«O bem-estar das pessoas e o número de baixas humanas nesta guerra são a última preocupação dos políticis russos.»
«As sucessivas e antagónicas interpretações da Hpstória pelos políticos russos levaram à construção da piada que diz que “a História russa é… imprevisível”.»
José Milhazes em entrevista ao «OBSERVADOR» algures em Março de 2022 (as transcrições podem não estar “ipsis verbis”).
* * *
Entendamos por Estado o conjunto formado pelas estruturas políticas de um país, pela respectiva Administração Pública (incluindo o Poder Judicial bem como Empresas e Serviços Autónomos) e pelas Forças Armadas.
No Mundo Livre, o Estado serve os interesses das pessoas; nos países eufemisticamente chamados socialistas, as pessoas servem os interesses do Estado.
No Mundo Livre, a pessoa é o elemento central da sociedade e destinatária dos conceitos de bem- comum periodicamente submetidos a referendo universal; nos países “socialistas” (comunistas) e dessa tradição (Rússia e China), o Estado é a figura central da vida nacional e é chefiado por um autocrata que se faz rodear das maiores cautelas no que respeite à sua segurança pessoal – esta, sim, é a única pessoa que interessa, todas as outras são instrumentos.
No Mundo Livre, a vida humana é o Valor supremo; nas autocracias “socialistas” ou de sua origem, a vida humana é descart´<vel.
* * *
Na Rúsia destes meados de 2022, Putin é a única pessoa, tudo o mais é instrumentália e ele pode mexer na História a seu bel-prazer.
Pontos de vista?
Não! Prevalência ou ausência de Valores.
Dá para perguntar o que anda a Igreja Ortodoxa Russa a fazer. Temo que ande a «bater a bola baixinho» e o Metropolita de Moscovo a ver se escapa ileso. Valores? Sim, mas…
Hoje, refiro-me às críticas que por aí andam a Guterres por não actuar mais na crise provocada pela agressão russa à Ucrânia.
Reconheço que as intervenções orais de Guterres pecam por tibieza tímbrica no que é largamente ultrapassado pela voz cavernosa de Labrov. Mas interessa sobretudo analisar o conteúdo discursos e não tanto (ou mesmo nada) às performances tímbricas. E do conteúdo das intervenções de Guterres não transparece tibieza.
Os críticos querem que a ONU seja mais activa na resolução da crise em referência. Creio que querem que Guterres participe nas negociações de paz e devem também querer que a ONU envie uma Força de Interposição nos vários campos de batalha.
Então, tem sido assim:
Guterres não é dono da ONU e tem que respeitar as decisões dos respectivos órgãos deliberativos – trata-se de uma norma inultrapassável;
A Assembleia Geral aprovou a condenação da Rússia e o Conselho dos Direitos Humanos expulsou a Rússia – o que se traduz numa grande humilhação para o regime de Putin;
Assumindo uma clara crítica à um dos beligerantes (o agressor) e assumindo um claro apoio à salvaguarda das soberanias nacionais, a ONU não pretendeu ser neutral nesta crise – assumindo a posição de juiz e assim perdendo a condição essencial de neutralidade para todo o intermediário em qualquer conflito, não se deve imiscuir nas conversações de paz…
… «et pour cause» também não faria qualquer sentido enviar uma Força de Interposição que, logicamente teria de cumprir o mandato inerente à posição global de oposição ao agressor e defesa do agredido – e não é por certo isto que os críticos de Guterres pretendem.
Se, por absurdo, as críticas vingassem, isso seria a reversão da condenação da Rússia, o seu regresso à Comissão dos Direitos Humanos, o reconhecimento do direito de um país violar a Soberania Nacional de outro e a legalização do envenenamento dos opositores de qualquer Governo.
Esperemos por melhores dias com críticos mais leais e menos matreiros!
