevantíssimo. Afirmar que o caldo está entornado é um mero eufemismo que não traduz minimamente a realidade. Como tenho vindo a dizer, estamos em plena rota de colisão à espera do grande embate. Não gosto de repetir a estafada fórmula “eu bem vos disse", mas é exactamente isso o que vai suceder.

 

Preparamo-nos, pois, para a colisão frontal, o que se quadra perfeitamente nas previsões. Recordo que Atenas necessita de 23 mil milhões de Euros até Junho. A decisão do BCE, mais a inflexibilidade alemã, põe em causa todo o programa de Tsipras e de Varoufakis e, mais do que isso, a permanência da Grécia na Euro zona. Ambos os governantes prometeram o que, certamente, não poderão cumprir, enveredaram pela via de contestação às políticas de austeridade, impostas pelos credores – é certo –, mas estes (designadamente o BCE e a Alemanha, mas Hollande também, ao sublinhar que as regras são para se cumprir) querem a implementação das reformas estruturais que Atenas não está em condições de garantir. A Grécia pretendia, efectivamente, ir mais longe, mas entretanto desistiu da ideia (o famoso "haircut), ou seja a anulação parcial da dívida, até porque em termos globais aquela, como se sabe, revela-se, em rigor, impagável e insuportável. A solução poderia passar por uma moratória (20 anos, 30 anos, mais...) ou pela engenharia financeira de Varoufakis tal como exposta na entrevista de há dias ao FT: pagar a dívida ao ritmo de crescimento da economia e as célebres "obrigações perpétuas". Trata-se de um primeiro recuo do Ministro das Finanças grego, uma vez que não há qualquer hipótese para um perdão de dívida, puro e simples. Poder-se-á quando muito, numa segunda etapa, repito, sugerir-se uma eventual dilação dos prazos e das taxas de juro.

 

Estará a Grécia disposta ao compromisso ou vai para o choque frontal?

 

O que se tem verificado é que o discurso de Varoufakis tem-se modulado ao sabor dos interlocutores, portanto trata-se de uma navegação à bolina, sem rumo definido, apalpando-se terreno a cada curva do caminho. Bem sei que a margem de manobra é estreitíssima. Mas quem é que promete o que não pode cumprir, uma vez que o cumprimento não depende de quem foi eleito, mas de outros? Pode-se argumentar – e o argumento tem peso – que a Grécia já sofreu demais e que é preciso pôr termo definitivo à sangria desatada. Aqui poder-se-ia jogar com a compaixão e com a via americana tão gratas, uma e outra, a Obama: portanto, exprimindo pena pelos “poor devils”, pelos “underdogs” e encetar uma politica expansionista (como nos anos 30 e pós-2008, nos EUA, agora com o Quantitative Easing). Só que a Alemanha – e, sobretudo, o contribuinte alemão – considera que, no caso grego, todos os limites foram ultrapassados (Schäuble dixit) e que o caminho da austeridade é o que deve ser trilhado e não outro (o fantasma de Weimar, a hiper inflação e o nazismo estão bem gravados na memória colectiva germânica), contra ventos e marés.

 

Alem disso, caso se ceda às pretensões gregas, subsiste ainda o problema dos "outros". Quaisquer cedências, quer da parte da "Europa" (leia-se BCE, CE, Alemanha e "tutti quanti"), quer da parte da Grécia, serão sempre vistas como provas de fraqueza. Se para Atenas o falhanço representa a inadimplência clara do essencial do programa governamental e, por conseguinte, o falhanço assumido. O risco maior para a Europa "merkeliana," caso ceda a Atenas, implicará idênticas reivindicações por parte de Portugal, Espanha, Itália e Chipre. É claro como água e perfeitamente justificável. Espera-se que haja bom senso e, nesse quadro, vontade de negociar e de chegar a compromissos sem perder a face, caso contrário, o embate redundará na quebra do elo mais fraco – a Grécia. Esta, com efeito, arrisca-se a perder e entrar, assim, em cessação de pagamentos. É ocasião para formularmos a pergunta de um milhão de euros: a moeda comum, a Euro zona e a própria União Europeia aguentarão?

