Foi ao pôr-do-sol que o avião levantou as rodas no ar de Colombo e passadas duas horas e picos as poisou no chão de Bombaim. Escala um pouco mais demorada do que nós queríamos pois houve que formalizar a entrada na Índia e mudar de terminal dos voos internacionais para o dos voos domésticos. Novo voo de um pouco mais de uma hora e eis-nos chegados à Goa doirada. Mas entretanto eram quatro da manhã e o oiro estava recolhido. Foi através das vias de breu que chegámos ao Hotel Forte Aguada pelas seis da manhã, nos metemos na cama como se regressados de grande farra e nos «ferrámos» a dormir até às quinhentas.
Quando acordámos, ainda meio baralhados pelas desoras, tomámos um brunch e decidimos que os horários estavam repostos. Mentira! Ainda precisámos de mais umas horas para nos considerarmos «à la page» com a vida em Goa.
Esta foi a nossa (da Graça e minha) segunda visita a Goa mas os nossos companheiros estavam lá em estreia. Assim foi que organizámos uma visita guiada a Velha Goa num dia e a Margão no outro dia.
As agências de viagens têm programas standardizados e baralham-se quando um cliente lhes troca as voltas. Mas, na verdade, havia coisas que eu queria ver em especial e outras que nada me diziam enquanto que para os meus amigos estreantes tanto lhes fazia irem para a direita como para a esquerda já que para eles tudo era novidade.
A visita a Velha Goa e ao túmulo de S. Francisco Xavier é um must indiscutível pelo que lá fomos com todo o interesse. E mais uma vez me admirei com a religiosidade daquelas gentes. Nestas minhas diversas viagens ao Oriente, dou por mim a pensar que os orientais são muito mais religiosos do que nós, os ocidentais. É claro que nós, os de cá, temos passado por um longo processo de laicização enquanto que os de lá continuam a sentir necessidade de entregarem a sua fé a um Ser Superior que lhes atenue as agruras terrenas. Julgo por vezes que tanto lhes faz entregarem-se aos cuidados de Vishnu como aos de Buda ou de Cristo. O sacerdote mais próximo e mais convincente é por certo o que ganha a fidelidade da ovelha carente. Enquanto os nossos missionários pregadores por lá andarem, tudo bem; mas ao mais ligeiro deslize ou abrandamento do apostolado, logo os fiéis se escaparão para outros rebanhos. E digo isto porque visitei templos indús, budistas e cristãos e em todos vi uma religiosidade fantástica, comovente mesmo, por parte de gente sem formação religiosa especial, por certo totalmente ignorante das mais ou menos refinadas catequeses dessas religiões ou em quaisquer outras. Mas todos com fé. E muita.
O túmulo de S. Francisco Xavier na Basílica do Bom Jesus, em Velha Goa, é um centro de peregrinação de primeira grandeza na fé católica indiana. A veneração dos fiéis é impressionante e há mesmo quem durma nos claustros de uns dias para os outros à espera de celebrações especiais.
Mas dentre todas as igrejas monumentais que ali existem, só a Basílica do Bom Jesus e a Sé estão religiosamente activas. Mesmo assim, apesar de Velha Goa ter sido no séc. XVIII substituída por Pangim (Nova Goa) como capital do Estado, ainda ali vivem cerca de 6 mil pessoas. A fazer o quê? Pois isso mesmo: a viver.
Trata-se do goês José Custódio de Faria, nascido em Candolim, distrito de Bardez, Goa, em 1746. Filho de Caetano Vitorino de Faria, brâmane saraswati e Rosa Maria de Souza Possuía ainda uma irmã adoptada, de nome Catarina. Os pais do abade mais tarde separaram-se, ambos aderindo à vida monástica.
Acompanhado do pai, chega a Lisboa em 1771 e depois de um ano vivendo na metrópole, os dois convencem o rei de Portugal, D. José, a custear os estudos de Faria sénior, Caetano Vitorino, em Roma no intuito de obter o doutorado em teologia e os de seu filho, José Custódio, como religioso. Mais tarde o próprio abade conquistaria o doutorado em teologia causando impressão suficiente no Papa de então (Pio VI), que o convidou para que realizasse um sermão na Capela Sistina, sermão esse escutado por Sua Santidade em pessoa.
