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A bem da Nação

LIDO COM INTERESSE – 78

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Título – O PODER E A GLÓRIA

Autor – Graham Greene

Tradutor – Manuel Cordeiro

Editora – Leya, SA

Edição – 1ª, Fevereiro de 2018

 

A bem dizer, este texto deveria ser «RELIDO COM INTERESSE» pois na minha juventude já lera uma tradução francesa de que não gostei. E se naquela época não percebi por que é que não gostei, hoje percebi perfeitamente: apenas porque não tinha maturidade para perceber. Portanto, não gostei e atirei todas as culpas para cima da tradução. Injustiça óbvia.

 

A história é sobejamente conhecida mas dá para referir que se passa no Sul do México na primeira metade do séc. XX quando o regime político se azedou pelas mãos de uns quantos jacobinos e perseguiu ferozmente a Igreja, nomeadamente fuzilando os Padres que não renunciassem ao celibato, às celebrações e às confissões. O personagem central é Padre, decide não renunciar e foge durante uns quantos anos até que…

 

E agora não conto mais para não estragar a leitura de quem ainda não tenha lido a obra numa qualquer língua.

 

Mas respigo passagens que chamaram a minha atenção.

 

«Na infância há sempre um momento em que se abre uma porta para deixar entrar o futuro.» (pág. 22)

 

«Sob a sua mirada séria transformava-se (…) num fantasma que quase podia ser soprado para longe (…) nessa idade não temos medo de muitas coisas, da velhice e da morte, nem de tudo o resto que poderá acontecer, das mordidelas das serpentes, das febres, dos ratos e dos maus cheiros.» (pág. 45 e seg.)

 

«(…) o argumento do perigo só se aplica àqueles que vivem numa segurança relativa» (pág. 106), não a quem vive numa insegurança total e permanente.

 

«O sentido da inocência que acompanha o pecado é espantoso e só os homens duros e corajosos – e os santos – estão livres dele.» (pág. 192)

 

«Para que servia a confissão quando se amava o resultado do crime?». (pág. 196)

 

* * *

 

E por aqui me fico.

 

Quer saber mais? Leia o livro. Custou apenas uma mexeriquice.

 

8 de Agosto de 2018

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 Henrique Salles da Fonseca

LIDO COM INTERESSE – 77

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Título – O VERMELHO E O NEGRO

Autor – Stendhal

Tradutor – Maria Manuel e Branquinho da Fonseca

Editor – Abril Controljornal Edipress

Edição – Junho de 2000

 

 

Sobre esta obra já terá havido recensões mais do que suficientes para que eu possa agora referir alguma perspectiva que tivesse passado despercebida à multidão de eruditos que a leram antes de mim. E lendo-a na tradução, muito provavelmente me poderá escapar a pureza do estilo literário do Autor, Stendhal.

 

Perguntar-se-á então o meu leitor, por que razão venho aqui tratar de algo sobre que já tudo foi dito e cujo estilo original pode não estar preservado.

 

Muito bem, venho apenas ler a tradução e quase dispensaria o original de cujo enredo me permitiria prescindir se ele não fosse fundamental para o que me interessa que, como já disse, é o trabalho dos tradutores.

 

Então, foi assim: João Gaspar Simões disse ao meu tio António José Branquinho da Fonseca que não gostara nada da tradução que por aí andava e que seria bom tratar de arranjar nova versão portuguesa que não achincalhasse Stendhal. Se ele, o meu tio, sabia de quem pudesse deitar mãos a uma nova tradução. Era óbvia a «cunha» que Gaspar Simões estava a meter ao meu tio para ser ele a fazer o trabalho. Mas, entre gerir as Bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian e escrever obra nova, o meu tio tinha muito mais que fazer e ficou de pensar em alguém que pudesse fazer o trabalho. E, sim, lembrou-se. Lembrou-se da mulher dele, a minha tia Maria Manuel.

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Eis como se chegou a um compromisso de a obra ser traduzida (claro que a partir do original e não da má tradução anterior), por ela, a minha tia, com a supervisão do meu tio. A função de cada um ficando previamente definida cabendo a Maria Manuel o grosso do trabalho e a ele a garantia da maior fidelidade ao estilo de Stendhal.

 

Eis por que na ficha técnica vem referido que a tradução é de Maria Manuel e Branquinho da Fonseca.

 

E eu, que já sabia disto tudo há mais de 50 anos, nunca lera o livro quer em francês (em casa dos meus pais havia um exemplar em francês que desapareceu na voragem das mudanças póstumas) quer nesta tradução. A outra, a chamada má por Gaspar Simões, nem sei qual era. Até que há dias deparei com esta edição relativamente recente numa prateleira da biblioteca da casa que tomo de renda numa praia próxima de Lisboa.