 

Como saímos desta, sim, porque o problema está em cima da mesa e vai sobrar para nós?

 

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Francisco Henriques da Silva

AVERTISSEMENT TERRIBLE!

 

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 Le cri d’avertissement de l’archevêque de Mossoul aux Européens

L’archevêque de Mossoul, Mgr Amel Shimoun Nona, fait partie de ces réfugiés irakiens de confession chrétienne qui ont fuit la barbarie islamique du «califat».

 

Dans une interview accordée au journal italien Corriere de la Sera, il lance un avertissement aux Occidentaux.

 

«Notre souffrance est un prélude à ce que vous-mêmes, chrétiens européens et occidentaux, souffrirez dans un futur proche», a crié l’archevêque à ses frères chrétiens d’Occident. «S’il-vous-plaît, il faut que vous compreniez. Vos principes libéraux et démocratiques n’ont aucune valeur ici. Vous devez reconsidérer la réalité du Moyen-Orient, car vous accueillez un nombre croissant de musulmans. Vous aussi, vous êtes en danger. Il vous faut prendre des décisions courageuses et dures, y compris en allant à l’encontre de vos principes. Vous croyez que tous les êtres humains sont égaux, mais ce n’est pas une chose certaine. L’Islam ne dit pas que tous les êtres humains sont égaux. Vos valeurs ne sont pas leurs valeurs. Si vous ne comprenez pas cela rapidement, vous tomberez victimes d’un ennemi que vous aurez accueilli dans votre maison».

 

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 Membre de l’État Islamique devant des têtes de chrétiens décapités

DA CONSTRUÇÃO EUROPEIA

 

 

Da construção europeia, do Euro, da Euro-Alemanha e de outras histórias e historietas explicadas ao Povo e contadas às criancinhas

 

Relativamente ao título acima transcrito, não resisto em reproduzir, em tradução livre e adaptada, um e-mail que, um pouco ao sabor da pena, sem grandes preocupações de erudição nem de organização de ideias, escrevi a um amigo meu, francês, fidelíssimo crente no mito europeu.

 

Ei-lo:

 

“Meu caro

 

Li com atenção os documentos que me enviaste.

 

Sabes, servi durante dois anos e meio, como membro do Gabinete do Comissário europeu - de nomeação portuguesa, ou seja do Governo de então -, Prof. João de Deus Pinheiro, em Bruxelas, de 1993 a 1995. Não fui, pois, passageiro, piloto ou comissário de bordo dos aviões, estive na própria torre de controlo do aeroporto. Por conseguinte, posso assegurar-te que, modéstia à parte, julgo conhecer minimamente como funciona a “máquina europeia”, as pessoas que ali trabalham ou que por lá andam e que dão a volta à manivela.

 

Jacques Delors era, à época, o grande patrão, tinha um projecto e, se bem me lembro, tinha a ilusão de que a Europa podia ver a luz do dia, em grande estilo. A fé move montanhas e a Bélgica é lisa como uma panqueca. Nesses tempos que já lá vão, eu era um crente entre os crentes, a bem dizer quase um fundamentalista pró-europeu, passe a expressão. Ah! A Europa! A magnífica e grandiloquente construção do nosso futuro comum! A criação de um mundo exemplar! Blá-blá-blá, sempre blá e ainda blá...

 

Tudo isso, entretanto, mudou e tal como os adolescentes, que aos 14 ou 15 anos descobrem um belo dia que têm sérias dúvidas sobre a religião, que deixam de ir à missa e que já não sentem necessidade de rezar, perdi também a minha fé na construção europeia. Tornei-me agnóstico e, à medida que o tempo ia passando, pior ainda: tinha-me tornado num agnóstico militante e revoltado. Por outras palavras, a Europa era um mito que se auto-alimentava e que com o qual tínhamos de viver.