Após essa honraria, foi a vez da rainha D. Maria I requisitar um sermão do abade. Reza a lenda que o abade Faria, ao ver audiência tão ilustre, “travou” a língua não conseguindo pronunciar palavra alguma. Seu pai, percebendo o que se passava, gatinhou debaixo do púlpito e sussurrou em concanim (a língua local goesa) ao filho: ”são apenas vegetais…corte os vegetais!”. Depois da ajuda paterna, o medo dissipou-se e o sermão seguiu tranquilamente.
Essa experiência curiosa causou impressão fulminante em Faria: como poderia uma simples frase fazê-lo perder o pânico momentâneo que o tomou? Estava aberto o caminho para os seus estudos sobre hipnotismo, o que geraria um dos grandes pioneiros da técnica.
Faria é considerado herdeiro dos estudos de Franz Anton Mesmer, o “inventor” da hipnose como conhecemos hoje. A sua visão da hipnose foi influenciada profundamente pela filosofia e ciência hindu, sendo chamada às vezes de “hipnose oriental”. É dele a noção de que a hipnose flui através do poder de sugestão do hipnotista, conceito firmemente creditado ainda hoje; Mesmer creditava a consciência hipnótica ao que chamava de “magnetismo animal”. O conceito de auto-sugestão, também em voga ainda hoje, é outra de suas contribuições.
É interessante notar que boa parte do vocabulário moderno ligado à hipnose moderna teve origem também nos seus estudos. Pouco depois do episódio do sermão de D. Maria I e do seu aprofundamento nos estudos científicos, Faria é implicado na “Conspiração dos Pintos”, (o equivalente da “Inconfidência Mineira” brasileira). Com isso, o abade passa a residir em Paris, em plena Revolução Francesa, onde lidera um batalhão revolucionário, o “10eme Vendémiaire”, que contribuiu para a queda da Convenção Revolucionária francesa (o Directório).
Em 1797 é preso por razões desconhecidas passando um bom tempo numa solitária do temido presídio “Chateau d’If”. Lá, passa a maior parte do tempo a praticar as suas teorias de auto-sugestão. Algum tempo depois é liberto, porém, desgosta-se ao ver que prevalecem visões opostas à sua teoria de hipnose.
Acusado de charlatanismo, resolve recolher-se a uma ordem monástica obscura morrendo de derrame cerebral em Paris, em Setembro de 1819. Foi enterrado em local desconhecido e até hoje a localização de seus restos bem como sua última residência permanecem um mistério.
Não bastasse a vida cheia de peculiaridades, Alexandre Dumas no seu “Conde de Monte Cristo” inclui o abade como um dos personagens de sua trama (Abeé Faria), dando especial atenção ao período em que o abade passou no Chateàu d'If.
O Papa vai presidir a 14 de Janeiro de 2015, no Sri Lanka, à cerimónia de canonização do Padre José Vaz, nascido na Goa portuguesa a 21 de Abril de 1651.
O sacerdote missionário no Sri Lanka, onde morreu a 16 de Janeiro de 1711, foi proclamado como Santo contando com os votos favoráveis da sessão ordinária da Congregação para as Causas dos Santos sem exigir um novo milagre.
A data de canonização foi decidida durante o consistório que decorreu no Vaticano, sob a presidência do Papa.
José Vaz, sacerdote da Congregação do Oratório, foi beatificado por São João Paulo II em Janeiro de 1995, também durante uma viagem ao Sri Lanka.
O futuro Santo foi recordado, na sua beatificação, como "um grande Padre missionário", tendo vivido de forma pobre numa época de perseguição aos cristãos, apesar de ter nascido numa família da casta dos brâmanes.
O sacerdote foi preso e ajudou clandestinamente as comunidades católicas, celebrando Missa de noite, para além de ter traduzido o Evangelho para as línguas tâmil e cingalês.
A comunidade católica em Goa está a dialogar com as Autoridades da Igreja no Sri Lanka sobre a possibilidade de organizar um encontro de cerca mil fiéis com o Papa.
A viagem de Francisco ao Sri Lanka vai decorrer entre os dias 13 e 15 de Janeiro de 2015, seguindo-se uma passagem de quatro dias pelas Filipinas.