No extremo ferroviário oposto a Vladivostok, 22 de Abril de 2022
… a Transparência Internacional (TI) é uma organização sem fins lucrativos anticorrupção sediada em Berlim que actua a nível internacional. O seu propósito é a luta contra a corrupção. As suas publicações incluem o Barômetro Global da Corrupção e o Índice de Percepção de Corrupção. A Transparência Internacional tem o estatuto legal de uma associação voluntária registada na Alemanha (Eingetragener Verein) e actua como uma organização guarda-chuva, com mais de 100 secções ao redor do mundo, chamadas Capítulos Nacionais e um Secretariado em Berlim que é a sede da organização.
A Transparência Internacional é membro dos think tanks do G20, do Pacto Global das Nações Unidas, da Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável e compartilha os objectivos de paz, justiça.
Quem se rege por ideais e dispensa cargos, gere a palavra com a independência que os gestores da circunstância não alcançam.
É fácil o acréscimo de valor quando nos movemos entre parâmetros doutrinários; difícil será acertar um rumo quando se tem uma bússola desmagnetizada. Por isso houve quem certa vez dissesse que sabia o que queria e para onde ia e assim rumasse durante mais de 40 anos sem que os daquela circunstância lhe quisessem mexer[1].
Os ideais devem, contudo, ser pontos no infinito havendo que rumar no seu sentido através de políticas (ditos) humanistas de modo que seja o ideal a servir a pessoa. A rigidez idealista inferniza a circunstância. Daí, o dito (a política) dever ser maleável.
À convivência de vários ideais (e várias propostas de ditos) se chama democracia; o trânsito de meras circunstâncias é quântico e historicamente se conclui com alguém a pôr ordem na confusão. Quis por vezes o Altíssimo que esse ordenante tivesse ideais e que estes fossem benignos; outras vezes, não.
O modo não é indiferente para a qualidade do dito e à rigidez deste se chama ditadura.
Mais vale, pois, que o sistema se ordene por ideais geridos com maleabilidade e por quem tenha de seu e, daí, desapego dos cargos. Assim não sendo, aportamos a África.
Henrique Salles da Fonseca
[1] - No Governo da Ditadura Militar não deram a Salazar as condições que ele considerava necessárias para exercer o cargo de Ministro das Finanças, demitiu.se e tiveram que ir busca-lo de novo a Coimbra para o cargo de Presidente do Conselho de Ministros, Aí, foi ele próprio que definiu as condições.
Regressado à sua dimensão continental anterior à conquista de Ceuta em 1415, Portugal teve rapidamente que «lamber as feridas» integrando meio milhão de civis e militares desmobilizados do Ultramar que de lá vieram com a roupa que traziam no corpo, teve que suportar uma dolorosa tentativa de sovietização, teve que repor a ordem cívica e criar uma democracia pluripartidária.
E a vida continuou…
… na integração europeia, a tal ideia que os soviéticos não toleravam e que, morta a URSS, a orfandade leninista que há tempos usava colarinho azul teima em combater em sintonia envergonhada com os gramscianos, com os eruditos de mania trotskista e com outros filomarxistas de colarinho branco.
Eis-nos, assim, chegados a um novo cenário em que uma crescente burguesia pós-moderna, hedonista, consumista, disputa as luzes da ribalta em confronto mais ou menos aberto com a «esquerda caviar» que se diz puritana mas que, sendo adepta do silogismo da inveja, mais não consegue do que tentar destruir os Valores do Ocidente, a começar pelos padrões da sua História.
A nova parangona marxista aí está, «a dinâmica da História». Mas a História é definitivamente estática depois de ter registado os factos ocorridos. A História é registadora e qualquer outra missão que se lhe queira dar só pode ter como objectivo o apagamento da memória para uma aniquilação civilizacional e uma posterior manipulação de um novo determinismo cultural.
