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A bem da Nação

Burricadas nº 21

Ai! que ainda me vão aos trocos...

v      Como se fosse uma grande novidade, a nossa imprensa económica começou a espalhar aos quatro ventos que o BCP vai ter de proceder a um aumento de capital – e quanto mais depressa, melhor.

v      Os números que podem estar em causa, esses, não suscitaram até agora a curiosidade dos nossos jornalistas. Ficámos todos en suspense! O que irá sair dali?

v      Certamente, o Leitor já se esqueceu do que eu escrevi vai para dois meses (Burricadas 13, aziago número). Isso! A necessidade de o BCP aumentar o seu capital (necessidade que, mea culpa, também não quantifiquei).

v      Aquela Burricada provocava – e os comentários não se fizeram esperar. Em resposta resumi qual seria o meu programa de 3 pontos para virar do avesso o infeliz Banco:

v      Contenção imediata, e redução a muito breve trecho, dos Encargos com a Estrutura (qualquer coisa menor que 20% do nível actual seria insuficiente);

v      Melhorias muito, mas mesmo muito significativas na avaliação e gestão do risco (abandonando, definitivamente, a estratégia suicida de aumentar, aumentar sempre a quota de mercado, alavancada por endividamento de muito curto prazo nos mercados interbancários europeus);

v      Retenção dos accionistas estrangeiros (os actuais, ou outros com iguais potencialidades, tanto faz) detentores de posições qualificadas, mas suficientemente diversificadas (para que nenhum dos accionistas estrangeiros possa assumir a posição dominante; para que nenhum pequeno grupo de accionistas estrangeiros possa conluiar-se para controlar a gestão do Banco);

v      Subsidiariamente: melhorias imediatamente perceptíveis na qualidade da informação financeira divulgada (e ao dispor da Gestão Superior do Banco) – para recompor credibilidade e reputação, que andam agora pelas ruas da amargura.

v      O que não disse então – nem digo agora – foi que a primeira medida tivesse de ser fatalmente um aumento de capital. E explico porquê.

v      Fossem outros os tempos e o BCP poderia vender facilmente e a razoável preço (isto é, com mais valias) uma grossa fatia da sua carteira de valores mobiliários e até, talvez, uma ou outra participação – o que seria sempre uma ajuda para a recapitalização do Banco, aligeirando o esforço pedido aos accionistas.

v      Fossem outros os tempos e o BCP poderia titularizar uma parte significativa da sua carteira de crédito hipotecário residencial, entregando, para compor o ramalhete, mais uns pedaços da sua carteira de crédito ao consumo (incluindo saldos por utilização de cartões de crédito) – e, com isso, realizava umas mais valias que viriam diminuir o seu activo e reforçar o seu capital, aliviando a pressão sobre os accionistas.

v      Fossem outros os tempos e, se calhar, o BCP até poderia contabilizar mais valias à custa do seu Fundo de Pensões (um outro cânone da engenharia financeira em que nos superamos) – e o aumento de capital seria, feitas as contas, pouco mais que simbólico.

v      Mas não. As Bolsas não estão suficientemente líquidas e, acima de tudo, não estão suficientemente profundas para acolher os volumes que o BCP tem em carteira sem um trambolhão nos preços – e as menos valias que o Banco assim registasse só agravariam o seu actual padecimento.

v      Titularização de créditos hipotecários residenciais, quando a turbulência originada nos subprime ainda varre os mercados financeiros por esse mundo fora? Quando todos desconfiam de todos? Quando se tornou evidente o que sempre esteve à frente dos nossos olhos: que o mercado residencial é uma ficção e que os valores realizáveis neste mercado sobem e descem como o de qualquer outra posição exposta a riscos de mercado? (O BES, para se proteger de uma eventual escassez nos mercados interbancários teve de aumentar o passivo, através da emissão de obrigações hipotecárias - em vez de reduzir o activo por meio de operações de titularização).

v      Habilidades com o Fundo de Pensões, agora que corre por aí que faltam fundos ao Fundo?

v      Pelas minhas contas, baseado nas Demonstrações Financeiras de 2006, o BCP recuperaria um equilíbrio minimamente confortável com uma entrada de capital de € 2,000 milhões, para mais e não para menos.

v      Custa-me a acreditar que os accionistas estrangeiros com posições qualificadas acorram, sem mais, a um possível aumento de capital desta ordem de grandeza, mesmo que seja só para manter as suas actuais posições (exceptuo os accionistas idiossincráticos como parece ser o caso da SONANGOL).

v      Ora, se estes accionistas estrangeiros não acompanharem o aumento de capital (ficando, por enquanto, em aberto saber quem o fará), verão as suas posições diminuírem – e alguns perderão mesmo a qualidade.

v      Para esses, o passo seguinte será, quase de certeza, vender as acções do BCP que tenham em carteira e partir para outra (na Burricada 13 traçava este cenário).

v      Se for assim como eu estou a imaginar, quem subscrever esse hipotético aumento de capital deverá estar preparado para sofrer menos valias nos meses seguintes – até quando, eis o que falta apurar.

v      Creio que só com um programa bem meditado, credível, divulgado com voz clara e muito bem explicado seria possível reconquistar a confiança dos accionistas (e de outros investidores) estrangeiros – e só depois se deveria falar em aumentos de capital.

v      Infelizmente, vá-se lá saber porquê, a nova Administração preferiu o secretismo – lançando sobranceiramente às urtigas a finalidade subsidiária que referi mais acima: transparência.

v      Pergunta: Se o BCP necessitar com urgência de um aumento de capital (que necessita, não tanto por razões de liquidez mas por razões prudenciais, de capital mínimo adequado) e se os investidores estrangeiros (excepção feita aos idiossincráticos) não derem uma boa ajuda, de onde virá o dinheiro que faltar?

v      Bingo! Da CGD (e de outras empresas onde o Governo manda) – talvez com o recurso a engenharias financeiras do quilate daquela que fez tremer o BCP.

v      E, tarde ou cedo, lá voarão do meu bolso uns trocos mais, agora destinados a este peditório.

A. PALHINHA MACHADO

Fevereiro 2008

Burricadas nº 15

Uma borla

v      O Senhor Governador, com ar pesaroso, afirmou aos Senhores Deputados, estes com ar basbaque, que vá-se lá saber da existência de umas quantas (uns poucos milhões, apenas) acções do BCP parqueadas numas tantas sociedades offshore, se ninguém comunica nem ninguém denuncia (subtil diferença...)

v      Escapou ao Senhor Governador mandar consultar as listas de presenças das Assembleias Gerais do dito Banco e ver o que de lá saía.

v      Ah! E quem nos garante que esses tais accionistas se deram ao incómodo de estar presente, ou de se fazer representar, em tão magnos conclaves – onde, parece, se passava o tempo em cumprimentos, Laus Deos e frioleiras? Bem pensado...

v      Talvez não lhe tenha ocorrido que as acções do maior Banco privado português, com uma presença algo desproporcionada no sistema bancário que compete ao BdP supervisionar (o Sistema Europeu de Bancos Centrais pouco mais lhe pede), estão desmaterializadas e têm entidades de custódia com tabuleta e número de polícia. Que tal seguir essa pista de resultados, estou em crer, mais que seguros?

v      Por estas dicas, Senhor Governador, não cobro nada. Mas não me venha dizer daqui a dias, com ar tão ou mais pesaroso, que o dinheiro dos contribuintes teve de ser chamado para safar o celebrado Banco, para dar um happy end ao case study – e para liquidar na raiz uma crise bancária que se avolumava.

Lisboa, Janeiro de 2008

A. PALHINHA MACHADO

NOTA - Peço ao Autor e aos Leitores que me desculpem o lapso pelo esquecimento de publicação deste texto, o que só se pode dever ao jet-lag de que padeci no regresso do Oriente. Mais vale fora de ordem do que não publicado.

Henrique Salles da Fonseca

Gato escondido...

 

Timidamente, pé ante pé, como quem não quer a coisa, vêm surgindo notícias (deixadas cair com precisão cirúrgica aqui e ali) sobre a possibilidade de alguns Bancos portugueses transferirem os seus Fundos de Pensões para o Regime Geral da Segurança Social. Ainda não há um ano, porém, uma operação em tudo idêntica (a transferência de parte do Fundo de Pensões da CGD para a Caixa Nacional de Pensões) deu azo a choros e a ranger de dentes. Agora, os sindicatos bancários fecham-se num surpreendente silêncio, quebrado a espaços por judiciosas declarações do tipo: “Humm! Não é coisa que se faça de ânimo leve...”