 

Suspendi as leituras que trazia e dediquei-me a esta com o à-vontade que me dá a certeza de uma obra notável traduzida por quem não trabalhava ao cronómetro e sabia ser fiel ao estilo do Autor traduzido.

 

E só para dar um cheirinho do que tenho estado a ler entre dois mergulhos nas salsas atlânticas, passo a transcrever pequenos trechos que chamaram a minha atenção. São só três citações e não maço mais.

 

«Para se obter a consideração pública em Verrières é preciso não adoptar (…) qualquer plano trazido de Itália (…). Tal inovação acarretaria sobre o imprudente a eterna reputação de má cabeça, ficando perdido para sempre no conceito das pessoas sensatas e moderadas que distribuem a consideração no Franco Condado. Com efeito, essas pessoas exercem ali o mais aborrecido dos despotismos; e por causa desta feia palavra é que a vida nas cidades pequenas se torna insuportável para quem viveu na grande república que se chama Paris. A tirania da opinião – e que opinião! – é tão estúpida nas pequenas cidades de França como nos Estados Unidos da América.» (pág. 8)

 

Fala o Presidente da Câmara de Verrières à «esposa»:

«- Eu falo, Senhora, como o falecido Senhor Príncipe de Condé, apresentando os camaristas à sua nova esposa: Todos estes homens, disse ele, são nossos criados. (…) Todos os que não são fidalgos e vivem em nossa casa recebendo um salário, são nossos criados.» (pág. 46)

 

«Desde a queda de Napoleão, todas as aparências de galanteria foram severamente banidas dos costumes da província. Receia-se ser-se demitido. Os patifes procuram apoio na congregação; a hipocrisia fez os maiores progressos, mesmo nas classes liberais. O tédio aumenta. Os únicos prazeres que restam são a leitura e a agricultura.» (pág. 50)

 

E muito mais haveria a referir mas o meu leitor tem muito mais que fazer como o meu tio também tinha quando Gaspar Simões lhe «encomendou um sermão» que ele não queria proferir.

 

Continuemos…

 

Fonte da Telha, Julho de 2018

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 Henrique Salles da Fonseca

(lendo por osmose ao estilo do Facebook)

LIDO COM INTERESSE – 76

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 Título – ALÁ NÃO É OBRIGADO

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Autor – Ahmadou Kourouma (24 de Novembro de 1927, Boundiali, Costa do Marfim - 11 de Dezembro de 2003, Lyon, França)

Tradutora – Luisa Feijó

Editor – ASA Editores

Edição – 1ª, Setembro de 2004

 

 

Gostei muito de ler este livro que me foi oferecido no Natal de 2004 e que estava por engano numa prateleira de livros já lidos.

 

O sentido do título é: Alá não é obrigado a ser justo com tudo o que se passa sobre a Terra.

 

E se antes da leitura do livro propriamente dito, li a contracapa, no fim da leitura conclui que a apresentação está muito bem feita. Portanto, dali extraio que se trata duma obra tão peculiar quanto o seu protagonista e narrador, Birahima, uma criança-soldado que assiste à morte da mãe e que, para sobreviver, sai da sua aldeia em busca da tia, a única pessoa que pode cuidar dele.

 

Da Costa do Marfim à Serra Leoa, passando pela Libéria, este órfão de “dez ou doze anos” irá passar por diversos Exércitos de guerrilheiros cujos líderes constituem uma riquíssima paleta de personagens, inesquecíveis pelas piores razões: há loucos e sádicos, psicopatas e figuras ridículas. A traição, a morte, a tortura e a mutilação são lugares-comuns por aquelas paragens. O próprio Birahima não é inocente nem culpado: é apenas uma criança que já viu demasiada violência e morte e de quem, à partida, se poderá pensar já não possuir qualquer noção do bem e do mal. Mas Birahima ainda consegue fazer essa distinção; só que as suas principais preocupações prendem-se com coisas tão fundamentais como sobreviver, alimentar-se, encontrar um sítio para viver e, acima de tudo, evitar ser assassinado.

 

"Alá Não é Obrigado" é um livro duro, poderoso, intenso, escrito por um autor que muito nos disse sobre a África contemporânea: as estranhas alianças entre chefes de Estado respeitáveis e criminosos de renome, a corrupção generalizada, a culpa, as boas intenções e as dificuldades das Nações Unidas e os desvios sofridos pelos mantimentos enviados pelas organizações não-governamentais. Em suma, uma realidade terrível que o autor nos descreve pela voz inesquecível de uma criança.