No início de Outubro de 2014, o Papa recebeu no Vaticano o Presidente do Sri Lanka em audiência privada após a qual expressaram votos de que a viagem pontifícia "possa ser acolhida como sinal de proximidade à população" e como "encorajamento aos que trabalham pelo bem comum, a reconciliação, a justiça e a paz".
Goa é cantares antes ouvidos e deixados na lembrança e monumentos e esperança; e é trajes coloridos e a ardente pujança de danças regionais deixadas pelos portugueses... e apesar dos reveses
Goa é a farmácia Universal a joalharia Esmeralda a barbearia República a loja Camota e o café Central e a imensa devoção à Senhora de Fátima e à Senhora da Conceição;
Goa é ainda a livraria Central a rua Garcia da Orta e o hotel Fontainhas no bairro do mesmo nome
e Goa é essa fome ancestral de falar, ainda hoje nossa língua tão antiga que canta fado e é doce e soa como se fosse sussurros doutras paragens… nossa língua, de Camões que é falada por milhões a língua que é “Viagens” a lugares desconhecidos que ao dizer “Meu Irmão” desperta os nossos sentidos e seja pelo que seja nos fala, como quem beija e nos toca o coração!
ATRAVÉS de dois últimos milénios o sangue e as cinzas de milhares de pessoas, fortificadas com as águas lustrais de baptismo, argamassaram o edifício da Cristandade, do extremo Ocidental ao extremo Oriental. Nos meados dos anos 80 do século XIX no Reino do Buganda - o maior dos reinos da região que depois viria a constituir o Protectorado Britânico (1894) - houve uma grande matança dos cristãos, católicos e protestantes, que figurou na História da Cristandade como os MÁRTIRES DO UGANDA,num episódio que chocou e alertou o Mundo, contribuindo vigorosamente para a evangelização do Continente Africano.
Não vou descrever os factores sócio-políticos da perseguição dos Cristãos baptizados pelos missionários franceses da Congregação dos Padres Brancos (1878-81), convidados expressamente ao país pelo esclarecido Rei MUTASSA I através do jornalista HENRY M. STANLEY (l841-1904) em 1875, especialmente enviado pelo NEW YORK HERALD para o Este Africano à procura do missionário e explorador escocês DAVID LIVINGSTONE (1813-73).
O Uganda (abrangendo o Buganda e regulados periféricos) era dominado, antes da entrada dos Europeus na região, pelos árabes do Sultanato de Omã e Zanzibar cujos agentes haviam islamizado o povo. Os Padres Brancos após 3 anos deixaram o país face à oposição do povo às normas da Igreja Católica, condenando a feitiçaria, a circuncisão, a ablação do clítoris, a bigamia, a poligamia, o homossexualismo e os festejos pagãos. Com a morte do Rei MUTASSA I ,sucedeu-lhe o filho MWANGA II que, ao princípio, convidou os Padres Brancos para voltar ao país, porém com os conselhos do maquiavélico Imã MUSSAJI (MUSSA + HAJI?) passou a perseguir os Cristãos.
Aos 31.01.1885 ordenou a execução com esquartejamento e incineração de três jovens anglicanos: MARCOS KAKUMBA, JOSÉ RUGARAMA e NOÉ SERUANGA. No decurso de 1885 o missionário anglicano JAMES HARRINGTON (l847-85),sagrado Bispo do ESTE EQUATORIAL AFRICANO (Jan.1885) tentou entrar no Buganda pela região do LAGO e o Rei mandou secretamente matá-lo com sua comitiva duns 50 carregadores incluindo alguns catecúmenos e o cozinheiro-chefe (PINTO,natural de Mapuçá-Bardez, GOA)aos 29 de Outubro de 1885.
Estribado no sucesso do seu hediondo crime, o Rei MWANGA II viu-se censurado pelo seu Mordomo-Real e profundo católico JOSÉ MACASSA BALIKUDDEMBE.O soberano não gostou da censura e mandou prendê-lo e executá-lo com decapitação e incineração do seu corpo aos 15-11-1885. Decorridos seis meses, orgulhoso dos seus impunes crimes, ordenou a matança dos cristãos, anglicanos e católicos, entre 25 de Maio e 23 de Junho de 1886.
Segundo Wikipedia morreram 22 católicos e 23 anglicanos a mando do soberano entre requintes de suplícios: queimados vivos (26), castrados (6), decapitados (6), mutilados/esquartejados (4), baleados/lancetados (3).