Para compreendermos bem o que se está a passar há que recuar ao tempo em que quase todos os Bancos portugueses (é deles que aqui trato), num alarde de solidez, garantiam aos seus empregados que continuariam a pagar-lhes na reforma, todos os meses, uma remuneração base idêntica àquela que eles teriam se estivessem ainda no activo (o chamado salário na reforma). E faziam-no no convencimento de que os lucros futuros permitiriam acomodar sem dificuldade encargos que nem sequer se davam ao trabalho de estimar por alto. Sempre tinha sido assim – com a excepção do Banco Totta & Açores que, pelo facto de pertencer a um grupo económico (a CUF) com uma Caixa de Previdência própria, para aí transferia todas as suas responsabilidades pensionáveis (vários Bancos de criação mais recente, mas de menor dimensão, iniciaram as suas actividades desde logo ao abrigo do Regime Geral; e para o que aqui importa, as sucursais de Bancos estrangeiros não contam).

Temos assim que na Banca portuguesa (com as excepções que assinalei), em matéria de pensões (de invalidez, de reforma e de sobrevivência), prevalece, há muito, o modelo do benefício definido sem contribuição (ou com contribuições apenas simbólicas) dos beneficiários. Algures na década de ’90, contudo, as exigências do Sistema Monetário Europeu (a que, entretanto, Portugal tinha aderido), e as regras prudenciais que emanavam do Comité de Basileia, obrigaram os Bancos portugueses: primeiro, a medir com maior cuidado as suas responsabilidades pensionáveis; mais tarde, a criar patrimónios autónomos (Fundos de Pensões) por onde, chegado o tempo, essas pensões seriam pagas. O propósito de tudo isto era conferir maior transparência à situação financeira dos Bancos e reforçar o sistema financeiro nacional. Assim seria: se esses Fundos de Pensões fossem, desde logo, dotados com capitais suficientes, em linha com as Responsabilidades por Serviços Passados (RSP) que estavam a assumir; se as futuras contribuições cobrissem, de facto, os acréscimos que as responsabilidades pensionáveis, ano após ano, fossem registando; e, não menos importante, se a realidade se aproximasse das bases actuariais que são correntemente utilizadas no cálculo do capital mínimo exigível.

Mas não foi. Com a complacência da Autoridade de Regulação: permitiu-se que a contribuição inicial dos Bancos para os seus Fundos de Pensões fosse inferior (nuns mais, noutros menos) às RSP que eles estavam a transferir; permitiu-se que o equilíbrio financeiro desses Fundos de Pensões fosse atingido só ao fim de largos anos, seguindo uma trajectória de capitalização particularmente modesta; permitiu-se que a contribuição inicial fosse amortizada (isto é, deduzida aos resultados de exercício) também em suaves prestações ao longo de muitos anos (uma vez que, até então, alguns Bancos nunca haviam reconhecido contabilisticamente as RSP que os oneravam); permitiu-se que eventuais situações de subcapitalização destes Fundos de Pensões, relativamente à referida trajectória para o equilíbrio financeiro, não fossem corrigidas em fecho do exercício, nem, ao menos, levadas a resultados, mas arrumadas numa subconta de flutuação de valores, perdida algures no poço sem fundo que são as rubricas residuais do Plano de Contas para o Sector Bancário (Outros Credores, etc.); permitiu-se que os Bancos não divulgassem com meridiana clareza o estado das respectivas responsabilidades pensionáveis (uns têm-no feito, outros nem tanto); permitiu-se que o relato financeiro não fosse comparável de ano para ano (uma vez mais, também aqui há casos e casos); enfim, permitiu-se que, em muitos Bancos, o nível das RSP e o modo como se encontravam cobertas continuassem a ser segredos bem guardados. Em suma, adiou-se e escondeu-se - na esperança vá-se lá saber de quê.

Não é de estranhar, portanto, que tanta complacência redundasse no que redundou: se vários Bancos não viram já os seus capitais próprios corroídos por responsabilidades pensionáveis, foi apenas porque não as explicitaram fielmente - o que tira o sono a muito boa gente, como se compreende. E é natural que quem esteja, hoje, a entrar na casa dos 50 anos - perante a perspectiva de, algures no futuro, nem Fundos de Pensões, nem Bancos (estes, afinal, solidários no pagamento das responsabilidades pensionáveis) terem por onde pagar a totalidade das pensões entretanto convencionadas - queira assegurar, o mais rapidamente possível e, se necessário, por outros meios, o seu salário na reforma. Acontece que o equilíbrio financeiro dos modelos de benefício definido (e, em particular, daqueles particularmente generosos, como é o que prevalece no sector bancário) só pode ser mantido quando exista quem esteja em condições de suprir, a qualquer momento e em quaisquer circunstâncias, os fundos que faltem, por maiores que estes sejam. Onde procurar, então, um tal conforto se não no OGE – o que é dizer, no bolso dos contribuintes? É justamente isso que Bancos e sindicatos bancários pretendem com a transferência das responsabilidades pensionáveis (e dos activos que compõem os seus Fundos de Pensões) de uns, e dos benefícios de outros, para o Regime Geral.

A integração destes Fundos de Pensões no Regime Geral, se não tiver em linha de conta, quer as actuais insuficiências de capitalização, quer as regras para a cobertura das Responsabilidades por Serviços Futuros (RSF – ou seja, o contínuo acréscimo das responsabilidades pensionáveis), será uma maneira hábil de fazer pagar uns (os contribuintes, sempre eles) aquilo que outros (os Bancos) devem, e que outros ainda (os pensionistas, actuais e futuros) exigem receber. Além de servir para reabilitar gestões que têm vindo a emplumar-se abusivamente com lucros mal apurados.

Mas se a coisa for feita como deve ser, com os Bancos ainda e sempre responsabilizados pelas insuficiências de capital existentes à data da efectivação do negócio (e, já agora, se não for pedir muito, pela qualidade dos activos que transferem), assistir-se-á a uma verdadeira re-estatização de vários Bancos (não todos) – e, em muitos deles, à súbita degradação dos seus rácios prudenciais. Porque a solução mais óbvia seria que o IGFSS convertesse esses créditos em capital, evitando assim fragilizar ainda mais o sistema bancário português - e fosse vendendo no mercado, paulatinamente, as acções que adquirira. Enfim, um novo 11/03/1975.

Muito diferente é o impacto desta operação nas contas do Estado: se for concebida como uma transacção de activos que passam dos Fundos de Pensões (e ainda de alguns Bancos) para a carteira do IGFSS, e se essa transacção tiver lugar a preços de mercado (e não às valorizações contabilisticas actuais), será neutral face aos passivos (as RSP) igualmente transmitidos - ou seja, em termos esperados, daí não resultará nem ganho nem prejuízo para os contribuintes futuros (transacção de soma nula); se, no entanto, o preço da transacção for superior ao preço de mercado, já serão os contribuintes futuros a ter de cobrir a menos valia, mais cedo ou mais tarde; se, por fim, à la Bagão Felix, os activos transferidos forem equiparados a receita (semelhante ao prémio que uma seguradora cobra), então, o IGFSS assumiria a plenitude das RSP sem contrapartida – e não custa imaginar quem irá ser chamado para tapar o buraco.

Tudo visto, ainda persistem três questões: a primeira, sobre possíveis diferenças entre as bases actuariais que os Bancos, por um lado, e o Regime Geral, por outro, perfilham; a segunda, em torno das regras para calcular as futuras contribuições de empregadores (Bancos) e empregados (funcionários bancários), agora no âmbito do Regime Geral (uma vez que os benefícios que este e aqueles definem não são exactamente coincidentes); uma terceira, a mais importante, sobre a fragilidade do próprio modelo de benefício definido, o qual, se pretender ir mais além de um patamar de rendimento familiar (como é o caso), terá de conviver sempre com a sombra da sua própria falência. E é aqui, justamente, que entramos nós todos com os nossos impostos.