 

* * *

 

Expressões que chamaram a minha atenção:

 

«O joelho nunca usa o chapéu quando a cabeça está em cima do pescoço» (pág. 8) - num sentido equiparável ao nosso dito «quando um burro fala, os outros baixam as orelhas».

 

«Fiquei contente e orgulhoso como um campeão de luta senegalesa» (pág. 44) – não notei qualquer sentido especial para além do que a frase expõe mas a minha curiosidade resulta de eu não saber que há uma luta senegalesa diferente de outros tipos de luta. Confesso que não tentei esclarecer de que estilo de luta se trata.

 

Um personagem chamado Estabanado (pág. 61) não poderia deixar de ser um doidivanas.

 

Fiquei a saber que na Serra Leoa a um doido se chama «cacaba» (pág. 134), o que foneticamente me parece compreensível.

 

Abril de 2018

 

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Henrique Salles da Fonseca

LIDO COM INTERESSE – 75

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Título – O SANGUE DOS INOCENTES

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Autora – Júlia Navarro

Tradutora – Maria João Freire de Andrade

Editora – BERTRAND EDITORA

Edição – 1ª, Junho de 2017

 

* * *

 

A história é para quem a lê.

 

Seria de muito mau gosto e um autêntico desmanchar de prazeres vir aqui contá-la. Acho mesmo que a contra-capa já conta demais e que o interesse do putativo leitor se poderia despertar sem revelar tanto como ali se faz.

 

Bastaria dizer que se trata de um enredo (fictício, claro) sobre acontecimentos históricos, nomeadamente acerca dos cátaros. E em vez de contar histórias mais ou menos mirabolantes para animar os entusiastas de aventuras de capa e espada ou de «jamesbondices», a autora explica. E são estas explicações que contribuem muito para que se perceba o resto. E se aprenda o que esta grande estudiosa tem para nos ensinar em meia dúzia de linhas em vez de desenvolver relambórios chatos que convidariam a saltar páginas. Pelo contrário, escreve curto e de fácil leitura. E não toca em vulgaridades de cordel.

 

Tenho a tradução portuguesa como digna de realce e não me apercebi de que possa ter havido traições ao original.

 

Quanto à narrativa, achei graça ao modo saltitante como somos levados no espaço e no tempo. Fiquei com uma curiosa sensação de ubiquidade que raramente outro narrador alguma vez me deu. Mais: conhecendo eu muitos dos locais em que a narrativa se desenrola, senti-me envolvido naqueles espaços e historicamente transportado para cenários de evidente plausibilidade. De grande realismo, a subjectividade das personagens.

 

Mais do que com interesse, li com gosto e recomendo.

 

Fevereiro de 2018

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Henrique Salles da Fonseca

O FILHO DAS SALSAS ERVAS

 

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Até ele nascer, o pai teve catorze filhos sendo quatro do casamento e dez fora do dito.

 

Este rapaz que vos estou a referir, foi o único daquela mãe e esta não passava de uma das empregadas do pai, comerciante e fazendeiro numa terriola perdida num vale andino, no Peru. Para ela, o filho era um empecilho que não lhe permitia alternar o trabalho com os folguedos. Por isso, logo que conseguiu amealhar uns dinheiritos, comprou um bilhete de ida e volta na camioneta que os levaria a umas centenas de quilómetros, a uma terriola na costa peruana onde tinha parentes que por certo não se importariam de criar o petiz. Levou-o, deixou-o e regressou à origem antes que os tais parentes se arrependessem.

 

Os parentes, espantados, não tiveram tempo para manifestar qualquer arrependimento antes de a rapariga desaparecer pelo que a criança ficou em casa deles. Mas as atenções dispensadas foram apenas as necessárias para que não morresse de fome ou de frio. Deambulou uns tempos pela praia mas não chegou a fazer amizades pois as crianças da sua idade estavam no afago das respectivas famílias, o que ele não tinha. Foi o Padre local que lhe ensinou as primeiras letras mas ninguém controlava as idas às aulas e a instrução primária ficou-se pela precaridade.

 

Até que aqueles parentes se fartaram do rapazito e o mandaram para casa de outros parentes que viviam em Lima, a capital, a mais não sei quantas centenas de quilómetros e cada vez mais longe do local de origem em que a mãe continuaria. Aliás, nunca mais na vida voltou a ver a mãe.

 

Depois de longuíssima viagem, chegou a Lima e conseguiu descobrir a casa dos novos parentes que ele nunca vira. Tudo bem, deram-lhe um quarto para dormir, mandaram-no à escola para completar o ensino elementar mas exigiram-lhe em contrapartida que fizesse trabalhos domésticos. E foi como serviçal que estudou até meio do ensino secundário.