Segundo D.C.ABDY in The Martyrs ofUganda (Londres, 1928), pereceram 43 católicos e 34 protestantes. Sou levado a supor que por ordem do Rei morreram nessa ocasião mais de uma centena de ugandeses. KIZITO (1872/86) foi a 1a vítima do malvado, enquanto a última vítima foi o grande obreiro social JOSÉ MARIA MUSEII decapitado aos 27/01/1887. Esses 22 mártires do Uganda foram canonizados em 1964. Sobre os MÁRTIRES DO UGANDA muito se tem escrito em inglês sob a forma de livros e folhetos, além de artigos da imprensa. O Rev. Dr. FRANKLIN J. BALASUNDARAM (Professor do Departamento de História da Cristandade, Bangalore, Índia), R. RASHIKABBA, CHENUBRUNO et alii são alguns desses escritores da actualidade.
II
Em 1964 na minha tese ao I Congresso das Comunidades Portuguesas em Lisboa, relatara sumariamente o episódio dos MÁRTIRES DO UGANDA e na elaboração do meu DICIONÁRIO DE GOANIDADE acabo de registar que, na matança do Bispo anglicano e da comitiva, fora liquidado o cozinheiro-chefe de nome PINTO,um goês natural de Mapuçá (Bardez-Goa-Índia), com arremesso de setas e uma saraivada de pedras!
Do diário do infortunado Bispo anglicano JAMES HARRINGTON constam a solicitude e o carinho com que o bondoso católico goês tratara dele, mantido preso e manietado, numa choupana a tiritar de frio juntamente com o goês PINTO (de nacionalidade portuguesa) e uma vintena de pessoas, em data de 23 de Outubro de 1885. O goês PINTO ocupava-se em cozinhar as refeições do Bispo e de cuidar do seu conforto pessoal!
O Rei MWANGA II ordenara que o Bispo, o seu cozinheiro e os homens da sua comitiva fossem selvaticamente executados pelos sicários bugandeses (animistas, pagãos e islâmicos) com ódio ferrenho aos cristãos. Embora católico, o goês PINTO fora contratado como cozinheiro-chefe do malogrado Bispo, não fazendo parte da campanha de Evangelização da Igreja Anglicana entre os bugandeses. PINTO morreu e foi sem dúvida um dosMÁRTIRES DO UGANDA atingido pelos sicários como cristão ou seguidor de CRISTO!
Sua morte e seu martírio foram olvidados pela Igreja Católica e até à data nenhum escritor goês se lembrou de reabilitar a sua pessoa, e o seu carinho devotado ao Bispo, sendo votado ao mais completo esquecimento. Nos séculos XIX e XX existiram florescentes Comunidades Goesas no Uganda (em Kampala, Entebbe e Jinja) que nada fizeram por um filho de Goa perecido na matança de 29/10/1885. E a Igreja de Roma também nada fez até aos nossos dias pelo infeliz Goês que passara à História da Cristianização do Uganda no século XIX.
Em 1570 quarenta Jesuítas (padres, noviços e irmãos leigos) haviam embarcado em Lisboa a caminho das Índias Ocidentais, mas eles foram apanhados no alto-mar por um corsário calvinista chamado JACQUES SOURIE,que os matou sem dó nem piedade. Em 1854 foram beatificados com o fortíssimo apoio da Sociedade de Jesus. Na altura do seu morticínio eles não estavam empenhados em qualquer campanha de evangelização, embora tencionassem tal fazer nas Índias Ocidentais. Canonicamente a Igreja de Roma não hesitou em beatificá-los.
O cozinheiro-chefe do Bispo anglicano e não empenhado na Evangelização dos bugandeses, só pelo facto de ser cristão ou seguidor de CRISTO,odiado pelos sicários, foi ele barbaramente assassinado com os MÁRTIRES DO UGANDA aos 29/10/1885. Há um paralelismo entre a selvática matança dos 40 Jesuítas já beatificados (1854) e a matança do Bispo anglicano e o seu cozinheiro-chefe de sobrenome PINTO,de cepa goesa e de nacionalidade portuguesa (1885), todavia é inconcebível que o mártir PINTO tenha sido votado ao olvido pela Igreja de Roma e pelos seus milhares de conterrâneos que viveram em Uganda através dos séculos XIX e XX, sem nada feito sobre o seu martírio! Estou certo que a JUSTIÇA DIVINA (e não humana) tenha devidamente galardoado ao dito PINTO com devido lugar entre os Bem-aventurados. Acabo de registar o citado PINTO,goês natural da Mapuçá (Bardez-GOA) e português de nacionalidade, no meu DICIONÁRIO DE GOANIDADE levantando a ponta do pesado manto que o encobria, jogado ao mais completo olvido... até quando, senhores?