 

Tratava-se do novo ópio do Povo do século XXI! Todavia, para os descrentes como eu, no fundo, tínhamos de engolir a pílula – éramos e somos apenas umas vozes isoladas que clamam no deserto - , sem embargo não podemos engolir tudo e há coisas que muito claramente devemos recusar.

 

Vejamos o que se passa. A Europa perde-se e perdeu-se em debates intermináveis, alguns serão bizantinos outros não tanto: federalismo vs. soberania dos Estados-Nações, Europa prato do dia ou “à la carte”, alargamento ou aprofundamento, união mais estreita ou mais flexível, implementação ou não do conceito de subsidiariedade, etc, etc, etc. Poderia perder horas a equacionar todos este problemas, mas o melhor é passarmos adiante porque estas questões são meramente retóricas e as consequentes respostas não nos conduzem a parte alguma. Concentremo-nos, antes, nos problemas mais actuais e mais prementes. Alguns poderão directa ou indirectamente responder a algumas dessas questões de fundo.

 

O euro constituiu uma armadilha, criado que foi à pressa por pressões de François Mitterrand, assustado com a reunificação alemã e com os riscos dum potencial – e imaginável - domínio alemão da Europa (os fantasmas da guerra franco-prussiana e dos dois grandes conflitos mundiais do século passado emergiram, como emergem sempre, nas mentes gauleses). O PR francês dá um salto na cadeira após ter escutado o discurso do chanceler alemão Helmut Kohl no Bundestag: a Alemanha unia-se de Leste a Oeste. As luzes no Eliseu estiveram acesas toda a noite, a insónia era infindável. Enervado Mitterrand decide então avançar com a criação imediata do Euro, custasse o que custasse, como fórmula para amarrar a agora Grande Alemanha ao projecto europeu. Todavia, impôs duas condições a Bonn: a) a Alemanha podia reunificar-se (era o discurso politicamente correcto, não se atrevia a dizer outra coisa) desde que se comprometesse publicamente com a criação da moeda comum; b) os alemães deviam, igualmente, aceitar critérios financeiros estritos para aquela criação.

 

O erro de Mitterrand foi colossal. Para os alemães, porém, foi a festa au grand complet : “Este imbecil oferece-nos a reunificação de mão beijada e ainda por cima o euro. Os critérios seremos nós a decidi-los”. E Kohl & Cia. disseram-no de uma forma bem clara e explícita: “Sim, é evidente, mas os critérios serão os do marco alemão. Ponto final”. Eis-nos, pois, chegados ao Tratado de Maastricht e aos famosos critérios de convergência. Iríamos adoptar colectivamente o marco com outro nome.

 

Mas será que ninguém viu? Toda a gente subscreveu o acordo sem pensar nas consequências? Quem foi o responsável? Bom, Mitterrand à cabeça, sem qualquer dúvida, mas todos os demais foram cúmplices. A Alemanha ganhou em todos os tabuleiros.

 

O euro foi pois criado à imagem e semelhança do marco. Não houve nem uma regulamentação estrita e uniforme do sistema bancário, nem harmonização fiscal, nem convergência das políticas económicas. Tudo isto implicaria uma maior integração e consequentes perdas de soberania, mas não se podia adoptar uma moeda comum sem pensar nestas questões que são verdadeiramente cruciais. Os EUA também dispõem de uma moeda comum, mas estes problemas estão, como se sabe, resolvidos à partida, sem prejuízo das diferenças – que são muitas – entre, por exemplo, o Alabama e a Califórnia.