 

Aluno mediano, lá se viu novamente em bolandas para uma cidade no interior do país onde alguém descobriu o pai dele e respectiva família que, entretanto, já era outra relativamente à da época em que ele nascera. E da mãe, nem rastos… esfumara-se.

 

Muito severo, o pai não lhe ligava patavina (nem aos outros irmãos), apenas se preocupava com os negócios e se dedicava a fazer mais filhos um pouco por toda a parte. Mas a madrasta, ao contrário das histórias para crianças, prestou-lhe atenção e, pela primeira (e talvez única) vez ele sentiu que alguém se interessava por ele. A única obrigação que lhe foi imposta foi a de estudar. O quê? O que ele quisesse desde que fosse na Universidade. Mas ele queria ir para a Escola do Exército. Não, isso é que não! Para a Universidade e não havia discussão. E ele foi…

 

Licenciou-se em Direito, escolheu a carreira docente e chegou a Catedrático. Como assim, tão rapidamente?

 

É que lá pelo final do ensino secundário alguém lhe havia falado de um tal Marx, de um Fulano chamado Engels e de um russo a quem chamavam Lenine por cujos livros (de distribuição clandestina) o jovem estudante se interessara. Mais: livros que devorou e passou a citar de cor.

 

Então, assumindo-se comunista, caiu nas graças do Reitor da Universidade que o recrutou para a carreira docente logo que o jovem concluiu a licenciatura, o foi encarregando de missões políticas dentro e fora do curriculum académico e o promoveu sucessivamente até que – sem grandes discussões científicas – se viu alcandorado a uma cátedra.

 

À boa maneira dos comunistas, o nosso homem não ria nem sequer sorria, não tinha amigos e apenas se relacionava com camaradas – eles e elas. E foi com uma dessas elas que ele casou. Ele com 31 anos de idade; ela com 17.

 

Subidos na hierarquia do Partido Comunista Peruano, puseram em prática a cartilha da organização partidária e de doutrinação das hostes.

 

Só que, a certa altura do «campeonato», chegaram-lhes às mãos os livrinhos vermelhos do Presidente Mao e, vai daí, os nossos «artistas» dão-se de amores por esse chinês e decidem formar um novo Partido Comunista mas de prática maoista e não mais «revisionista» como eles passariam a chamar aos de observância moscovita. Este, sim, o verdadeiro caminho das luzes – em espanhol, o Sendero Luminoso.

 

Frustrado com o facto de não lhe ter sido possível seguir a carreira militar, o nosso homem decidiu militarizar o seu novo Partido, o maoista, mas quem se encarregou da missão foi ela, a mulher.

 

Seguiu-se o lançamento de acções de terror por todo o país, clandestinidade, guerra de guerrilha, milhares de mortos… uma verdadeira desgraça nacional. Foram 18 anos de pesadelo até que uma sociedade destroçada conseguiu reunir algum ânimo, dar guerra aos assassinos lunáticos, derrotá-los e prendê-los.

 

Ela, a grande guerrilheira «Norah», Augusta La Torre de seu nome oficial, já tinha desaparecido da circulação numa morte misteriosa e sem prova de corpo. Quanto a ele, preso, julgado e condenado a duas prisões perpétuas, já passou os 80 anos de idade e cumpre pena no mesmo estabelecimento prisional que os seus arqui-inimigos, ex-Presidentes corruptos do Peru, Alberto Fujimori e Alejandro Toledo, ambos condenados a 25 anos de cadeia pela cleptomania que praticaram no exercício do cargo presidencial.

 

O «artista» que acompanhamos desde a infância fora baptizado como Ruben Manuel Abimael Guzman Reinoso, toda a vida usou apenas Abimael Guzman, passou por ser o «camarada Álvaro» e acabou a clandestinidade como «Presidente Gonzalo». Então, fruto que é do abandono familiar e do desprezo social, fez do Peru um antro de terror horrível para todos os seus concidadãos e por isso eu prefiro chamar-lhe «o filho das salsas ervas» para não lhe chamar aquilo que o leitor está a imaginar…

 

Dezembro de 2017

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Henrique Salles da Fonseca

 

BIBLIOGRAFIA:

ABIMAEL – EL SENDERO DEL TERROR, Umberto Jara, ed. Planeta, Lima – Peru, 1ª edição - Agosto de 2017

LIDO COM INTERESSE – 74

 

 

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Título – EL MONARCA DE LAS SOMBRAS

Autor – Javier Cercas

Editor – LITERATURA RANDOM HOUSE, Lima, Peru

Edição – 1ª, Fevereiro de 2017

 

Foi numa das minhas passagens pelo aeroporto de Lima, capital do Peru, que comprei este livro julgando tratar-se de um novo escritor peruano. Não, é espanhol. Mas li-o na mesma e a literatura peruana fica para um dia, lá para a frente, em que outro bookiniste não me induza em erro. Entretanto, uma vez que o meu universo da literatura peruana se limita a Mário Vargas Llosa, acho que não tenho motivos de queixa que me obriguem a correr a trás de algum outro escritor peruano que, muito provavelmente, não chegará ao nível deste que já conheço. Eis por que me aconselho calma na busca que farei.