XÊTE, XÊTTE e XÊTTY são étimos da língua concani falada em Goa e nas terras limítrofes. Sua transliteração em português deu o étimo SETY, conforme se encontra escrito nos Arquivos da Torre do Tombo, e em inglês gerou o étimo SHETYE.
Antes de discutir o tema em epígrafe urge frisar que o Estado da Índia, fundado por Albuquerque em 1510, apenas abrangia os distritos provinciais de Tisvadi (Ilhas), Salcete e Bardez com uma área de c.1044 km2 e assim mantidos até os anos de 1700. Outras nações europeias vieram fundar suas “colónias” na Índia, pelo que Portugal, em defesa e em consolidação do minúsculo Estado da Índia, guerreou os pequenos potentados indianos circunvizinhos, conquistando-os e anexando assim ao seu citado Estado, uma área de 2.655 km2, que foram a origem de sete novos concelhos provinciais: Bicholim, Canácona, Perném, Pondá, Quepém, Sanguém e Satari. Após a invasão de 1961, o Estado da Índia (sem Damão nem Diu) deu lugar ao actual Estado de Goa com 3.702 km2 e que inclui as chamadas “Novas Conquistas” do século XVIII.
No plafond histórico descrito, de 1541 a 1630, os indus de Goa, incluindo os Xêtes e ourives profissionais da casta charadó ou outra, tiveram duas opções, a saber: a saída de Goa com seus parcos haveres móveis e seus deuses ou a aceitação da Fé Cristã pelos jesuítas (Salcete), franciscanos (Bardez) e dominicanos et alii (Tisvadi). Do exame minucioso dos Registos do Arquivo Geral de Goa, compilado por Francisco Paes e depois divulgado e comentado pelo arqueólogo e historiador Panduronga Sacarama Sinai Pissurlencar (f.1969), apurou-se que, de um milhar de indus de Goa cristianizados na citada época, apenas alguns dos Xêtes, ourives profissionais, foram cristãos: Mallu Vittu Xêtty, em Parrá (1580); Vitu Xête, filho de Boguna Xête, em Aldonã (1595); três Xêtes - Bicu, Logu e Vitu – em Colvale (1595). Não houve qualquer Xête cristão convertido em terras de Tisvadi. Na Província de Salcete, Issara Sety (Xêtte) fez-se cristão em Davorlim (1625) com o nome de Miguel Vaz, enquanto seu pai Marta Sety abraçou o Cristianismo com o nome de Domingos Vaz.
Dos Registos do Arquivo Geral de Goa não constam as profissões dos indus cristianizados, ignorando-se no punhado de Xêtes se houve ou não um ourives cristão. Todavia no alvorecer do século XX o filho duma mãe solteira, filha de pai cristão e ourives profissional, natural de Raia, Salcete, recorreu ao Tribunal reclamando seus direitos de filiação, embora ilegítima, com o patrocínio do advogado Soares Rebelo (1873/1922) (Cf. Investigação de Paternidade Ilegítima, Nova Goa, 1902, in Volume IV de Obras Completas, Alcobaça, 2010). Actualmente, todos ou quase todos ourives de Goa são da cepa indu, através do país.
Há quem remonte a ancestralidade do clã Shetye aos anos de 1534/44 e afirme que o seu fundador fora oriundo da aldeia Narve, de Bicholim. Relata-se mais que ele emigrara de Goa para Kholapur no Maharastra, levando consigo seus deuses e os parcos haveres familiares, para escapar à onda de cristianização aí ocorrendo. Desse Sety (Shetye) nasceu na grande Índia uma pequena comunidade com seus membros radicados na Índia, na Europa e até mesmo nos estados norte-americanos de Carolina do Norte, Florida, Louisiana e New York.
