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A bem da Nação

O ÚLTIMO REI DE PORTUGAL

 

Nas cortes do Absolutismo, o poder, a influência de cada um era medida pela proximidade do rei. A gente de importância ficava perto, a gente sem importância ficava longe. Em princípio ninguém falava sponte sua à pessoa sagrada que representava a ordem política e a ordem social; esperava que lhe falassem e geralmente respondia com as fórmulas tradicionais que a etiqueta estabelecia.

 

 

A tentativa de Maria Antonieta para ser tornar “humana” e “popular” (indo ao teatro, por exemplo) prejudicou mortalmente a Monarquia e criou contra ela um ódio universal. Esta digressão vem a propósito da homenagem que a televisão e os jornais resolveram prestar a Álvaro Cunhal, no centenário do seu nascimento. Quase toda a gente, que se resolveu a partilhar as suas memórias do homem, o tratou como um soberano.

 

De Manuel Alegre a Herman José, não apareceu uma única solitária criatura que se atrevesse, a esta distância, a pensar nele como um homem. Verdade que o homem Cunhal se escondia por detrás da sua figura messiânica; antes de morrer sempre impediu que Portugal soubesse com quem vivia (ou vivera), o nome dos filhos (se existiam), que amigos tinha, como se divertia ou qualquer outra coisa susceptível de perturbar a imagem do “comunista de cristal”, que ele encarnava ou, pelo menos, pretendia encarnar. Não é coincidência que as personagens que por aí o incensaram ignorem quase totalmente a política e se lembrem muito bem de episódios triviais, em que o soberano magnanimamente desce à inferioridade dos serventes e cortesãos para se mostrar bondoso, sensível, irónico e até paternal.

 

Nas memórias que escreveram depois da revolução, os fiéis do “martirizado” Luís era assim que o lembravam.

 

Como hoje se lembram de Cunhal os militantes do PCP, os “companheiros de caminho” e umas largas dúzias de patetas. O indivíduo que planeava transformar Portugal numa espécie de Bulgária do Ocidente, o promotor do PREC, o responsável pelas “nacionalizações” e pela ocupação dos “latifúndios”, o desorganizador da economia, o inimigo da “Europa”, esse parece que desapareceu. Só resta, com muito sentimentalismo, como ele gostaria, a máscara do soberano, perante a qual ainda uma pequena parte do país se acha obrigada a genuflectir. A consciência histórica dos portugueses é um óptimo reflexo da inconsciência que os trouxe à miséria e ao desespero.

 

15/11/2013

 

 Vasco Pulido Valente

FUNDAÇÕES – A MÃO NO SACO

 

Uma pessoa entra no mundo das fundações (de qualquer género) e fica estupefacta com a desordem e a estranha ambiguidade a que ele chegou.

 

Que se trata de meter a mão no saco do Estado e no bolso do contribuinte: nenhuma dúvida. Mas não se esperava os requintes de invenção e tortuosidade da coisa.

 

O assunto, em que a imprensa mal tocou, merecia um livro de mil páginas não um artigo de 30 linhas. Comecemos pela Gulbenkian (pedindo desculpa a Artur Santos Silva que só lá entrou ontem). Mas quem me explica a mim por que misteriosa razão a Gulbenkian (que é uma das fundações mais ricas da Europa) recebeu do Estado, entre 2008 e 2010, 13.483 milhões de euros? E quem me dá uma justificação aceitável do facto inaceitável de a Gulbenkian continuar a ser uma "fundação pública de direito privado", em vez de ser, numa sociedade democrática, simplesmente uma fundação de direito privado, quando com o estatuto que tem agora o Governo pode, quando quiser, "designar ou destituir a maioria dos titulares dos órgãos de administração"? E quem me explica a inexplicável existência da Fundação Caixa Geral de Depósitos (a Culturgest)? Não é a Caixa um banco do Estado? Não há no Estado uma Secretaria ou um Ministério da Cultura? Ou a existência da Fundação Batalha de Aljubarrota (que nos gastou desde 2008 a 2010, um milhão e 900 mil euros) dedicada a "reconstruir" (palavra de honra) o "campo militar" e as "circunstâncias" (não estou a inventar) desse memorável combate (que, de resto, a tropa inglesa ganhou por nós? Ou a da Fundação Navegar (800 mil euros no mesmo prazo), que pretende o "desenvolvimento cultural artístico e científico de Espinho"? 