 

Quanto a este que agora acabei de ler, Javier Cercas, é claramente um bom contador de histórias e prendeu-me desde o início até ao fim. Mas, mais do que a história (que nos é apresentada como verdadeira), apreciei o estilo literário com formas de construção das frases que me encheram de curiosidade. Por exemplo, intercalando entre cada raciocínio a conjunção «e» (em castelhano, «y»), faz parágrafos quase duma página inteira sem que o leitor perca o fôlego. Mais: obriga-nos a seguir a sequência que nos quer contar com um ritmo que a divisão em diversos parágrafos poderia quebrar e distrair-nos. Garante, pois, uma unidade de escrita que, afinal, não cansa.

 

Fez-me lembrar o que se diz de Saramago que parece escrever sem pontuação. É o que me dizem pois nunca li – nem tenciono ler – escritos do pensador de Lanzarote.

 

Outra curiosidade: Cercas intercala, entre aspas, diversas frases em discurso directo num parágrafo em discurso indirecto. E quando ficamos à espera duma grande confusão, damos por nós a constatar que, afinal, é uma escrita limpa.

 

Forma muito interessante, lê-se bem.

 

No que se refere ao conteúdo, a história é sobre a guerra civil de Espanha, a de 1936-39 e o personagem central é tio-avô (materno) do autor. Tudo começa num lugarejo perto de Trujillo, ali pouco depois da nossa Elvas e metade do livro é o autor – politicamente conotado com a esquerda ou, pelo menos, com a não-direita - a procurar uma justificação para escrever um livro sobre esse tio-avô que lutou nas tropas franquistas.

 

Livro sem a mais pequena ponta de «suspense» (desde o início que sabemos como a história acaba), dá para perceber as motivações de uns e outros na sociedade quase hermética de um «pueblito extremeño» durante os prolegómenos da que viria a ser uma das maiores matanças de espanhóis. E histórica e sociologicamente, é esta a grande virtude deste livro.

 

Li a versão original, castelhana, mas a tradução portuguesa chegou agora às nossas bancas.

 

Para acabar, uma breve referência ao autor, Javier Cercas, que nasceu em Ibahernando em 1962, é professor de literatura espanhola na Universidade de Girona e tem no seu curriculum de escritor várias obras editadas e traduzidas.

 

Outubro de 2017

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Henrique Salles da Fonseca

LIDO COM INTERESSE - 19

 
 
 
 
Título«Diário de Leal Marques sobre a formação do primeiro
                 Governo de Salazar»

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AutoraFátima Patriarca

 
Editora – Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
              
Edição – “Análise Social” – Vol. XLI, 1º Trimestre 2006, pág. 169 e seg.
 
 
 

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Poucos serão os portugueses actualmente vivos que já tenham ouvido falar de Antero Leal Marques e ficarão por certo espantados ao saberem que este farmacêutico foi Chefe do Gabinete de Salazar durante uma dúzia de anos, entre 1928 e 1940.
 
Dá para imaginar, num país com 900 anos de História, quantas personalidades ainda estarão envoltas nas brumas da nossa ampla e faustosa ignorância …
 
Pois foi esse desbrumar que a Dr.ª Fátima Patriarca, Investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, nos proporcionou com este trabalho.
 
Trata-se da explicação do manuscrito do «Diário» em apreço que abarca o período compreendido entre os dias 28 de Junho e 11 de Julho de 1932, ou seja, o relativo à formação do primeiro Governo do Doutor Salazar e nele se compreende como foi complicado gerir um processo cheio de nuances.As subtilezas tinham muito a ver com o regime – República ou Monarquia – mas também havia que considerar a indisciplina que grassava no Exército, na Marinha e na Guarda Nacional Republicana.
 
A mudança de regime foi claramente um processo de transição morosa e traumática em que o alevantamento dos espíritos era frequentemente fomentado por quem pretendia ver satisfeitas mordomias a que se habituara ou a que se queria habituar. O jogo de interesses e a “prestação de serviços” está claramente exposto neste «Diário»: por ele se vê como os quartéis tiveram que “ser postos em sentido” e como foi necessário induzir o “sentido de Estado” a todos aqueles que se queriam manter na política.
 