Poder-se-á argumentar, com razão, que na origem deste intrincado imbroglio esteve o excessivo aumento dos custos com o pessoal, logo das responsabilidades pensionáveis (fosse através do empolamento dos quadros de pessoal; fosse porque a remuneração total per capita disparou), que a Banca conheceu até há bem pouco. Mas o fundo da questão é bem outro: o facto de a Autoridade de Regulação ter permitido que a ficção de um modelo de benefício definido chegasse aos dias de hoje, intacta (quando deveria ter sido desfeita logo nos idos de ’90, o mais tardar), e se ter revelado complacente para lá do razoável.

 

A.PALHINHA MACHADO 

Burricadas nº 14

Que saia mais um nobel cá para a rapaziada!

v      O pior pesadelo de qualquer Autoridade Monetária experiente são as crises bancárias: cenários em que os Bancos, uns após outros, ficam sem liquidez - e todo o sistema bancário entra em colapso.

v      A teoria e a prática identificaram, há muito, duas causas que convergem para que tal aconteça: (1) uma teia espessa de créditos recíprocos no mercado interbancário; (2) uma quebra de confiança da população em geral na solidez financeira dos Bancos a que usualmente recorrem.

v      Esta última causa, leva pessoas e empresas a retirarem os seus depósitos do Banco em crise, transferindo-os para Bancos que considerem mais seguros.

v      Aquela primeira, por seu turno, tem um efeito de contágio, quando o Banco que sofre a drenagem dos depósitos não tem fundos suficientes para cobrir as suas posições devedoras na compensação interbancária. Em tais circunstâncias, os Bancos que recebem os depósitos em fuga ficam com um passivo à vista (os depósitos), mas sem saldo junto do Banco Central que lhes permita responder por esse passivo – o que é dizer, passam a debater-se, eles também, com problemas de liquidez. Daí o contágio.

v      Quando a crise bancária não atinge o ponto em que os capitais começam a procurar refúgio no exterior, solucioná-la é relativamente simples: o Banco Central injecta liquidez no sistema bancário, já substituindo-se ao Banco em crise na liquidação das posições devedoras que este vá registando diariamente na compensação interbancária, já cedendo fundos directamente aos outros Bancos. É precisamente isto a que assistimos hoje por causa dos créditos hipotecários subprime.

v      Quando à crise bancária se junta a fuga generalizada de capitais para o exterior, o problema é bem mais difícil de resolver. Em qualquer caso, é sempre o contribuinte que terá de pagar a festa - através de impostos, desvalorização cambial, inflação e desemprego.

v      Vem isto a propósito da crise no BCP. Até ao momento, a ajuizar pelo que se ouve e lê, a credibilidade embaciada não é tanto a do Banco, como a daqueles que o têm dirigido (daí eu ter escrito “no BCP” em vez de “do BCP”). A liquidez do Banco não foi até ao momento posta em causa - e os clientes do Banco não parecem temer por aí além pelos seus depósitos.

v      Isto não significa que o episódio não tenha reflexos visíveis, uma vez que este Banco depende há muito dos fundos que capta nos mercados interbancários internacionais para poder sustentar as suas actividades.

v      É de prever mesmo que os Bancos no estrangeiro se mostrem, de ora em diante, mais cautelosos nas linhas de cedência de fundos que abriram a favor do BCP, quer agravando spreads, quer reduzindo os respectivos limites. Fundos mais caros (logo, menor competitividade) e, na pior das hipóteses, em menor volume - eis o que aguarda o BCP nos dias que aí vêm.

v      Dado que as posições dos maiores grupos bancários portugueses no mercado interbancário doméstico são pouco significativas, o efeito de contágio é, entre nós, praticamente nulo - apesar de o BdP não dispor já dos meios que lhe permitiriam suprir ocasionais falhas de liquidez (essa competência pertence agora por inteiro ao BCE - e é legítimo interrogarmo-nos sobre o empenho deste em apoiar um Banco de reduzida expressão à escala da zona euro que se encontre em dificuldades).

v      Ora, se os clientes do BCP não dão mostras de quebra de confiança e se o contágio via mercado interbancário doméstico nada mais é que uma possibilidade remota, estará definitivamente afastado o cenário de crise bancária?

v      Não. Não está - por algo que escapou de todo à atenção dos teóricos: a perda de credibilidade por parte da Autoridade que supervisiona um sistema bancário fortemente endividado junto de Bancos no exterior.

v      Na nova ordem financeira internacional, não são só os Bancos (e as Instituições de Serviços Financeiros, em geral) que ficam sujeitos ao escrutínio pelos pares. As Autoridades de Supervisão, garantes últimos da credibilidade e reputação dos respectivos sistemas bancários, também não escapam à disciplina do mercado (o 3º Pilar do Basileia II) – facto que nem todas gostam que se lhes recorde.

v      Bancos com sede em sistemas bancários deficientemente supervisionados são, fatalmente, penalizados nas suas actividades transfronteiriças - e surgem aos olhos de supervisores experientes como entidades causadoras de risco acrescido. Banco que queira expor-se a tais riscos terá de lhes afectar proporcionalmente mais Capitais Próprios – o que é penalizador.

v      No caso vertente, que o BCP experimente dificuldades na renovação (roll over) das linhas interbancárias de que dispõe, não deve causar surpresa. É uma realidade com a qual ele terá de conviver durante uns tempos – mas que, em circunstâncias normais, deixaria intacta a liquidez do sistema bancário português no seu todo (e com a apreciável vantagem “macro” de travar o financiamento dos deficits estonteantes da nossa BTC).

v      O que deveria ser evitado a todo o custo é que a crise no BCP viesse a prejudicar o acesso dos outros grupos bancários de raiz portuguesa (CGD, BES e BPI) aos mercados interbancários (e, a prazo mais dilatado, aos mercados de capitais) internacionais - de que todos eles, aliás, dependem estruturalmente.

v      Se tal acontecer teremos, então sim, uma crise bancária, e das grandes, entre mãos. Que fará do déficit orçamental excessivo uma brincadeira de meninos.

v      Para tanto, a reputação e a credibilidade internacionais do BdP, enquanto Autoridade de Supervisão, inevitavelmente abaladas num primeiro momento, terão que ser prontamente repostas: esse o objectivo de máxima prioridade.

v      Negar a evidência de que a supervisão prudencial falhou relativamente ao BCP (como falharam Auditores Externos, Agências de Rating e tutti quanti) é o pior que se pode fazer, na circunstância – pela simples razão de que traz à luz do dia a incapacidade de o BdP reconhecer e corrigir os seus próprios erros.

v      Para quem vê de fora, com uma supervisão assim, relutante a emendar-se, será que os outros Bancos portugueses não continuam a esconder também, lá no saguão deles, um BCP que têm conseguido até agora disfarçar?

v      Quando conseguimos transformar uma benção numa maldição (refiro-me da adesão à zona Euro), tornámo-nos sérios candidatos a um prémio Nobel. Hélàs! Foi para outros.

v      Agora, ao darmos ao mundo uma nova fonte de risco sistémico (a própria Autoridade de Supervisão), rasgamos novos e insuspeitados horizontes à teoria económica. Se, desta vez, não recebermos o Nobel é porque, de facto, a Academia Sueca não vai mesmo com a nossa cara - e tanta injustiça magoa.