 

 

Ou a Fundação Carnaval de Ovar (750 mil euros), que sempre foi, como se sabe, um acontecimento mundial? Ou dezenas de outras fantasias, quase todas sem o mais leve senso e todas sem o mais leve escrúpulo.

 

Este espaço não basta para contar e analisar a história aberrante das fundações. Mas basta para dizer que o Estado (ou seja, a maioria dos governos democráticos) deixou crescer este monstro e o alimentou durante mais de 30 anos, sobre as costas do cidadão que hoje resolveu patrioticamente espremer.

 

E também chega para notar que os pretextos mais comuns desta razia silenciosa e prática, sempre invocada em tom indiscutível e beato, são dois, cultura e artes, com a ciência a grande distância.

 

Isto é, as fundações servem fundamentalmente para recolher e sustentar a iliteracia e a ignorância indígena (por exemplo 13672 funcionários nas fundações que Passos Coelho pensa fechar).

 

E o que é que sucedia ao País se ele amanhã parasse de estipendiar esta turba sem nome? Nada, queridos portugueses, rigorosamente nada. E talvez, com isso, o governo adquirisse alguma confiança e dignidade.

 

 Vasco Pulido Valente

NO ESCURO

 

 

Só um louco furioso pode pretender legislar a igualdade.

 

Infelizmente, os deputados de 1975 eram um bando de loucos furiosos, que não hesitaram em fazer isso mesmo; e, como se vê, ainda hoje há passagens na Constituição que permitem argumentar e decidir em nome da igualdade. Nenhum dos senhores juízes do TC sabe com certeza uma palavra de filosofia ou de história, caso contrário teriam recusado aplicar um princípio que em dezenas de ocasiões (nomeadamente na revolução francesa e na revolução russa) produziu matanças sem conta e uma crueldade sem justificação e sem desculpa. Mas não recusaram: o problema que afligiu quase todo o pensamento político do século XVIII pareceu a esse nobre colégio que nos tutela da mais meridiana simplicidade e em três meses dividiram o bolo pelos pobres, na maior tranquilidade de espírito.

 

O pior ainda é que nós não os conhecemos. Esta semana, num programa qualquer de televisão, o jornalista da casa perguntou ao grupo de comentadores (quatro ou cinco) se por acaso conhecia o Sr. Dr. Joaquim Sousa Ribeiro. Com um ar de perplexidade, o grupo confessou que nunca ouvira falar de semelhante pessoa. O Sr. Joaquim Sousa Ribeiro, como o país foi anteontem informado, preside ao Tribunal Constitucional. A penumbra em que o tribunal vive abrange os seus treze membros, escolhidos pela Assembleia da República por indicação do PS ou do PSD ou pura e simplesmente por cooptação. Podem ser incomparáveis juristas, mediocridades sem remédio ou caciques políticos. O que não impede que o Estado e através dele o país se entreguem sem uma pergunta aos seus cuidados.