Transparece como evidente que a preparação do terreno que o Doutor Salazar pisou em muito se deveu ao trabalho do General Domingos de Oliveira que não contou com polícias secretas nem terá recorrido a procedimentos democraticamente menos deontológicos. O autor do «Diário» tece-lhe mesmo assinaláveis encómios com os quais o General se comoveu e … comover um General não será uma tarefa de cumprimento diário, presumo.
 
O «Diário» é antecedido de uma breve apresentação em que a Autora resume a biografia de Antero Leal Marques, nomeadamente nos períodos anterior e posterior à época em que trabalhou directamente com o Doutor Salazar e ao longo do texto do documento transcrito vai produzindo Notas do maior interesse identificando as personalidades amiúde nomeadas de tal forma que o leitor se consegue integrar no ambiente descrito.
 
Para além do mérito científico que o trabalho evidencia, trata-se de uma leitura muito agradável que nos faz compreender os acontecimentos sem a influência da actual propaganda política e que nos incentiva à descoberta de outras personalidades ocultas que nos espreitem lá dos recantos em que se encontrem na História de Portugal.
 
 
Tavira, 10 de Agosto de 2007
 
Henrique Salles da Fonseca

LIDO COM INTERESSE – 73

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Título – «HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS EM PORTUGAL»

Autora – Maria de Deus Beites Manso

Editora – EDIÇÕES PARSIFAL

Edição – 1ª, Setembro de 2016

 

Da badana se extrai que, fundada por Inácio de Loyola, a Companhia de Jesus tornou-se numa das principais ordens religiosas no combate ao Protestantismo, na aplicação das determinações do Concílio de Trento e no estabelecimento de missões fora da Europa.

Com uma responsabilidade maior na doutrinação, desde a sua implementação ao nosso país, a Companhia de Jesus foi um dos agentes centrais da expansão portuguesa revelando, desde sempre, uma notável capacidade de adaptação aos remotos lugares onde chegava com recurso a múltiplas formas de evangelização – adoptando na Ásia costumes locais perante civilizações e religiões complexas; defrontando-se no Brasil com práticas ancestrais de antropofagia, onde seria edificada uma notável rede de ensino.

A Autora é professora na Universidade de Évora, tem escrita enxuta e produziu um livro de verdadeiro interesse para quem gosta de perceber como fizemos um Império.

Descontando anexos, notas, agradecimentos e referências bibliográficas, são 203 páginas de texto que transmitem uma ideia inesperada sobre a dimensão de Portugal ao longo da vida da Companhia desde que para cá veio no reinado de D. João III até à actualidade: a página 199 inaugura a história jesuíta no território a que actualmente estamos confinados porque nas páginas antecedentes tudo era Império. Mais: enquadrada no Padroado Português, a Província do Oriente da Companhia chegou a ter jurisdição desde o Cabo da Boa Esperança até Nagasáqui sendo também «nossas» as Províncias jesuítas do Brasil e a da África Ocidental.

Sim, Portugal foi grande e, em consequência, a Companhia de Jesus também. A Companhia tem, entretanto, um Papa; nós, não.

Setembro de 2017

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 Henrique Salles da Fonseca

(no Sri Lanka, 2015)

LIDO COM INTERESSE – 11 A

 

Título: “Bem-Aventurados os que Ousam! A Liberdade de Existir em Questão”

Autora: Isabel Abecassis Empis

Editora: Palavra

Edição: 1ª, Novembro de 2003

 

 

 

Se há boas badanas, a deste livro é disso exemplo. Dela retiro uma óptima apreciação: “(…) não é um livro sobre Psicanálise, embora se inspire na experiência da autora como psicóloga ao longo de mais de trinta anos. É um registo em tom confessional e bem-humorado sobre temas actuais e incontornáveis na sociedade dos nossos dias, que ao sabor da pena a autora vai desfiando: a religião, a sexualidade, a relação entre pais e filhos, os dogmas instituídos socialmente. Com uma escrita acessível, Isabel Abecassis Empis desconstrói preconceitos e desafia normas ao mesmo tempo que nos oferece um conjunto de reflexões sensatas e de um profundo humanismo sobre o que é estar vivo no mundo de hoje.”