Mas os espectadores não são cegos e já toparam a jogada dando voz – de momento, apenas nos actos eleitorais – às forças que reagem mais abertamente a essa investida demolidora. Contudo, mais do que um putativo confronto físico que as Forças de Segurança sempre conseguirão domar, o perigo que se perfila está na eventualidade de – por causa da inveja estaminal - a prossecução da busca do bem-comum assente nos valores do humanismo democrático e na economia social de mercado perder o pé no turbilhão que o eufemístico «politicamente correcto» vem acelerando.
E, se isto acontecer em Portugal e no resto da Europa, então, Estimados Leitores, será o
Nascida a filosofia marxista, Lenine serviu-se dela para instaurar a ditadura do proletariado e aos brados de «Proletários de todo o mundo, uni-vos», preconizou a sovietização mundial.
A Lenine, seguiram-se lutas tremendas pelo protagonismo de que saiu vencedor Staline e Trotsky exilado e assassinado no México depois de algumas «faenas» com Frida Kahlo.
Não tive o interesse suficiente para tentar identificar a reunião do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética (nem sequer imagino se a informação está acessível) em que foi decidido intervir em Espanha com o claro intuito de sovietizar a Península Ibérica e ensanduichar a Europa capitalista levando-a ao colapso e ao predomínio de Moscovo sobre todo o velho continente.
No raciocínio expansionista soviético, uma vez dominada a Europa, o resto seria «trigo limpo». Não foi.
Mas os revezes são atirados para trás das costas e o desígnio fundamental de levar a Europa capitalista ao colapso continuou na «Ordem do Dia».
Falhada a «conquista de Granada», decidiram tomar África para se substituírem às potências colonialistas europeias. Mas tanto Inglaterra como França já tinham dado a independência política (não a económica) às suas colónias e à URSS mais não restou do que apoiar a criação de Movimentos de contestação à presença de Portugal em África. Assim nasceram o PAIGC (Guiné-Bissau), o MPLA (Angola) e a FRELIMO (Moçambique). Seguiram-se 13 anos de luta armada naqueles três teatros e apenas na Guiné-Bissau é que Portugal não saiu claramente vencedor.
Então, se a URSS nada conseguia de substancial naquelas três frentes de luta, terá sido decidido «cortar o mal pela raiz» levando a cabo um golpe de Estado em Portugal colocando em Lisboa um Governo sovieto-amigável.
Apanhado pelas costas, foi no Largo do Carmo, em Lisboa, que em 25 de Abril de 1974 Portugal perdeu o Império o qual passou, mais ou menos descaradamente, para a esfera soviética.
Entretanto, em 1961 já se tinham passado para outras esferas de influência o forte de São João Baptista de Ajudá (Lomé) e o Estado Português da Índia (União Indiana).
* * *
No ínterim, uma nota que pode parecer extemporânea neste local do presente texto: durante parte substancial do consulado salazarista, o Director dos Serviços de Informações portugueses (PIDE), o Capitão Agostinho Lourenço, era homem de confiança (membro?) do britânico MI6 e, quando deixou de exercer a função em Portugal, foi para Director Geral da Interpol.
* * *
Identificado o «Espírito Santo de orelha» do Doutor Salazar, não admira que naquelas épocas predominasse em Portugal (e, pelos vistos, mãis além…) a opinião de que Bandung e os ditos «não alinhados» não passassem de uma mistificação totalmente manipulada por Moscovo. Disso dão testemunho (gatos escondidos com os rabos de fora) as políticas económicas levadas a cabo por Nehru e por Sukarno nos respectivos países.
CONCLUSÕES:
Os Serviços de Informações do Doutor Salazar não estavam organizados apenas à escala doméstica;
É admissível que o Doutor Salazar se considerasse (e como tal se visse reconhecido internacionalmente) o grande defensor da Europa contra a sovietização do seu «centro do mundo»;
Num transe tido por global, o agredido não podia negociar sem que isso demonstrasse fraqueza;
Quando estava em condições de poder negociar, Portugal capitulou nos bastidores, o Largo do Carmo.