 

O euro é pois uma criação ex nihilo, baseada em falsas premissas, sem quaisquer bases sólidas, apenas para satisfação das pretensões alemãs. Esta é a verdade dos factos. Porém, tudo parecia navegar em águas tranquilíssimas, num mundo panglossiano: “Tout va bien dans le meilleur des mondes”. Melhor ainda: nos pequenos países de economia débil da periferia, acabavam as taxas de juro elevadas, o dinheiro era abundante, fácil e barato. Ninguém temia o que quer que fosse. Vivia-se na euforia. Podia-se, finalmente, construir as auto-estradas, os hospitais, as escolas, os aeroportos; o povão iria viver melhor, tinha-se posto termo à miséria e aos anos das “vacas magras”. Era o tempo de todos os sonhos e de todas as loucuras, que, infelizmente, não iria durar muito.

 

Com efeito, a crise já lá estava. Começa em 2007 e em Setembro de 2008 dá-se o colapso – é a famosa crise do sub-prime, que está na origem da subsequente recessão nos EUA e na Europa, ou seja, uma crise do sistema bancário à escala mundial, com múltiplas causas, mas com o eixo principal centrado no mercado hipotecário.

 

Na Europa, para além de todos os sinais precursores negativos prosseguia-se tolamente com a mania das grandezas. Alguns governos, aparentemente aconselhados pela própria Comissão Europeia (!), gastaram ainda mais para “fazerem face à crise” que era, dizia-se, passageira e a Alemanha lá estaria como anjo da guarda de toda a gente, a proteger-nos dos males e pestilência que vinham de fora. O euro era uma moeda forte. As pessoas continuavam a gastar.

 

Lentamente, porém, aqui e acolá, as apreensões começavam a surgir, mas “era só fumaça”, ninguém via as labaredas do incêndio já declarado, que se avizinhava a passos largos.

 

Crise? Meu amigo, a crise é essencialmente bancária e não outra coisa. O sistema bancário é a causa, o endividamento público e privado a consequência. A quem pedimos nós, Estado ou particulares, dinheiro? À banca, pois claro. Quem é que o emprestou de uma forma irresponsável, mafiosa, criminosa, através de um sistema opaco e corrupto? A banca. É, porém, óbvio que os governos, por ignorância, irresponsabilidade e ineficácia, têm também a sua quota-parte de culpas no assunto, mas a responsabilidade principal reside no sistema bancário, insuficientemente regulamentado e a funcionar sem qualquer controlo ou supervisão, dignos de nota.

 

Concretamente, no caso português, o euro acabou com a nossa indústria, pôs um ponto final no que restava da nossa agricultura, criou empregos fictícios no sector dos serviços e, last but not least, impediu o livre curso das nossas exportações.

 

Devemos continuar a reiterar os nossos erros? Cair de vez no precipício? É tempo de dizer. “Alto e pára o baile!”

 

Mais. Adoptámos o euro, sem qualquer consulta popular. Para quem se vangloria de uma democracia, de pura ficção, diga-se de passagem, o que se passou foi, pura e simplesmente, revoltante.

 

Eis-nos chegados à pergunta que se impõe: pode-se ou não bater com a porta?

 

Sim, mas tal implicará sacrifícios de monta. Já sofremos bastante, é verdade, mas podemos sofrer ainda um pouco mais para sermos recompensados a longo prazo.

 

Trata-se de testar a nossa capacidade de resiliência. Se batermos com a porta, o barco vai ao fundo, ou seja a “Eurolândia” desaparecerá. A minha resposta é simples: que se afunde. Francamente – e não quero cair na demagogia barata – ao ponto a que chegámos e com a idade que tenho, é-me indiferente. Com uma nova moeda – escudo, cruzado, maravedi ou pataca – teríamos de imediato uma desvalorização de 30 ou 40%, quem sabe se mais. Mas se resistimos passiva e heroicamente até agora, não podemos aguentar mais um embate? Teremos ou não capacidade para sofrer ainda mais? Na certeza, porém, de que recuperaremos a nossa soberania, seremos, apesar das limitações, de algum modo senhores do nosso destino e não os servos da gleba dos outros. Podemos fechar as portas por um período relativamente curto e, entretanto, mandar os banqueiros e os políticos desonestos para a cadeia, depois...depois, se verá! Isto não é populismo. É possível.