 

Logo na introdução ficamos a saber onde a autora nos quer fazer chegar e sempre é agradável saber que essa meta consiste em:

 

                   «Transformar o mau em bom

                     Os obstáculos em oportunidades

                     As discussões em ocasiões de iluminação

                     A solidão em saber-se ser a sua própria companhia

                     As regras impostas em regras úteis

                     O inevitável em fonte de crescimento

                                         (…)»

 

E se ao longo das páginas nos deparamos com a descrição de situações cheias de plausibilidade e sensatez, há frases que – por caracterizarem muito bem algumas situações tão nossas conhecidas – não resisto a transcrever:

 

«O que observamos na sala de espera de um centro de saúde ou de um consultório médico é ilustrativo. As pessoas competem pela doença e pelo sofrimento, suspiram, gemem e sem escutar o interlocutor até ao fim, interrompem e atropelam o seu discurso, clamando para si o primeiro lugar da doença, do sofrimento, da desgraça … “Isso não é nada, se a Sr.ª visse as varizes que eu tenho nas pernas … Olhe!” Ao que segue normalmente uma demonstração prática das partes doentes do corpo … e a outra: “Olhe, mas o meu marido teve muito pior! (…)» e assim sucessivamente até que alguém chame uma delas à consulta.

 

«(…) o sofrimento e a infelicidade têm sido confundidos com profundidade, seriedade, inteligência, humanidade, altruísmo, generosidade … enquanto que a felicidade e a alegria são muitas vezes conotadas como sinónimos de superficialidade, estupidez, egoísmo, frivolidade, falta de seriedade, irresponsabilidade, leviandade …

Como é possível o sofrimento e a infelicidade – que é doença – ser tão bom e felicidade e alegria – que é saúde – ser tão mau?

Esta classificação tem sido, no entanto, uma tentação nacional.

É importante entender que o refúgio na doença é uma forma corrente do ser humano chamar a si a atenção do outro, uma espécie de “regressão” à infância, época em que se ocupavam de nós. Ser doente é obrigar o mundo a ocupar-se de nós, obrigar quem está à volta a suprir as nossas necessidades, como quando ainda não éramos autónomos. Deste modo, uma pessoa chama a si a protecção do outro ficando no papel do protegido. Este comportamento liga-se, muitas vezes, a um sentimento de grande solidão interior, que existe quando uma pessoa ainda não aprendeu a ser a sua própria companhia e pensa que a força só lhe pode vir de fora de si mesma. A solidão é, sem dúvida, um dos factores que pode facilitar esta “tentação doentia” e prevenir a solidão pode ser o equivalente a prevenir a doença e o desejo (inconsciente) de adoecer. (…)»

 

 O prazer de estar doente ...

 

Sem me dar ao luxo de grandes exageros, estou em crer que se este livro fosse lido por todos e cada um dos portugueses residentes em Portugal com alguma capacidade de interpretação de um texto escrito, o Serviço Nacional de Saúde não seria tão assediado por solitários neuróticos que vão regularmente aos Centros de Saúde preencher o vazio da vida que assumiram em laudatórias tristezas.

 

Lisboa, Outubro de 2006

 

 

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 Henrique Salles da Fonseca

LIDO COM INTERESSE – 71

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Título – O ISLÃO E O OCIDENTE

Autor – Jaime Nogueira Pinto

Editora – D. QUIXOTE

Edição – 2ª, Junho de 2015

 

 

Da contracapa extraio que o ataque ao semanário Charlie Hebdo, em 7 de Janeiro de 2015, comoveu mais os europeus do que a chacina das crianças e jovens do Colégio Militar de Peshawar {Paquistão}, do que as mulheres escravizadas por Boko Haram na Nigéria, do que os egípcios coptas decapitados ritualmente, do que os cristãos crucificados às centenas no Iraque e na Síria pelo ISIS.

 

Da badana consta que na Primavera de 2014, o Estado Islâmico se alargou como uma maré equinocial, dominando de repente 100 mil quilómetros quadrados com mais de 5 milhões de habitantes. Para crescer, os radicais do Califado exploram o descontentamento das populações com a discriminação e as perseguições a que foram submetidas pelos governos xiitas de Bashar-al-Assad e de Al-Maliki. E agora estão no centro do furacão perturbando o Ocidente e quase todo o Médio Oriente, recebendo a adesão de milhares de muçulmanos espalhados por esse mundo fora.

 

E voltando à contracapa, a pergunta é a de saber como é que uma religião monoteísta, que defende o Bem e a Justiça, que produziu no passado longínquo uma civilização que se estendeu em maravilhas de Bagdad a Córdova, que inventou a Álgebra e transmitiu a Filosofia grega à Europa cristã, está hoje reduzida a este grande desatino de destruição e medo?