Em ordinário, a língua falada pela ordem comum, a língua vulgar, não especificamente erudita, no nosso caso, o português, o título acima é «O silogismo da inveja». E porquê o título em latim? Por três razões, a saber: porque silogismo é «coisa» que vem da Antiguidade Clássica; porque a inveja é «coisa» muito mais antiga do que a dita Antiguidade Clássica; porque eu quero fugir o mais rapidamente possível do que é ordinário e a inveja é-o, claramente.
Inveja é substantivo mas hoje refiro-me ao adjectivo invejoso que é aquele que não quer que os outros tenham aquilo que ele próprio não tem.
Com esta simplicidade se chega à razão primeira da filosofia marxista. O marxista não quer que os ricos o sejam pois os pobres não conseguem enriquecer. E na visão marxista – estava a dita filosofia a nascer no século XIX, já lá vão quase 200 anos – os ricos eram os causadores da pobreza alheia. Solução? Acabar com os ricos.
Portanto, a inveja é o que está na base da filosofia marxista e para se ser um bom militante marxista tem que se ser um refinado (no sentido de politicamente formatado) invejoso. Tudo o resto são roupagens cujo objectivo consiste em tapar a sua ominosa nudez transformando a genética ordinária em virtuosa estirpe.
Até aqui, tudo semântica mas daqui em diante, «pia mais fino».
Diabolizado o lucro, tanto Lenine como os seus pragmáticos seguidores morderam o anzol que tudo lhes levaria a perder. Sem lucro não há poupança, sem poupança não há investimento, sem investimento não há progresso, sem progresso não há esperança e sem esperança não há sistema político que vingue sustentadamente nem sequer munindo-se de Polícias políticas, de costumes ou outras… Eis o silogismo da inveja que nem as tropelias contra os Direitos Humanos conseguem perturbar eternamente por serem contrárias à essência humana.
E o silogismo conduziu ao ponto mais do que ridículo – e, contudo, dramático para milhões de vítimas – de o determinismo histórico que previa o triunfo do marxismo sobre as ruinas do capitalismo se ter revelado ao contrário da (falsa) profecia com a glória das sociedades livres e socialmente previdentes sobre as ruinas do totalitarismo soviético.
Mas, entretanto, enquanto o pau foi e voltou, em nada folgaram as costas e sobre a Guerra Fria ainda não foi tudo dito. Sem a pretensão de pôr um ponto final sobre esse período da História de que eu próprio sou «documento coevo», direi algo no próximo texto, o do imperialismo soviético.
Tanto pela doutrina como pela «praxis», sou antinazi. O mesmo afirmo em relação ao comunismo. Devido à ausência de doutrina, basta a «praxis» para me afirmar antifascista.
O nazismo, afirmando a superioridade da «raça alemã» – por clara deturpação do conceito nietzschiano do «Übermensch»[i] - e pugnando pelo domínio alemão das «raças inferiores», merece o meu repúdio. Pese embora eu não ser judeu, quer genética quer religiosamente, nada tenho de antissemita apear de também achar que eles não são «o povo eleito de Deus». A praxis nazi dos campos de extermínio dos «Minderwertige Menschen» (pessoas inferiores) e a conquista do Lebensraus» (espaço vital) para além do território historicamente consolidado da «Vaterland» (Mãe Pátria) com total desrespeito pelos povos vizinhos, são, em resumo, o fundamento do meu asco ao nazismo.
O marxismo é teoricamente mais elaborado que o nazismo mas, querendo acabar com o capitalismo, acabou por contribuir para que este se autocriticasse, se corrigisse e crescesse até à actualidade, nomeadamente pela via da fiscalidade e da segurança social. O marxismo é um absurdo económico e foi (é) submetido a uma «praxis» que dele fez um dos maiores flageloss por que a Humanidade tem passado. A diabolização do lucro está escrita em letras garrafais no epitáfio da economia marxista e os crimes cometidos pelo Poder Soviético contra os Direitos Humanos justificariam a repetição do julgamento de Nuremberga em que, mais do que algum quadro de Direito positivo, prevaleceram critérios inspirados no Direito Natural.