De resto, a culpa não é deles. A maneira normal de escolher treze pessoas com tanto poder deveria assentar na análise das sentenças que elas já tivessem dado (se é que deram algumas), para medir o equilíbrio e o rigor com que habitualmente agiam. E, depois desta prova, fazer com que respondessem em público a uma delegação da Assembleia, para se averiguar o que pensavam da Constituição e o exacto modo como a interpretavam. Se existisse uma discussão contínua entre os professores de direito, principalmente como é óbvio entre os que se proclamam peritos no assunto, sobre a natureza e qualidade da chamada "lei fundamental", o exame dos putativos juízes do TC ficaria facilitado. Mas, como de costume, não existe ou está escondida em revistas da especialidade. Por isso é que Portugal acabou sujeito às trevas do Palácio Ratton e aos raios com que, de quando em quando, nos resolve fulminar

 

07/04/2013

 

  Vasco Pulido Valente

 

 

A MÃO NO SACO

 

 

Uma pessoa entra no mundo das fundações (de qualquer género) e fica estupefacta com a desordem e a estranha ambiguidade a que ele chegou. Que se trata de meter a mão no saco do Estado e no bolso do contribuinte: nenhuma dúvida. Mas não se esperava os requintes de invenção e tortuosidade da coisa.

 

O assunto, em que a imprensa mal tocou, merecia um livro de mil páginas não um artigo de 30 linhas.

 

Comecemos pela Gulbenkian (pedindo desculpa a Artur Santos Silva que só lá entrou ontem). Mas quem me explica a mim por que misteriosa razão a Gulbenkian (que é uma das fundações mais ricas da Europa) recebeu do Estado, entre 2008 e 2010, 13 483 milhões de euros? E quem me dá uma justificação aceitável do facto inaceitável de a Gulbenkian continuar a ser uma "fundação pública de direito privado", em vez de ser, numa sociedade democrática, simplesmente uma fundação de direito privado, quando com o estatuto que tem agora o governo pode, quando quiser, "designar ou destituir a maioria dos titulares dos órgãos de administração"? E quem me explica a inexplicável existência da Fundação Caixa Geral de Depósitos (a Culturgest)? Não é a Caixa um banco do Estado? Não há no Estado uma Secretaria ou um Ministério da Cultura? Ou a existência da Fundação Batalha de Aljubarrota (que nos gastou desde 2008 a 2010, um milhão e 900 mil euros) dedicada a "reconstruir" (palavra de honra) o "campo militar" e as "circunstâncias" (não estou a inventar) desse memorável combate (que, de resto, a tropa inglesa ganhou por nós? Ou a da Fundação Navegar (800 mil euros no mesmo prazo), que pretende o "desenvolvimento cultural, artístico e científico de Espinho"? Ou a Fundação Carnaval de Ovar (750 mil euros), que sempre foi, como se sabe, um acontecimento mundial? Ou dezenas de outras fantasias, quase todas sem o mais leve senso e todas sem o mais leve escrúpulo.

 

Este espaço não basta para contar e analisar a história aberrante das fundações. Mas basta para dizer que o Estado (ou seja, a maioria dos governos democráticos) deixou crescer este monstro e o alimentou durante mais de 30 anos, sobre as costas do cidadão que hoje resolveu patrioticamente espremer. E também chega para notar que os pretextos mais comuns desta razia silenciosa e prática, sempre invocada em tom indiscutível e beato, são dois, cultura e artes, com a ciência a grande distância.

 

Isto é, as fundações servem fundamentalmente para recolher e sustentar a iliteracia e a ignorância indígena (por exemplo 13672 funcionários nas fundações que Passos Coelho pensa fechar). E o que é que sucedia ao País se ele amanhã parasse de estipendiar esta turba sem nome? Nada, queridos portugueses, rigorosamente nada. E talvez, com isso, o governo adquirisse alguma confiança e dignidade.

 

 Vasco Pulido Valente,

In Público

 

COMENTÁRIO FUNDAMENTAL

 

Já nada se estranha, neste amontoado de indignidades no nosso país. O que se estranha é a facúndia dos que, tendo contribuído para elas, protestam alto e bom som contra os que, muito drasticamente, é certo, porque não poderão fazê-lo doutra forma, tentam dar uma reviravolta a tais anomalias, que nos possam ainda fazer erguer deste rastejar na lama da ignomínia contínua, diariamente enriquecida por novas achegas. Berta Brás

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