 

Das inúmeras páginas com informação relevante, respigo apenas as que mais chamaram a minha atenção:

 

A história do conflito entre o sunismo e o xiismo é (...) a história da «Grande Discórdia», da Fitna (luta no interior da comunidade), que vai dividir os crentes. Morto Maomé em Junho de 632 e devendo a sucessão cair sobre um seu «mais próximo», sucede-lhe o seu companheiro Abu Bakr cujo califado dura apenas dois anos; Abu Bakr escolhe para sucessor Omar, outro companheiro do Profeta e Omar, nos dez anos do seu califado, conquista a Síria, a Palestina, o Egipto e a Mesopotâmia.

Quando Omar morreu, foi um conselho de seis membros que se decidiu por Osman, do clã dos omíadas de Meca.

Ali, primeiro direito, companheiro e genro do Profeta, fazia parte do conselho que escolheu Osman. Não o confrontou mas não terá gostado da escolha. Osman, (...), era membro da elite urbana de Meca que inicialmente perseguira Maomé e resistira ao Islão. (...) Da luta que depois se travou, resultou o assassínio de Osman (...) e a aclamação de Ali como califa, em Junho de 656. Para os seus partidários, os xiitas, Ali era o sucessor natural de Maomé, o primeiro e único sucessor natural do Profeta; e os três califas – Abu Bakr, Omar e Osman – meros usurpadores. Assim, a seguir à morte de Osman, o povo de Medina aclamou Ali, «reparando o erro» e entregando o poder ao «verdadeiro sucessor de Maomé» – por parentesco, companheirismo e virtudes pessoais.

Pág. 26 – Não discuto a fé mas temo a proibição da exegese sunita.

 

Imperialismo oitocentista: o regresso dos «cruzados»

As grandes somas recebidas para os projectos de desenvolvimento tornaram os Estados islâmicos – o Império Otomano, o Egipto, a Tunísia – devedores dos bancos europeus que os tinham financiado, passando o serviço da dívida a consumir as suas receitas económicas e financeiras. Assim, a mais importante ameaça à independência do Médio Oriente não eram os exércitos europeus, mas os seus bancos.

Pág. 47 – Onde é que eu já ouvi falar deste modo? A diferença está em que então, os Estados islâmicos se devem ter entretido a erigir «elefantes brancos» enquanto que hoje o recurso a capitais alheios é sobretudo para cobrir défices excessivos das contas públicas.

 

Os wahabitas defendem como dogma o poder infinito de Deus, a predestinação, a obediência cega aos chefes da comunidade e ao poder legal (mesmo que este seja imoral e ímpio) e rejeitam toda e qualquer interferência da razão humana na interpretação e consideração da fé.

Pág. 106 A renúncia à liberdade de opinião teológica e cívica só a posso equiparar ao fascismo.

 

Educado numa cultura de força, bin Laden desprezava os fracos e via os EUA como uma nação fraca corrompida pelo materialismo e pela luxúria.

Pág. 139 – Na minha opinião, esta é uma apreciação boçal.

 

O Islão (...) não conheceu, não conhece nem talvez venha a conhecer o seu tempo de separação entre o que é de César e o que é de Deus.

Pág. 183Eu costumo dizer que ao mundo islâmico falta uma «Revolução Francesa».

 

Gilles Lipovetsky caracteriza esta nova era como a da pós-modernidade, (...) uma segunda revolução individualista, marcada pelo desaparecimento dos «ideais sacrificiais» e pelo advento de uma ética «indolor e circunstancial, plural e emocional».

Pág. 288 – Como eu próprio já afirmei, a ética contemporânea da felicidade é apenas consumista pretendendo optimizar as potencialidades do mercado que se deseja cada vez mais amplo, global. In http://abemdanacao.blogs.sapo.pt/o-ser-pelo-ter-1216587

 

Os jovens muçulmanos, perdidos e marginalizados na Europa cristã – ou pós-cristã – atirados para a periferia suburbana dos pequenos empregos, dos pequenos gangues e dos pequenos prazeres, desintegrados das suas raízes originais e de lugares que os não acolhem plenamente, encontram bruscamente a aventura, o risco, a suposta identidade e a glória nas bandeiras negras do Profeta (...). Por isso partem para a nova terra prometida ou ficam na Europa, mas disponíveis para matar os sacrílegos do «Charlie Hebdo» (...)

Pág. 300 – Bela síntese.

 

Nas caricaturas do «Charlie» havia uma clara intenção de agredir, de ofender, de chocar (...)

Pág. 323 – Eis por que nos dias seguintes me distanciei da emoção francesa e afirmei que «je ne suis pas Charlie». E houve quem cortasse relações comigo.

 

Dezembro de 2016

 

Henrique no barco-Israel.JPG

Henrique Salles da Fonseca

(navegando de Limassol para Haifa, Março de 2014)

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