Lisboa, Janeiro de 2008

 A.PALHINHA MACHADO

Burricadas nº 13

AT THE END OF THE RAINBOW, YOU’LL FIND A POT OF GOLD

v      A lista PS para o Conselho de Administração do BCP deixou muitas almas em transe.

v      Que vão passar os segredos da CGD para o seu principal concorrente, no mercado interno. Que vão dar emprego a mais uma legião de militantes e simpatizantes do partido. É o que mais se ouve dizer.

v      Mal avisadas andam as vozes que assim falam. Se outras razões não houvesse, estas duas bastavam para ver que a coisa vai fiar mais fino.

v      Nenhum Banco a operar, hoje, em Portugal usa, na sua actividade corrente, técnicas sofisticadas que mereçam especial protecção. O mercado não pede, os Bancos não têm. O que se faz por cá hoje em dia é Banca de Retalho da mais comezinha – com uma concorrência fingida que todos, pelos vistos, muito apreciam. Quanto a finança pura e dura, estamos conversados.

v      Ah! E os clientes? Quantos serão aqueles que vão acompanhar os administradores em trânsito da CGD para o BCP? Nenhuns – ou quase. O mercado português não é tão diversificado assim. Todos se conhecem, mas nem tudo se conhece. E é possível que Clientes, sobretudo empresas, com uns probleminhas na CGD, mas ainda impolutos no BCP, comecem a sentir as orelhas a arder (a Central de Riscos, entre nós, não tem uma eficácia por aí além).

v      Ora! Mas os lugares, os jobs for the boys, esses são pela certa. Talvez não. O BCP sofre patologicamente de Gastos com a Estrutura excessivos que, ano após ano, absorvem a totalidade da Margem Financeira Recorrente (têm sido os Resultados não recorrentes e o deficiente reconhecimento contabilístico, quer das perdas realizadas, quer das perdas potenciais, a equilibrarem o barco). A nova administração, se quiser fazer algo de útil, é por aí que terá de começar. Um ou outro boy por lá poderá fazer o seu ninho - para grande felicidade do contemplado e dos seus mais próximos, mas sem qualquer expressão a nível de custos, resultados e reequilíbrio financeiro.

v      Então? Nada? Afinal, este é só mais um episódio corriqueiro?

v      Nem tanto. Por três razões - e razões de peso.

v      Primeiro, os Bancos – todos os Bancos, sem excepção - são, nos dias que correm, verdadeiros diários íntimos de indivíduos e de empresas. É nos Bancos que ficam indelevelmente registados todos os golpes de fortuna que recebemos, todos os pecadilhos, fiscais e não fiscais, que cometemos de forma deliberada. Os Bancos são os enormes armários que escondem os fantasmas de todos nós.

v      Pelo que se foi conhecendo ao longo deste último ano, o BCP é fértil em fantasmas (dele próprio e dos seus Clientes) – e essa informação tem um valor incalculável para quem queira manipular a actividade empresarial e a realidade, em geral. Acontece que o BCP se encontra particularmente fragilizado, quer no mercado, quer internamente – e isso torna-o especialmente vulnerável à curiosidade alheia.

v      Primeira razão: O acesso franqueado a uma bela base de dados sobre as misérias cá da terra.

v      Depois, o forte da CGD, para lá dos empréstimos pessoais (hipotecas residenciais, crédito ao consumo), caminhos que o BCP tem calcorreado também com grande empenho, são os empréstimos ao Sector Público (incluindo os Institutos Públicos, as Empresas Públicas e que tais).

v      A capacidade que a CGD ainda tem para assegurar novos financiamentos ao Sector Público é já escassa, se entretanto não vir aumentado o seu Capital – e em dinheiro (os Pilares 1 e 3 do Novo Acordo de Basileia foram bem compreendidos pelo partido no poder e estão já a bulir com o sistema bancário português). Mais um Banco disponível para colaborar nestes financiamentos, agora que o rigor orçamental aperta, será certamente benvindo – mesmo que, durante os próximos anos, ele pouco tenha para dar.

v      Segunda razão: Não é o BCP que vai tirar proveito dos conhecimentos e da experiência dos ex-administradores da CGD; é a CGD que vai ter sempre à mão um parceiro dócil para os financiamentos sindicados ao Sector Público, decididos por critérios exclusivamente políticos. E se assim for, menos ficará para financiar as empresas.

v      Enfim, os empresários portugueses (com honrosas excepções) têm uma idiossincrasia muito própria: aplaudem a concorrência quando sentem que o apoio do Governo os favorece em prejuízo dos concorrentes; e clamam por protecção quando a concorrência aperta.

v      Terceira razão: Mais um Banco orientado pela bússola do interesse partidário, principalmente quando se trata do maior Banco privado, é uma oportunidade de ouro para, com financiamentos e mais financiamentos, fidelizar clientelas e comprar descontentes. Com o brinde de esvaziar um centro que disputava influência aos partidos com vocação do poder.

v      Esta equação assim formulada tem duas incógnitas – a saber: os accionistas estrangeiros e os mercados interbancários que têm financiado o grosso da actividade do BCP. Os accionistas qualificados portugueses, esses, desde que o Banco continue a financiá-los sem fazer perguntas incómodas, não levantarão ondas. É por isso que qualquer lista concorrente à lista PS está votada ao fracasso.

v      Os mercados interbancários vão rejubilar com o conforto moral que a sombra do partido no poder (e as reservas de ouro sobre as quais repousa...) sempre confere. Não será por aí que a casa treme.

v      Os accionistas estrangeiros, prevendo que a factura de tanta engenharia financeira lhes seja um dia apresentada, poderão ser tentados, primeiro, a desfazer-se prudentemente das acções que possuem e, mais tarde, a lançar ataques de short selling (como há tempos fez a Merrill Lynch com acções cedidas precisamente pela CGD) sobre o que restar do BCP para recuperarem o dinheiro que, entretanto, perderam.

v      Futurologia? Leitura dos astros? Aqui vai: (1) cotação das acções do BCP pelas ruas da amargura durante muito tempo; (2) aumentos de capital que não vão dispensar o dinheiro dos contribuintes, ainda que por caminhos ínvios, por não haver quem acorra em volume bastante; (3) desmantelamento do Banco, ficando o remanescente na órbita da CGD.

v      Triste fado para uma iniciativa privada tão louvada!

Dezembro 2007

A. PALHINHA MACHADO

 

NOTA FINAL:

"Esclarecendo melhor o que pretendi dizer. A situação do BCP é pior do que se diz, mas não desesperada - nada que uma cura de emagrecimento, com colheradas de bom-senso tomadas hora a hora, não cure (prescrição que todos os outros Bancos cá da terra fariam igualmente bem em seguir).
O que acontece é que se juntou a fome com a vontade de comer. Como diz um conhecido meu, autarca de fina gema pelo maior partido da oposição (até ver...) - e com uma crónica de filme: onde não se vir ninguém, a gente poisa!
O PS olhou para um lado, olhou para o outro, não viu ninguém - e poisou. E deu, ele, e com ele os "irmãos do avental", um xeque-mate à Opus Dei que tanto os encanitava. Só que há ainda muitos mais jogos para jogar.
O teste à nova administração do BCP, seja ela qual for, passa por 3 áreas:
º Contenção imediata, e redução a muito breve trecho, dos Encargos com a Estrutura (qualquer coisa inferior a 20% do nível actual será insuficiente)
º Melhorias muito, mas mesmo muito significativas na avaliação e gestão do risco (abandonando a estratégia suicida de aumentar, aumentar sempre a quota de mercado)
º Retenção dos accionistas estrangeiros (os actuais, ou outros com iguais potencialidades, tanto faz) detentores de posições qualificadas, mas suficientemente diversificadas (que nenhum dos accionistas estrangeiros possa assumir a posição dominante; que nenhum pequeno grupo de accionistas estrangeiros possa conluiar-se para controlar a gestão do Banco)
Subsidiariamente: melhorias imediatamente perceptíveis na qualidade da informação financeira divulgada (e ao dispor da Gestão Superior do Banco) - para recompor credibilidade e reputação, que andam agora pelas ruas da amargura.
Simples, claro e fácil de perceber.
Só que, para que seja possível prosseguir os dois primeiros caminhos, o terceiro tem de estar garantido - e, isso sim, vai ser assaz complicado.
Como tentei provar, a ameaça fatal virá das estratégias de short selling que só entidades estrangeiras, com grande músculo financeiro, estarão em condições de desencadear. E quem tem, neste momento, a cabeça no cepo é o contribuinte portuga. Entretanto, a CGD já procedeu a um pequeno aumento de capital em dinheiro."