Eis, resumidamente, por que não me limito a ser «não comunista» e me afirmo anticomunista.
Quanto ao fascismo, que defino como «o capricho do ditador», quer de direita quer de esquerda, considero-o «casos de Polícia Psiquiátrica».
E o meu espanto é: - Como é possível, depois de sabermos o que a História nos tem contado, que em pleno século XXI ainda haja quem siga essas ideias e se dedique ao respectivo proselitismo não apenas com assiduidade mas mesmo com fervor. Excluo ab initio a idiotia e, portanto, resta a nostalgia de épocas em que prevalecia a propaganda que anunciava «horizontes de esperança» e em que se badalava a fraternidade. A realidade veio a mostrar horizontes de sucata e tratamentos privilegiados para as «nomenklaturas» partidárias e total desprezo pelas massas populares. A hegemonia intelectual gramsciana revela-se como puro folclore totalmente desenquadrado das realidades macroeconómicas anunciando irrealismos que só conduzem à desagregação social. Mais uma vez, reveja-se a História (neste caso, italiana do pós guerra) em que esse mesmo irrealismo se revelou afugentador das massas populares.
Resta a tradição familiar para justificar atitudes presentes por cópia do que há 50 e 60 anos se tinha por verdadeiro. Só que, entretanto, sabemos que tudo era utopia, propaganda e miséria.
Utopia, porque não se cria um «homem novo» com base na chacina dos opositores; propaganda, porque não é possível assegurar o futuro mentindo durante muito tempo a muita gente; miséria, porque o modelo económico marxista é totalmente absurdo na teoria e na «praxis» castra todo o voluntarismo inovador. Daqui, a desmotivação humana em vez dos falsíssimos «horizontes de esperança».
CONCLUSÃO: sou tão antifascista como sou antinazi e anticomunista.
Agosto de 2020
Henrique Salles da Fonseca
[i] Super homem – conceito não rácico em que o homem se eleva acima da média humana pelo nível cultural, pela rectidão, pela coragem…
Nota prévia – Este é um texto polémico que por certo gerará comentários discordantes não só da minha tese como também entre os próprios comentadores. Como é minha norma, eu lanço o tema para reflexão e debate e, havendo-o, é aos meus leitores que cabe a última palavra.
* * *
Dino Grandi (1895-1988)[i] foi Presidente do Grande Conselho Fascista e Ministro dos Negócios Estrangeiros do populista Mussolini e terá definido[ii] que «Fascismo é a prática do improviso resultante da prodigiosa imaginação do Duce».
Por outras palavras, fascismo é o capricho do ditador.
Daqui se conclui que um Estado governado ao sabor do capricho de alguém, não é um Estado de Direito. O primado do improviso é incompatível com a norma perene, a Lei.
Infelizmente, tanto ao longo da História como mesmo nos tempos modernos, são muitos os exemplos de Estados governados ao sabor do capricho dos respectivos ditadores, ou seja, por regimes fascistas. Limito-me a referir os menos antigos: Mussolini (por definição própria), Hitler, Estaline, Mao Tsé Tung, Franco (nos primeiros tempos do seu regime), Juan Péron, Fidel Castro, Sadam Hussein, Strössner do Paraguai e tantos outros seus contemporâneos na América Latina, todos os Chefes de Estado mais perenes nos Países árabes, Nicolás Maduro, José Eduardo dos Santos, Robert Mugabe e outros que em boa hora esqueço por essa África além...
Não são, pois, arengas de direita ou de esquerda que definem fascismo. Fascismo é a ausência de um quadro jurídico perene que seja universalmente conhecido e aplicado sem procedimentos extravagantes que se lhe sobreponham. O oposto de regime fascista é o Estado de Direito.
Notará o leitor mais atento que na enumeração acima, não refiro o Doutor Salazar.
