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Ó mar tão negro
Que negrura guardas
Em teu coração?
Que quimeras loucas
Partindo de ti
Se foram, mar fora
Sem dia nem hora
Sem tempo previsto?
Ó mar tão bravio
Tão negro e tão frio
Atlante medonho
Povoas meu sonho
Causando arrepio…
Que negros segredos
De lutos e medos
Tens no teu arfar?
Quem buscas, quem amas?
De rendas recamas
O leito que of’reces
Às ilhas, as damas
A quem estremeces!...
Maria Mamede
![Mayak - satélite russo poderá ser a estrela mais Mayak - satélite russo poderá ser a estrela mais]()
Meu Portugal, sem rei nem roque
De alma à chuva e corpo ao vento
Num abrigo tem a mente
Sempre à espera do Sol-nascente
Alheio anda, sempre adiado
Cão rafeiro bem-educado
Passa a vida enfileirado
Já nem nota o cadeado.
Minha gente no nevoeiro
Já nem sabe p’ra onde vai
No escuro tudo é brilho
E os satélites brilham mais.
![ACDJ-Prof. Justo-1.jpg ACDJ-Prof. Justo-1.jpg]()
António da Cunha Duarte Justo
![Mau tempo no canal.jpg Mau tempo no canal.jpg]()
Todas as noites de tempestade
Me parece ouvir o mar…
E nos meus pesadelos
Ele rebenta os paredões
E sobe a montanha
Até á cratera do vulcão extinto.
Algum tempo depois, sossegando,
Esquece a fúria e regressa
Ao leito
Como se nada tivesse
Acontecido.
A prová-lo, ficam somente
Caminhos de coral, areias negras
E búzios
Fortemente azuis
À espera de mim!...
O mar do Pico é bravio
Tão bravio
Que parece engolir barcos
E homens
Que se aventuram na faina…
Pelo tanto que o temo
É cada vez mais difícil
Para mim
Partir e regressar!...
Maria Mamede
JANEIRO
![Borralho.jpg Borralho.jpg]()
Ora cá ‘stou e ‘inda bem
que trago bom agasailho;
tadinho de quem num tem
a quentura dum burrailho!...
Maria Mamede
![MM-gruta da Madalena, Açores.jpg MM-gruta da Madalena, Açores.jpg]()
Sei das belezas incontornáveis
Das grutas da Madalena
Mas de grutas, já tenho a minha quota…
Por isso, comprei na Vila uns postais
Para enviar aos Amigos!
Já vi alguns ninhos dos canários da terra
É hora da procriação…
Pequenos e aguerridos
Defendem a bicadas
O que lhes pertence…
Será
Que eu deveria ter feito o mesmo?!...
Além da sombra
Que o fim do dia projecta
Pairou no ar deste Sol-pôr
O voar dum milhafre…
Com ele me vou
Esfaimada
Em busca de alento!...
Há dentro de mim
Um incêndio maior
Do que aqueles
Que tanta vez grassam
Por essas encostas…
E meu coração
É perigosa labareda
Sem fim à vista!...
Sempre que passeio
Prás bandas do mar
Lamento a minha falta de habilidade
Para a pintura…
As suas cores
Mudando hora a hora
Vão dos tons negros
Aos claros vibrantes
Num piscar de olhos…
Como a vida!
Maria Mamede
![acores-ilha-do-pico-sao-roque-do-pico.jpg acores-ilha-do-pico-sao-roque-do-pico.jpg]()
Sempre que vou à Ponta do Espigão
Olho intensamente o mar
E vem-me um imenso desejo
De fugir…
Embora ame tanto esta ilha
Meu coração habituado
À planura
Sente-se aprisionado!...
Na lagoa do Capitão
Relembrei amores antigos
E a saudade voltou…
Esta imensidão de água doce
Fez-me recordar
A doçura duma boca
Que um dia beijei por cá!...
Nos meus encontros com o mar
Há sempre algo de olá e de adeus…
E dentro de mim tudo é cais,
Lenço branco, despedida
E vontade de um regresso
Que o não foi!...
Um dia
Um amor ‘inda promessa
Foi pelo mar fora
Jurando voltar…
E passadas tantas vidas
Ainda o espero!...
Terra negra, negro cais
Areia negra no mar
Amor partiste e não mais
Viste meu cais pra voltar?!
Maria Mamede
POEMAS MAIATOS
![Nogueira.jpg Nogueira.jpg]()
NOGUEIRA
Debaixo daquela nogueira de Nogueira
Descansámos e nos demos
Vezes sem conta.
Naquela época,
Ouvia-se cantar as fontes,
Os grilos e os ralos
E o tempo deslizava manso…
Vindimemos amor
O tempo breve do vinho que espuma
Nos cachos loiros da nossa juventude
Enquanto a vida
Nos não traz a neve
A enfeitar os cabelos…
![Maria Mamede.jpg Maria Mamede.jpg]()
Maria Mamede
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Para seres grande, sê inteiro.
Assim, em cada lago a Lua toda brilha, porque alta vive...
Fernando Pessoa
POEMAS MAIATOS
![Pelourinho da Moreira, Maia.jpeg Pelourinho da Moreira, Maia.jpeg]()
MOREIRA
Fomos Mouros em Moreira
Antes das estradas dos Romanos
Antes, bem antes de Gonçalo Mendes,
Da Maia Lidador;
E como em todas as vidas
Fomos donos da paixão
Que o tempo ainda não destruiu…
Pela estrada que leva ao Cabo do Mundo
Deixei um rasto de conchas,
Caso me queiras seguir.
Se não vieres,
Levo na mão um búzio
Raiado de azul
Para me mandares notícias.
Maria Mamede
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Ontem, quando fui à cidade,
Já ouvi por lá grasnar os patos bravos.
Na subida de regresso
Vi que as galinholas
Também tinham voltado!
O chão das cumeadas
Atapetado de urze e queiró
Tem cá de longe o encanto
Do rasteiro colorido
Como num quadro!
Pelos rigores do Verão
Sou hortênsia que desmaia
Nas encostas do Pico!
Faz muitos anos que não ia às piscinas de S. Roque…
Com o tempo sereno e quente
Hoje levantei-me mais cedo e fui até lá.
Levei comigo o bloco, a bic,
Os óculos escuros e o chapéu.
E quedei-me
Algumas horas,
Esquecida do tempo
Escrevendo, sonhando
E recordando…
Há tanto que não sonhava!...
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Maria Mamede