Burricadas nº 11

A justa ira dos deuses

v      Por fim, os Supervisores acordaram do seu dolce far niente. Deo gratias. Mas duas perguntas continuam por aí a envenenar os espíritos, ainda sem resposta.

v      Cadê os outros?

v      É que ninguém, em seu perfeito juízo, acredita que o BCP tenha tido, entre nós, o monopólio da gestão imprudente do risco de crédito. Talvez ele, porque desde sempre viveu obcecado com a conquista de quota de mercado a qualquer preço, tenha ido longe de mais na imprudência. Mas a diferença para os restantes Bancos cá do burgo, se diferença houver, será, quanto muito, de ordem de grandeza - nunca de substância.

v      O que é verdadeiramente reprovável na conduta das sucessivas administrações que o BCP já conheceu são os esquemas a que lançaram mão para fazer de cada emissão de acções um sucesso retumbante.

v      Financiar sistematicamente e em grande escala (mas poderia ter sido apenas em pequeníssima escala, que não é a dimensão do facto que dá razão à crítica ) terceiros para que estes acorram aos aumentos de capital (pior, pôr como condição de empréstimos a subscrição de umas quantas acções do Banco) é exemplo rematado de uma clara situação de conflito de interesses (agency problem).

v      Ganha a administração- que faz um brilharete e se perfila para receber uns bem merecidos prémios. Ganham os consultores - que a aconselhem na aventura. Ganham umas comissões mais os que distribuam essas novas acções pelo mercado. E perdem todos os outros.

v      Perdem os que já eram accionistas - os quais vão suportar um duplo prejuízo: (1) aquele que resulta do efeito de diluição das novas acções na cotação das acções existentes; (2) e aquele outro inerente ao risco de crédito agravado que esses financiamentos tão especiais sempre representam (com os devedores, inadimplentes ou apenas sem vontade de pagar, a darem essas acções em pagamento, pelo preço que as subscreveram, pondo assim termo a uma situação que não lhes era favorável).

v      Perdem credibilidade as Bolsas onde as acções antigas estavam cotadas - posto que, sem se aperceberem, foram alvo de uma manipulação de mercado grosseira.

v      Perde o sistema bancário – e perde duplamente também: (1) porque o Banco que assim procede goza, por uns tempos, de uma supremacia competitiva que é meramente fictícia; (2) porque um Banco que, por esperteza saloia ou imprudência, se tornou mais frágil vai fragilizar todos os restantes (isto é, agrava o risco sistémico).

v      Enfim, perdem os contribuintes – porque, se esse Banco entrar em crise, é a eles, contribuintes, que, no final do dia, a factura de reequilibrar o sistema bancário vai ser apresentada.

v      Os nossos Supervisores, com enorme desfaçatez, comportam-se agora como se tudo isto tivesse ocorrido ontem mesmo – vá lá, com boa vontade, algures no corrente ano. Qual quê?

v      Quase todos os factos que formam a “saga do BCP” ocorreram há mais de 3 anos. Como podem os Supervisores pretender passar para a opinião pública a ideia de que, atentos e vigilantes, estão a actuar em cima do acontecimento?

v      Não tiveram eles todos os dias destes últimos anos (e, se recuarem no tempo, outras surpresas aguardá-los-ão por certo) para detectar os actos que hoje, com pompa, circunstância e grandiloquência, declaram ilícitos?

v      Não são eles pagos justamente para prevenir, primeiro, detectar prontamente, quando necessário, e interromper com firmeza estas práticas?

v      Que contas prestaram eles, então? E que contas vão prestar, agora?

v      E tantos accionistas do BCP, objectivamente prejudicados pela actuação mais diletante (para não escrever menos escrupulosa) das suas administrações (responsabilidade contratual) e pela negligência dos Supervisores (responsabilidade extracontratual) nos quais confiavam?

v      Não vão exigir de umas e de outros a justa reparação a que têm inegavelmente direito?

Lisboa, Dezembro de 2007

 A. PALHINHA MACHADO

Burricadas nº 6

Dimensão, ao que me levaste....

v      Sim, vou escrever uma vez mais sobre o maior Banco privado português.

v      Não, não vou glosar o grand finale dos empréstimos feitos ao filho do Grande Timoneiro. O Banco, a mais modesta Instituição Financeira, que não tiver no cartório um gesto de carinho e simpatia para com parentes e amigos dos seus Administradores, Directores e, até, do porteiro, que atire a primeira pedra. Garanto-lhe, Leitor, que ninguém resultará ferido do repto – e não será por falta de pedras ou de pontaria.

v      Vou comentar, sim, e uma vez mais, a “engenharia financeira” que inspirou os sucessivos aumentos de capital do BCP (e de outros Bancos), sob o olhar complacente e bonacheirão dos nossos perspicazes Supervisores.

v      Então é assim. Quando um Banco empresta dinheiro aos que pretendem adquirir uma nova emissão de acções desse Banco, o aumento registado no Capital Social e no saldo da conta “Prémios de Emissão” (numa palavra, os seus Capitais Próprios) tem por contrapartida igual aumento no saldo da conta “Clientes”. Ou seja, o Balanço do referido Banco infla, avoluma-se, nessa exacta medida.

v      Só que - os efeitos desse avolumar não são simétricos (diriam os teóricos: não é um jogo de soma nula). Dando números à coisa para se ver melhor.

v      O Banco, com entradas de capital e prémios de emissão, vê aumentados os seus Capitais Próprios em +1,000 - e leva os custos dessa emissão de acções a Resultados do Exercício (que, neste exemplo, continuam positivos, por hipótese).

v      Desde logo, esta forma de contabilizar os custos da emissão prejudica duplamente o interesse imediato de quem já seja accionista: pelo efeito de diluição que a nova emissão, muito provavelmente, terá na cotação do título; porque diminui os Resultados susceptíveis de serem distribuídos como dividendos.

v      Na coluna da esquerda do Balanço, a Carteira de Clientes aumenta também +1,000.

v      A estes novos 1,000 no Activo, o Banco terá de afectar, no mínimo, 8% dos seus Capitais Próprios. Sejam, não 8%, mas 10%, porque o Banco é um ícone da prudência financeira. Em números: do acréscimo de 1,000 nos Capitais Próprios, 100 ficaram de imediato a respaldar o correspondente acréscimo na Carteira de Clientes.

v      E os restantes +900 nos Capitais Próprios?

v      Ah! Esses ficam livres para respaldar o crescimento do Balanço do Banco. Em quanto? Se o Banco persistir na “regra de adequação do capital” dos tais 10%, até +9,000!

v      Mas, perguntará o Leitor, o Banco não conseguirá certamente financiar por inteiro este acréscimo do seu Activo (+9,000) só com a sua própria moeda escritural. Alguma liquidez irá perder na Compensação Interbancária, por efeito da concorrência.

v      Se passar despercebida a quem dirige o Banco a essência da intermediação bancária, é até provável que ele perca tudo num ápice. Por isso, o acréscimo do Activo não subirá aos píncaros dos +9,000, mas ficará talvez pelos mais modestos 4,000-6,000. Como financiará o Banco, então, um deficit acumulado na Compensação Interbancária desta ordem de grandeza, já que da realização do aumento do capital nenhuma liquidez pingou (no exemplo, a emissão foi integralmente financiada por empréstimos do próprio Banco)?

v      Simples. Endivida-se junto de Bancos estrangeiros (a alavancagem monetária externa dos Capitais Próprios), dado que o que não falta é liquidez no mercado interbancário internacional - e, ainda há pouco, as regras prudenciais não reagiam a esta “engenharia financeira” oportunista.

v      Se os dividendos distribuídos após a engenhosa emissão de acções forem inferiores ao custo do endividamento contraído para as adquirir, melhor ainda. Tudo é feito à custa dos accionistas, novos e velhos, financiados e não financiados.

v      Mas se quem pediu emprestado para se tornar accionista do Banco não pagar a dívida que contraiu? Aumenta o malparado – mas o Banco credor, astuto, sempre espera cobrar algo mais do que as acções que ajudou a comprar.

v      Se não se verificarem circunstâncias muito excepcionais, e se diluir no tempo todas essas situações, conseguirá cobrir boa parte do correspondente malparado com Resultados (do exercício ou transitados) – à custa dos accionistas não financiados, naturalmente.

v      No limite, porém, registará (por efeito dos abates ao Activo) prejuízos idênticos a esse malparado, vendo reduzidos os seus Capitais Próprios em igual montante – e sempre, sempre à custa dos que continuarem accionistas. E, se tal acontecer, a alavancagem monetária externa dos Capitais Próprios entretanto reduzidos atingirá níveis de estarrecer.

v      Quem ganha, então? Responderia J. K. Galbraith: a tecnoestrutura: Maiores volumes (e sabe-se como os analistas se fixam, fascinados, nos volumes, na dimensão, como medida última do desempenho e da solidez). Mais dinheiro para gastar. Mais aparências de boa gestão. Mais “stock options” e outros bem merecidos “fringe benefits” para quem assim tão bem gere o Banco.