 

Duas pequenas notas finais:

 

     a) Portugal não viveu acima dos seus meios e das suas possibilidades.

 

Foi a banca nacional e internacional que nos disse de forma enfática: “Façam os vossos jogos! Há dinheiro para todos!”. Meu caro amigo, sabemos bem que assim foi e podia apresentar-te n exemplos do que afirmo.

 

     b) A nossa adesão à UE (na época CEE) foi apresentada como a “terra   prometida, onde corre o leite e o mel”. Vamos de um dia para o outro transformarmo-nos em suecos ou em alemães, apesar do nosso cabelo escuro e da nossa tez morena. Isto foi vendido ao pagode, desta maneira, sem jamais, em tempo algum, se ter pronunciado em referendo sobre o assunto. Os políticos-politiqueiros da nossa praça assim nos venderam o peixe.

 

Podia continuar, mas fico-me por aqui. Falaremos longamente sobre o assunto, mas esta já vai longa, demasiado longa. É um dilatado grito da alma e interpreta-o assim.

 

Abraço amigo”

 

  Francisco Henriques da Silva

Embaixador

A CESURA NORTE-SUL E A PRETENSA UNIDADE EUROPEIA

 

 

 

Um dos grandes problemas no mundo em que vivemos é que o Norte, em geral, assume uma atitude de superioridade, de sobranceria e de desprezo em relação ao Sul (refiro-me, principalmente, à Europa, bem entendido, mas não só).

 

As excepções confirmam invariavelmente a regra. Os protestantes puritanos (calvinistas ou luteranos), sérios, disciplinados, trabalhadores do Norte consideram-se sempre superiores às preguiçosas, indisciplinadas, hedonistas e intrinsecamente desonestas gentes do Sul. Estes clichés ou estereótipos, porque é disso mesmo que se trata, não ajudam nada neste mundo globalizado em que vivemos e destroem toda e qualquer noção por ténue que seja de uma pretensa Europa unida e solidária e, principalmente, com uma causa comum a ser defendida por todos.

 

Os desentendimentos entre os seres humanos que dão origem aos grandes conflitos têm a sua origem em problemas tal como os descritos, que são primários, mas reais. De facto, as gentes do Norte não têm espelhos para se observarem com atenção e desde sempre foram – e são – incapazes de qualquer "mea culpa" ou de uma simples atitude de aproximação e de concórdia. Pairam por cima de tudo isso. A razão está sempre do seu lado, iluminados que estão por Deus e pelo espírito do neoliberalismo irrestrito e omnipresente.

 

Um dia as coisas vão acabar mal, muito mal, mesmo, como já ocorreu no passado e os exemplos podem multiplicar-se.

 

É preciso relevar que a civilização nunca nasceu a Norte, mas sim na bacia do Mediterrâneo e nos grandes rios do Médio Oriente e da Ásia. Todos sabemos disso. Vem nos livros de História. Quando nos apresentam o Norte como uma escola de virtudes e o Sul como um inferno de vícios, o que para além de ser uma inverdade, acicata ódios ancestrais e irracionais que existem, que não se dissipam com o tempo e muito menos com atitudes destas.

 

Um exemplo entre muitos: a Dinamarca passa por ser o país mais feliz do mundo, como se a felicidade fosse mensurável numa escala qualquer como a temperatura em graus Celsius, a velocidade em quilómetros horários ou os terramotos na escala de Richter. Depois os nossos amigos dinamarqueses matam girafas para as criancinhas verem ou golfinhos em rios de sangue nas ilhas Faroe. Neste último caso, às críticas argumentam que o arquipélago é uma região autónoma com Governo próprio, mas será que vamos permitir que Açores, Madeira, Canárias, Baleares, Sardenha e Sicília também regiões autónomas, façam o que lhes der na real gana e ainda lhes sobre tempo?