Os primeiros ourives indus a pisar o solo americano, porém, foram dois inominados e naturais de Taleigão (Tisvadi) que, apanhados a tratar dos seus arrozais inundados pelas chuvas copiosas da monção de 1699, foram presos, julgados e condenados à expulsão de Goa para Brasil como presos das galés, pelo desrespeito dum Edital da Inquisição de Goa proibindo o trabalho braçal em dias domingos. Nessa ocasião também foram apanhados 38 cristãos de Taleigão, de 18 a 60 anos de idade, não-excomungados mas condenados a dois anos de galés ou da Casa de Pólvora (onde eram frequentes as mortíferas explosões). Seu crime fora o desrespeito do Edital da Inquisição. Todos esses 43 goeses foram condenados em nome da sublime religião do Salvador da Humanidade. Otempora! Omores!
Da bruma dos tempos surgiu o clã dos Rilhó(s) em terras primitivas de Escumalha (Vilamar, Coimbra), ora pertencendo ao concelho de Cantanhede. Os primitivos Rilhó(s), de estirpe judaica e de procedência da Catalunha, ocuparam-se de pequenas forjas como ferreiros e armeiros.
Com o rodar dos anos deixaram esses ofícios para trabalhar em metais não-ferrosos (ouro e prata), uma actividade mais lucrativa. Especializaram-se como fabricantes e vendedores de objectos e peças de ouro e prata, em diversas localidades concelhias. Alguns elementos do citado clã abandonaram as forjas e dedicaram-se ao sacerdócio diocesano de Coimbra. Os Rilhó(s), ourives, vendedores ambulantes e sacerdotes, declaram-se entre si como elementos não-consanguíneos.
Segundo o bem conceituado ourives da praça, Manuel Braga Rilhó, ele radicou-se em Alcobaça há mais de 50 anos como sucessor do seu pai, vendedor ambulante de ouro e de prata, que a pé ou em bicicleta transportava um pesado malão, procurando compradores de porta em porta. Ele confirmou-me que no clã dos Rilhó(s) houve sempre padres, mencionando-me que vivia em Cantanhede um velho padre desse clã.
Contactada a família do Pe. Manuel Augusto Marques Rilhó (1916/2004), sacerdote diocesano vivendo em casa própria na companhia de duas irmãs, apurei que ele falecera com 87 anos de idade em 2004. Segundo a Geneall, o dito Pe. Manuel Augusto foi filho de Manuel Marques Rilhó (n.1888), descendente dos Rilhó(s) oriundos do Covão do Lobo e que o mesmo viera ao mundo 44 dias antes do signatário abrir seus olhos ao sol tropical de Goa! Deixou duas irmãs ora nonagenárias, um primo também sacerdote, além do irmão emigrado para Brasil, onde vivem e trabalham numerosos Rilhó(s). Na conversa telefónica com uma irmã do falecido padre, esta contou-me que vive em Setúbal um Capitão Rilhó das Forças Armadas Portuguesas. Assim se verifica que os Rilhó(s) se encontram actualmente estabelecidos em Cantanhede, Coimbra, Lisboa, Alcobaça, Barreiro, Condeixa-a-Nova et alia, sem parentesco consanguíneo.
Um Rilhó em Goa (1612)
Já no fecho do DicionáriodeGoanidade, Volume I, de que me vinha ocupando desde meados de 2008, fiquei muito surpreendido que em 1612 um indu, chamado Rilhó-Naique abraçara o Cristianismo tomando o nome de António Rebelo no acto do seu batismo por missionário jesuíta. Era um natural da aldeia de Navelim (Salcete), contígua à capital concelhia. Donde teria vindo esse Rilhó apenso ao sobrenome Naique? Que respondam os mais bem entendidos… No meu modo de pensar, o pai indu deu ao seu filho o nome Rilhó dum missionário ou duma autoridade administrativa da então Província de Salcete, ora Concelho de Salcete, por simples admiração. Fora disto, era praxe corrente dos neo-cristãos receberem os nomes e sobrenomes dos seus padrinhos e dos missionários que lhe administrassem os batismos. Ele foi apenas um dos primeiros mil indus cristianizados em Salcete (jesuítas), em Bardez (franciscanos) e nas Ilhas (dominicanos et alii), todos incluídos no meu Dicionário, muitos deles com seus novos nomes batismais a partir de 1595 a 1630, como consta dum extracto de Registos existentes na Torre de Tombo de Goa.