v      Dito de outro modo, este é um exemplo vivo do que a literatura designa por “agency problem”: o conflito de interesses entre Accionistas e Administração/Direcção.

v      Conflito de interesses entre Accionistas e Administração/Direcção? Isso é terreno da CMVM. Alguém a viu ou ouviu antes, durante ou depois das tais emissões de acções que tiveram lugar em mercado regulamentado?

v      Excessivo endividamento interbancário (mais exactamente, excessiva alavancagem monetária externa dos Capitais Próprios)? Perdas potenciais enormes? Isso não afecta a estabilidade do nosso sistema bancário (como no Chile em 1980, e no Extremo Oriente em 1996/1997)? E não passa por aí a esfera de competências do Banco de Portugal? Alguém o viu, ou ouviu, antes, durante ou depois das tais emissões de acções por Bancos supervisionados? Ou quando a alavancagem monetária externa de vários destes Bancos atingia níveis que ultrapassavam em muito os que se verificaram durante a crise asiática?

v      Pondo a questão frontalmente: os nossos Supervisores justificam o dinheiro que ganham?

a.palhinhA MACHADO

Outubro 2007

CURTINHAS XXVII

MUCH ADO ABOUT SO LITTLE... (*)

v     A recente imposição, por via legislativa, da regra de arredondamento à décima de ponto-base (um ponto base é 1%x1%; assim, esta regra obriga a arredondar para o múltiplo de 0.001% mais próximo) nas taxas de juro nominais foi celebrada, urbi et orbi, como uma vitória de todos nós sobre a Banca rapace.

v     Aqueles que devem empréstimos onde a taxa de juro nominal era, até agora, obtida através de um arredondamento mais grosso (ao múltiplo de 1/16%, 1/8% ou, mesmo, de 1/4% imediatamente superior) saem, naturalmente, a ganhar com esta iniciativa do legislador: se tudo o resto no seus contratos de empréstimo se mantiver na mesma, vão suportar de agora em diante um custo do capital ligeiramente inferior àquele com que contavam.

v     Custo do capital: eis o cerne da questão. E o que é isso de custo do capital – coisa de que ninguém ouviu falar em toda esta história?

v     Por todo o lado, quem vende não tem rebuço de mostrar ao seu cliente o preço redondo que este terá de pagar. Nanja os Bancos. Por tradição, em vez de dizerem quanto levam por emprestar dinheiro (ou por subscrever uma determinada posição neste ou naquele contrato financeiro), ponto final, desenrolam uma longa lista de “mais isto e mais aquilo”, a fazer lembrar os problemas de aritmética na instrução primária. E, quantas vezes, o “mais isto” é um débito com que o cliente, em seu perfeito juízo e bem informado, não contava de todo.

v     Naturalmente, o custo do capital num empréstimo é a súmula de todos essas quantias que o Banco, prevalecendo-se da sua condição de credor e a pretexto dos fundos que emprestou, resolve debitar, quer à cabeça, quer no decorrer do prazo, quer quando esse empréstimo é finalmente pago. De modo aproximado, relaciona duas quantias: (a) aquela que o Mutuário pode efectivamente dispor para os fins que o levaram a contrair o empréstimo; e (b) aquela outra que ele terá de reembolsar. Porque das quantias que o Banco entender debitar-lhe não poderá o cliente dispor livremente.

Grão a grão enche a galinha o papo e . . .

. . . põe ovos de ouro

v     Os juros são uma parcela importante do custo do capital – e, para calculá-los em cada período de contagem há que recorrer à taxa de juro nominal (por definição, de base anual) que o contrato de empréstimo estabelece. Mas não só. Há que saber também: (a) quantos dias tem o ano que está na base dessa taxa nominal (360? 365? 366, se o ano for bissexto?); (b) como se passa da taxa anual (a taxa de juro nominal) para a taxa reportada ao período de contagem dos juros (usualmente, três ou seis meses; raramente, um ano); (c) se os dias são contados pelo calendário (dias decorridos) ou de acordo com uma qualquer outra convenção.

v     Não são, porém, a única. Agravam o custo do capital, e não tão pouco assim: (a) as comissões que os Bancos debitam como tal; (b) as despesas sem qualquer proporção com o real valor dos serviços que os Bancos dizem prestar - e que são, afinal, comissões mascaradas (como a generalidade dos gastos de avaliação, ou de expediente, por exemplo); (c) as despesas registrais inúteis ou redundantes que os Bancos entendem exigir; (d) tantas e tantas despesas, umas grandes, outras miudinhas, sem utilidade comprovada – que a imaginação dos Bancos, nesta matéria, é especialmente fértil; (e) o modo arbitrário como é determinado o indexante nos empréstimos com juros indexados; (f) enfim, a carga fiscal (IVA, Imposto de Selo) que incide sobre todos estes débitos e que o Mutuário lá terá de suportar também.

v     À vista disto, fácil é concluir que o que se passava com os arredondamentos nas taxas de juro nominais nem sequer teria um peso por aí além no custo do capital. E que, para incutir mais transparência nas operações bancárias, importante, importante, era levar as Instituições Financeiras (e, não só, os Bancos) a demonstrar e a divulgar, em letras bem visíveis, daí em diante, o verdadeiro custo do capital dessas operações (nada que não se exija a um lojista: preços finais bem à vista). Elas depois que desdobrassem esse custo e o facturassem como melhor lhes parecesse – desde que o respeitassem. E o que digo para os empréstimos é igualmente válido para os depósitos bancários.

v     Surpreendente é que ninguém da Banca, da Associação de Bancos, do Banco de Portugal, nenhum jornalista financeiro tivesse vindo a terreiro explicar isto mesmo. Preferiram todos embandeirar em arco por uma migalha, deixando intacto o fundo da questão – a saber: a falta de transparência no custeio (pricing) das operações bancárias.

v     Surpreende também que esta questão tenha sido resolvida por decreto governamental. Estou seguro de que em qualquer país financeiramente adulto o assunto teria sido tratado através da auto-regulação – vá lá, com um discreto empurrãozinho da Autoridade de Regulação.

v     E é justamente pela importância que lhe foi dada, pela forma como foi solucionado e pelas manifestações de júbilo que se fizeram ouvir por tão pouco que este episódio dá bem a medida do nível a que chegou a iliteracia financeira, entre nós. Forçoso é reconhecer que os princípios básicos da finança são-nos ainda absolutamente estranhos.

v     A propósito da falta de transparência nas operações bancárias muito poderá ser dito. Logo no topo, a forma peculiar que a norma supletiva reveste quando está presente um Banco. Como se sabe, o princípio fundador dos contratos é o da livre vontade das partes – recorrendo-se à lei geral, apenas, quando essas vontades forem omissas ou em caso de litígio de interpretação. Nas operações bancárias (que são sempre contratos) o princípio que vigora é completamente outro: o que não se encontrar expressamente descrito, ou estiver confuso ou for omisso compete ao Banco contraparte dizer como é. Para isso estão as remissões para tabelas que os Bancos modificam a seu bel-prazer sem se darem ao incómodo de notificar os seus clientes - mas que de imediato aplicam, seguros daquela velha máxima: “o débito em conta é notificação bastante”.