 

Esses dois factos (matar girafas e matar baleias) também entram na medida da felicidade? Vi crianças africanas com fome felizes com toscos brinquedos de lata improvisados e com um sorriso nos lábios em aldeias paupérrimas. O que é a felicidade? É só a do Norte? Com cerveja e aquavit?

 

Quo vadis Europa?

 

 Francisco Henriques da Silva

 (Embaixador)

FERIADO DO 1º DE DEZEMBRO

 

 

Independentemente da forte carga ideológica deste documento, que aqui se reproduz, o certo é que nem os republicanos jacobinos ousaram abolir o feriado do 1º de Dezembro.

 

É isso que é importante.

 

Ora, este bando de mentecaptos a quem, em hora funesta, foi confiado o mando da Nação lusitana, aboliu uma data que, quer monárquicos, quer republicanos, sempre comemoraram, alegando para o efeito pseudo-ganhos de produtividade, aliás absolutamente indemonstráveis e de manifesta falta de senso. É isso que nos revolta.

 

O 1º de Dezembro é uma data emblemática, trata-se do mais antigo dos feriados civis, um momento altamente simbólico para todos nós. Uma efeméride patriótica que tem que ser sempre celebrada com dignidade, pompa e circunstância. O 1º de Dezembro de 1640 é o sinal mais claro da recuperação da soberania, mas como esta a gente a perdeu, como é público e notório. Para eles não deve significar coisa alguma.

 

 

 

 Francisco Henriques da Silva

MÁRIO SOARES E A DEMAGOGIA

 Mário Soares em conferência sobre 2 anos da Troika (Reuters)

 

Para mim tenho (sempre tive, aliás) um saudável desrespeito por Sua Alteza Real, D. Mário Soares. Depois de ver o que vi dia 21 à noite, na Aula Magna, digo apenas isto: Se a demagogia pagasse imposto a nossa dívida já estaria saldada.

 

Com a devida vénia acrescento 4 comentários complementares:

 

a) Em democracia podemos, de facto, dizer o que nos vai na alma, devendo, porém, ponderar o que dizemos e assumir o que propomos, respondendo plenamente pelas nossas palavras e actos perante todas as instâncias;

 

b) o Presidente da República foi eleito democraticamente e só pode ser demitido por renúncia do próprio, morte ou impedimento permanente. Nenhum outro órgão de soberania pode demitir o Chefe de Estado. Este, em quem não votei, portanto sou insuspeito para falar, poderá ser criticado por alguma passividade ou imobilismo na situação actual, mas jamais, em tempo algum, desrespeitou a constituição. Se o fez que o provem preto no branco, o que até agora não foi feito por quem quer que seja. É, pois, totalmente falsa uma afirmação deste teor.

 

c) Por muito que a situação em que vivemos nos seja penosa (e é), não podemos ameaçar veladamente as instituições da República com a violência ou preconizá-la abertamente, como alguns o fizeram (e fazem).

 

d) É lamentável que o dito Encontro Patriótico/Congresso das Esquerdas não tenha proposto uma única alternativa viável, consistente e construtiva à situação vigente.

 

Criticar é fácil, fazer é difícil. Em minha opinião, perante a situação insustentável em que nos encontramos, o verdadeiro objectivo do Encontro foi o de criar, ou, se se quiser, alimentar uma situação de caos, porque ela já existe, tornando o país já de si dificilmente gerível, num vulcão incontrolável, imprevisível e perigosíssimo. A Esquerda festiva dos arraiais e das arruadas está a abrir a porta a uma ditadura feroz que poderá pender para qualquer dos lados do espectro político e prosseguir o seu rumo em direcções insuspeitadas, mas, hélàs, suicidárias.

 

 

Francisco Henriques da Silva

              Embaixador

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