Seria mentir descaradamente associar o salazarismo à democracia mas é igualmente um absurdo liga-lo ao fascismo.
O chamado Estado Novo (que caiu de velho), praticamente sinónimo de salazarismo, era um Estado de Direito de cariz corporativo e génese autocrática (sem sufrágio universal e transparente) mas publicamente conhecido e universalmente aplicado.
Esta característica da publicidade e da universalidade da aplicação da «sua» Lei exclui o Doutor Salazar das hordas fascistas. Mas recuso-lhe simultaneamente o ingresso no rol dos democratas (por que o próprio nunca se fez passar).
A parangona comunista de «a longa noite fascista» é, pois, uma grosseira mentira. Foi uma «longa noite da democracia», claro, mas sem o tal adjectivo.
[ii] - Utilizo a expressão «terá definido que… porque perdi a referência à fonte da afirmação e agora a ambliopia impede-me de a procurar. Peço aos meus leitores que me façam a justiça de acreditarem que não inventei a expressão e que a fui buscar a uma fonte segura.
Enviaram-me há dias um vídeo em que um cavalheiro formal e pesaroso anunciava a morte de um seu amigo, o «bom-senso». Sem paciência para figuras de retórica nem para falsos rasgos humorísticos, desliguei.
Mas fiquei a pensar naquilo e quando procurei o vídeo, já não o encontrei. Resta a solução de pensar por mim próprio.
* * *
Na gíria, há uma certa tendência para associar - se não mesmo para confundir - «bom-senso», «senso-comum» e «bem comum» mas desde já faço notar que o «bom» pode não ser «comum» e, vice-versa, o «comum» pode não ser «bom».
Comecemos pelo Dicionário Priberam:
Bom-senso – Equilíbrio nas decisões ou nos julgamentos em cada situação que se apresenta;
Senso comum –Conjunto de opiniões ou ideias que são geralmente aceites numa época e num local determinados.
Bastou, pois, o recurso ao dicionário para pormos o «senso-comum» fora de jogo – honi soit qui mal y pense – no que respeita à questão do vídeo.
Assim sendo, ficam em apreciação o «bom-senso» e o «bem comum», sempre na perspectiva social, substantiva, de «bom» (daí, o hífen) e de «bem», expressões não adjectivantes.
Estas expressões estão directamente vinculadas ao conceito positivo de «bem social», substantivo, por contraste com «mal social». Mais especificamente, a boa conduta social e à sua oposta, o mau comportamento.
Portanto, o que é a boa atitude social que tem por génese o bom senso?
É aquela que é conforme à harmonia social e se configura pelo altruísmo, pela humildade e pelo sentido do dever[i].
Mas se o pacifismo implícito na harmonia (a da concertação social) for posta em causa pelas doutrinas que têm como base de actuação a luta de classes, o que é bom para uns é mau para os outros e vice-versa. Ou seja, o «bom» transforma-se de substantivo em adjectivo e as características acima referidas transformam-se em egoísmo (vs. altruísmo), em arrogância (vs. humildade) e em irresponsabilidade (vs. sentido do dever), pedras estas que cada facção arremessa à outra.
Isto significa que a cada projecto político corresponde um conceito de bem comum e que a cada um destes corresponde um quadro específico de «bom-senso».
E em democracia pluripartidária é assim mesmo: periodicamente, o modelo de «bem comum» é referendado e ganha aquele a que corresponde a maioria de um certo «bom senso».
Ou seja, o «bom-senso» não morreu, ele apenas é diferente (eventualmente, muito diferente) do da opção do cavalheiro formal e pesaroso do vídeo que não vi na íntegra. Mas, adivinhando, sou capaz de lhe dar alguma da minha simpatia.
Maio de 2020
Henrique Salles da Fonseca
[i] - O que é que eu posso fazer por ti sem o prejudicar a ele, esse terceiro que até pode não estar identificado?