v     Seguidamente, um longo rol: (a) os “dias de protesto” (2 ou 3 dias, conforme os casos) sempre acrescentados ao período de contagem dos juros e nunca corrigidos; (b) a manipulação, quantas vezes grosseira, se não mesmo contra natura, das datas/valores (e é a partir das datas/valores que os juros são contados); (c) o desfasamento entre as datas/valores nas contas empréstimos e as datas/valores das respectivas contrapartidas nas contas de depósitos à ordem; (d) os arredondamentos numéricos em tudo o que seja resultado de multiplicações e/ou de divisões (e todas as operações bancárias envolvem sucessivas multiplicações e divisões); (e) a inconsistência (isto é, a intercalação de divisões e multiplicações) dos algoritmos de contagem dos juros; (f) a adopção de indexantes que remetem para páginas reservadas a assinantes, sem que os Bancos se dêem ao trabalho de enviar aos seus clientes cópia dessa página, como comprovativo; (g) a captação do valor do indexante no dia que para o Banco seja mais conveniente; (h) o débito sem pudor de comissões não previstas contratualmente; (i) a execução irresponsável de ordens de pagamento a favor de terceiro; (j) os débitos pela pseudo prestação de serviços que o cliente não solicitou – no entendimento de que “quem cala, consente”; (k) a utilização sem controlo das contas-correntes (contas de depósito, contas empréstimos) para fazer correcções e acertos, como se fossem simples contas contabilísticas – não se cuidando de neutralizar as respectivas datas/valores; (l) a venda de pedaços do Ficheiro de Clientes a terceiros, pertencentes ou não ao mesmo grupo financeiro, sem autorização expressa dos clientes envolvidos; (m) a realização de operações de bolsa (e, no caso da gestão fiduciária de fortunas, a tomada de posições em instrumentos derivados) em nome e por conta dos clientes, mas no interesse exclusivo do Banco; (n) a apropriação pelo Banco depositário dos direitos de subscrição que os clientes não exerceram; (o) a recusa do pagamento parcial de um cheque pelo saldo existente na conta sacada; (p) a cobrança dos créditos detidos pelo Banco, ou por alguma das suas associadas, sem notificação e em prejuízo dos restantes credores com igual graduação; (q) enfim, extractos bancários (sobretudo, de contas empréstimos) totalmente incompreensíveis e enviados a desoras. E a história dos PPR (de outros instrumentos com benefícios fiscais), essa, merece um capítulo específico.

v     Ah! Mas temos a regra do arredondamento das taxas de juro nominais em letra de forma no Diário da República – e com isso rejubilamos.

Lisboa, Dezembro de 2006

 

A. Palhinha Machado

 (*) - "ado" - expressão inglesa que caiu em desuso significando "agitação, excitação, confusão, barafunda".

"NIHIL OBSTAT", DISSERAM ELES

 

1. A propósito da OPA que o BCP lançou sobre o BPI (operação que aguarda o favor dos deuses vai para nove meses), muito se tem dito e escrito sobre o que daí resultará para os clientes de um e de outro Banco, para a concorrência no nosso mercado e para os empregados do Banco alvo. Quanto aos efeitos na solidez e na estabilidade do sistema bancário, o Banco de Portugal cedo veio a terreiro: nada a recear! Eu, por mim, não sou tão optimista.

O m/ ponto de partida são as Demonstrações Financeiras Consolidadas respeitantes a 2005 que estes dois Bancos publicaram já no contexto das normas internacionais de contabilidade (IAS) e divulgação financeira (IFRS). Para assegurar a comparabilidade dos dados divulgados, introduzi três correcções: (a) nas responsabilidades pensionáveis (deduzi aos Capitais Próprios as insuficiências declaradas, estivessem elas reconhecidas contabilisticamente ou não); (b) no Resultado Operacional (reclassifiquei como proveitos e custos não recorrentes, logo, extraordinários, todos aqueles que tivessem origem em posições expostas aos risco de mercado); (c) no Imobilizado Intangível (inclui aí os investimentos em imóveis arrendados que os Bancos portugueses, à revelia das referidas normas internacionais e da realidade jurídica, persistem em contabilizar como Imobilizado Tangível). Os Capitais Próprios resultantes dos ajustamentos referidos em (a) e (c) (segundo as IAS, o Imobilizado Intangível é para deduzir aos Capitais Próprios) divergem bastante dos Fundos Próprios divulgados, visto que a Autoridade de Supervisão condescende com situações que, noutros sectores e noutras latitudes, são tratadas com maior rigor.

2. O quadro ficcional da análise é o seguinte: a OPA, nos termos anunciados, é a primeira operação que estes dois Bancos levam a efeito em 2006 – e só depois retomarão eles as suas actividades habituais. Uma vez a OPA concluída com sucesso, só os Capitais Próprios do BCP subsistirão – com os ajustamentos necessários, naturalmente. Ora, no fecho de 2005, esses Capitais Próprios eram de € 2,102.4 milhões (Nota: Todos os valores neste artigo vão expressos em milhões de euros, com truncagem à direita na primeira casa decimal). Não integro, ainda, nos Capitais Próprios os Resultados do Exercício (753.4) porque ignoro que parcela foi, entretanto, distribuída como dividendo.

O Valor Contabilístico (Book Value) das acções do BPI, naquela data – incluindo os Resultados do Exercício por distribuir, e uma vez deduzidos o valor nominal das acções próprias (42.9, ou seja, 5.4% do seu Capital Social) e a insuficiência no respectivo Fundo de Pensões (65.2) – era de € 1.081/acção (775.6 no total). O BCP possuía em carteira umas 321 mil acções do BPI (cujo valor de Balanço, no entanto, não divulgou). Nestas condições, o preço de aquisição oferecido pelo BCP (€ 5.70/acção) exige-lhe um dispêndio de 4,085.5 (a que acrescem as comissões e os encargos desta operação) e traduz-se num goodwill de 3,309.9 nas acções efectivamente adquiridas durante a OPA, mais um ajustamento negativo (estimado em 1.8) no valor a que as tais 321 mil acções em carteira estavam contabilizadas.

Por outro lado, o BPI possuía cerca de 131.4 milhões de acções do BCP (representando 3.66% do Capital Social deste último), com valorização publicada. Concretizada a OPA, este lote de acções cai no perímetro de consolidação do BCP – e terá de ser reconhecido no Balanço Consolidado como acções próprias ao valor nominal (€ 1.00/acção) – o que arrasta um outro ajustamento negativo de 306.1

3. Sem entrar nos pormenores sobre como financiar esta OPA, que excede manifestamente as disponibilidades líquidas do Oferente (mas nada posso afirmar quanto às tranches por utilizar nas suas linhas interbancárias e nas suas Sociedades Instrumentais), esta operação leva a uma redução nos Capitais Próprios de partida do BCP de 3,617.8 (=3,309.9+1.8+306.1). Consequentemente, para não ficar com Capitais Próprios negativos, da ordem dos 1,515.4, este Banco vai ter de proceder ao aumento do seu Capital Social o mais tardar em simultâneo com a conclusão da OPA que lançou. De quanto, é o que resta apurar. Dois cenários podem ser imaginados: (a) num (o cenário A), o BCP limita-se a repor os Capitais Próprios com que parte para a OPA; (b) no outro (o cenário B), o BCP, uma vez concluída a OPA, passa a exibir uma estrutura de Balanço mais conforme aos padrões internacionais (isto é, menos “alavancada”). Naquele primeiro cenário, a entrada de capital (incluindo o Prémio de Emissão) seria de 3,617.8., como é bem de ver. Neste segundo cenário, teria de se falar em 5,710. O quadro (ver anexo) apresenta, em resumo, a estrutura do Balanço do BCP pós-OPA em cada um destes cenários (por unidade de Capitais Próprios):

Imediatamente se percebe que o cenário A configura uma alavancagem (isto é, uma relação entre Fundos Reembolsáveis e Capitais Próprios) excessiva, mesmo inadmissível, à luz das regras prudenciais que estão em vigor internacionalmente – em particular quanto ao endividamento líquido face a Bancos não residentes (ou seja, a alavancagem monetária externa líquida) que atingiria mais do triplo (3.3x) dos Capitais Próprios. Como esta entrada de capital não permitiria financiar a totalidade da operação, o endividamento do BCP, não importa sob que forma, aumentaria em cerca de 780.

Para reconduzir a estrutura do Balanço do BCP à tipologia da Banca Comercial em geral, mantendo intacto o seu Activo, a entrada de capital não poderia ser inferior a 5,710 conforme indiquei mais acima (cenário B), mas daria então para financiar a totalidade da operação e, ainda, para reduzir o passivo nos mercados interbancários internacionais (o qual baixaria para 1.5x).

4. Dir-se-á, com razão, que a entrada de capital pode ficar algures entre os 3,650 e os 5,710 – sendo a diferença coberta pela venda e/ou pela titularização de activos. Assim é, de facto, se pelo menos uma das seguintes condições se verificar: (a) ou o BCP preparou já essas vendas e essas operações de titularização, de tal modo que elas podem ter lugar em simultâneo com a OPA; (b) ou a Autoridade de Supervisão vai ter de condescender com uma grave situação de insuficiência de Capitais Próprios durante largos meses. Acontece que operações de titularização de activos domiciliados em Portugal, de valor superior a 1,000 com um mesmo originador e num lapso de tempo tão curto não são propriamente triviais. E quaisquer menos valias que o BCP aí venha a registar terá de as abater aos seus Capitais Próprios, numa espiral de ajustamentos negativos.

Seja como for, o certo é que se trata de um aumento de capital que é inegavelmente grande pelos padrões internacionais – e sem paralelo na curta história financeira portuguesa. Conseguirá o BCP levá-lo a efeito com sucesso? Não sei. Sei sim é que a solidez e a estabilidade do nosso sistema bancário dependem do sucesso de tudo isto – qualquer coisa como 30% do mercado. Que garantias terá dado o BCP à Autoridade de Supervisão? Mistério profundo.

Então como é ? . . .

 . . . Estará  a nossa banca opada ou definhada?

 

5. Os efeitos da OPA poderiam ser analisados ainda sob muitas outras perspectivas, nomeadamente: os encargos com a estrutura (o rácio cost-to-income, em que nem o BPI nem o BCP, sobretudo este, têm um historial brilhante); a gestão do risco de crédito (idem); o cúmulo do risco de crédito (os chamados “grandes riscos”); a diversificação do risco de mercado; ou a adequação dos Capitais Próprios dada a exposição ao risco. Fica para uma outra altura. Mas parece-me interessante discorrer um pouco mais sobre a cotação de equilíbrio das acções do BCP. Aqui, a dúvida maior é saber que Prémio de Emissão o mercado aceitará pagar num aumento de capital desta magnitude. Que não será por aí além, suspeita-se: no fecho de 2005, o Valor Contabilístico (Book Value) das acções do BCP estava 42% abaixo do par (alguma razão assiste ao CEO do BPI quando se lhe ouve dizer que o Oferente é “uma máquina de destruir valor”). Tradicionalmente, o BCP tem adoptado um múltiplo entre 2 e 3 para fixar o preço de subscrição de novo capital. Assim sendo, as novas acções seriam emitidas a, talvez, € 1.80/acção, com um prémio de € 0.80/acção (o Book Value, concluídas todas estas operações, andaria por € 0.802/acção). Seja. Estamos a falar, então, numa emissão de 1.64 mil milhões de acções (aproximadamente 47.5% das acções disponíveis no mercado) com um efeito de diluição esperado nas cotações de equilíbrio deste título a rondar os 9.5%. Vista apenas por este ângulo, a OPA não assusta, de facto.

QUADRO

 

Cenário a

Cenário b

ACTIVO

 

 

Disponibilidades Líquidas

1.04

0.45

Posições Interbancárias

4.55

1.95

Carteira de Crédito Bancário

40.78

17.44

Carteira de Valores para Negociação

6.74

2.88

Carteira de Derivados

0.88

0.38

Outros Activos

5.06

2.17

TOTAL DO BALANÇO

59.06

25.27

passivo

 

 

Passivo Interbancário

7.71

2.91

Depósitos de Clientes

27.86

11.92

Passivo a médio/longo prazo

19.25

8.05

Outros Passivos (incl. Interesses de Minoritários)

2.83

1.21

Resultado do Exercício (por distribuir)

0.42

0.18

 

Lisboa, Dezembro de 2006

A. Palhinha Machado

CARTA ABERTA AO BRADESCO



Senhores Directores do

Bradesco,

Gostaria de saber se os senhores aceitariam pagar uma taxa, uma pequena taxa mensal, pela existência da padaria na esquina de sua rua, ou pela existência do posto de gasolina ou da farmácia ou da feira, ou de qualquer outro desses serviços indispensáveis ao nosso dia-a-dia.


 Que taxas deveremos no futuro pagar na padaria da esquina lá da nossa rua?


Funcionaria assim: todo mês os senhores, e todos os usuários, pagariam uma pequena taxa para a manutenção dos serviços (padaria, feira, mecânico, costureira, farmácia etc). Uma taxa que não garantiria nenhum direito extraordinário ao pagante. Existente apenas para enriquecer os proprietários sob a alegação de que serviria para manter um serviço de alta qualidade.

Por qualquer produto adquirido (um pãozinho, um remédio, uns litros de combustível etc) o usuário pagaria os preços de mercado ou, dependendo do produto, até um pouquinho acima.

Que tal?

Pois, ontem saí de seu Banco com a certeza que os senhores concordariam com  tais taxas. Por uma questão de equidade e de honestidade.

Minha certeza deriva de um raciocínio simples. Vamos imaginar a seguinte cena: eu vou à padaria para comprar um pãozinho. O padeiro me atende muito gentilmente. Vende o pãozinho. Cobra o embrulhar do pão, assim como, todo e qualquer serviço. Além disso, me impõe taxas. Uma "taxa de acesso ao pãozinho", outra "taxa por guardar pão quentinho" e ainda uma "taxa de abertura da padaria". Tudo com muita cordialidade e muito profissionalismo, claro.

Fazendo uma comparação que talvez os padeiros não concordem, foi o que ocorreu comigo
em seu Banco.

Financiei um carro. Ou seja, comprei um produto de seu negócio. Os senhores me cobraram preços de mercado. Assim como o padeiro me cobra o preço de
mercado pelo pãozinho.

Entretanto, diferentemente do padeiro, os senhores não se satisfazem me cobrando apenas pelo produto que adquiri.


Para ter acesso ao produto de seu negócio, os senhores me cobraram uma "taxa de abertura de crédito" - equivalente àquela hipotética "taxa de acesso ao
pãozinho", que os senhores certamente achariam um absurdo e se negariam a pagar.

Não satisfeitos, para ter acesso ao pãozinho, digo, ao financiamento, fui obrigado a abrir uma conta corrente em seu Banco. Para que isso fosse possível, os senhores me cobraram uma "taxa de abertura de conta".


Como só é possível fazer negócios com os senhores depois de abrir uma conta, essa "taxa de abertura de conta" se assemelharia a uma "taxa de abertura da
padaria", pois, só é possível fazer negócios com o padeiro depois de abrir a padaria.

Antigamente, os empréstimos bancários eram popularmente conhecidos como "Papagaios".  Para liberar o "papagaio", alguns gerentes inescrupulosos cobravam um "por fora", que era devidamente embolsado. Fiquei com a impressão que o Banco resolveu se antecipar aos gerentes inescrupulosos. Agora ao invés de um "por fora" temos muitos "por dentro".

- Tirei um extracto de minha conta - um único extracto no mês - os senhores me cobraram uma taxa de R$ 5,00.

- Olhando o extracto, descobri uma outra taxa de R$ 7,90 "para a manutenção da conta" - semelhante àquela "taxa pela existência da padaria na esquina da rua".

- A surpresa não acabou: descobri outra taxa de R$ 22,00 a cada trimestre - uma taxa para manter um limite especial que não me dá nenhum direito. Se eu utilizar o limite especial vou pagar os juros (preços) mais altos do mundo. Semelhante àquela "taxa por guardar o pão quentinho".

- Mas, os senhores são insaciáveis. A gentil funcionária que me atendeu, me entregou um caderninho onde sou informado que me cobrarão taxas por toda e qualquer movimentação que eu fizer.

Cordialmente, retribuindo tanta gentileza, gostaria de alertar que os senhores esqueceram de me cobrar o ar que respirei enquanto estive nas instalações de seu Banco.

Por favor, me esclareçam uma dúvida: até agora não sei se comprei um financiamento ou se vendi a alma?

Depois que eu pagar as taxas correspondentes, talvez os senhores me respondam informando, muito cordial e profissionalmente, que um serviço bancário é muito diferente de uma padaria. Que sua responsabilidade é muito grande, que existem inúmeras exigências governamentais, que os riscos do negócio são muito elevados etc e tal. E, ademais, tudo o que estão cobrando está devidamente coberto por lei, regulamentado e autorizado pelo Banco Central.

Sei disso.

Como sei, também, que existem seguros e garantias legais que protegem seu negócio de todo e qualquer risco. Presumo que os riscos de uma padaria, que não conta com o poder de influência dos senhores, talvez sejam muito mais elevados.

Sei que são legais.

Mas, também sei que são imorais. Por mais que estejam garantidas em lei, tais taxas são uma imoralidade.


Brasília, 30 de Maio de 2006.

Delman Ferreira


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