Mas ponde os olhos em António, vosso pregador, e vereis nele o mais puro exemplar da candura, da sinceridade e da verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou engano. E sabei também que para haver tudo isto em cada um de nós, bastava antigamente ser português, não era necessário ser santo.
Padre António Vieira, SJ
Um dia, voava no interior dos EUA, para LA, se não me engano muito, quando apareceu na cabine de pilotagem um figurão que se dizia português, e deu-nos o seu cartão em que dizia em muito reles linguajar que se chamava "Manny" qualquer coisa e negociava em "Real Estate", e acrescentava "trato com toda a senseriedade". O pobre do homem era traído pelo seu mau português e obviamente não conhecia este passo do Padre António Vieira, nem talvez fosse já português, como muitos agora há por aí que, odiando o Portugal, o querem fazer ao seu tamanho e feitio.
Há dias, tendo escrito eu que fazer uma "Revolução" na Democracia para reinstalar a Democracia, era simplesmente absurdo, respondeu-me um fulano, que não sei quem seja, que respeitava a minha veterania, mas que na verdade as Revoluções se fazem, não me explicitando se queria ou não a democracia. As pessoas ainda têm medo de falar claro, e dominadas pela emoção e pela raiva, querem a democracia, sem saberem o que ela é.
A democracia pode ser um bom regime político, se os eleitores forem bons democratas. Não parece ser o caso. De qualquer maneira, é preciso dar tempo ao tempo e esperar pelos resultados.
Parece-me que os "democratas" que mais berram entre nós não são democratas, mas raivosos e invejosos berradores. Com estes não há regime político que sirva honestamente o país.
Erich Fromm, o já falecido psicólogo social germano-americano, escreveu que o comunismo era o sistema internacional da inveja. Ora inveja há muita em Portugal. Que fazer? Uma Revolução? Para quê?
Uma nação não se cura com mezinhas, nem com falsos mitos, nem com Revoluções, mas sim com trabalho honesto e fé em Deus.
No dia 10 de Junho, dia de Camões e de Portugal, foram distribuídas condecorações a 36 portugueses notáveis. Não critico, nem impugno o merecimento dos condecorados, até porque na generalidade não os conheço. Mas verifiquei que a condecoração da Ordem de Cristo é uma linda cruz suspensa num colar vermelho.
Como a condecoração da Ordem de Cristo é concedida como reconhecimento de destacados serviços prestados nas funções de Soberania, de Administração Pública e de Diplomacia, eu concluo que, afinal, o Marquês de Pombal e Conde de Oeiras foi um grande Soberano, um grande Administrador, ou um grande Diplomata. Camilo Castelo Branco enganou-se? É o que veremos, espero, através do livro "Perfil do Marquez de Pombal".
Teriam razão os que diziam que em vez de Salazar devia estar no governo um Marquez?
Teria razãoAna Gomes– ela, que também foi agraciada com a condecoração da Ordem de Cristo?
Sinceramente, eu duvido muito do escol oficial português. E acredito muito mais no escol particular do Povo português, a que Camilo Castelo Branco pertencia: nunca foi político, trabalhou sempre nas letras para se sustentar e foi sempre pobre. Camilo foi excepcional na vida civil, como Salazar o foi na vida política. Este também era filho do Povo.
Extracto de "Perfil do Marquez de Pombal", deCamilo Castelo Branco
O luxo progrediu, e passou por cima das pragmáticas de D. João V e de D. José, até que o terramoto de 1755 subverteu a maior parte dos patrimónios e reduziu os pequenos à pobreza.
Em 1754, apesar das ruas estreitas e declivosas, havia em Lisboa 300 coches, 4500 seges de particulares, mais 400 de aluguer e um grande número de liteiras, paquebotes e cadeiras de mão. O Marquez de Pombal escreveu impudentemente que, entrando para o ministério em 1750, achara o reino pobre e o erário vazio. No ano anterior ao terramoto, D. José I recebeu dos seus direitos quantia superior a 14 milhões de cruzados. Quando Portugal experimentou a suprema e vergonhosa miséria foi no ministério do Conde de Oeiras. Em 1759, os soldados que guardavam a porta do Conde de Oeiras pediam esmola a quem visitava o ministro; ao embaixador francês conde de Merle pediu publicamente esmola um sargento. Em 1762, o embaixador O'Dunne participava ao conde Choiseul que os sargentos de algumas companhias e um capitão lhe tinham pedido esmola. Em 1759, o rei, querendo ir para Mafra e não tendo dinheiro, levantou do depósito público 29 contos de reis; e no mesmo ano, querendo ir a Vila Viçosa, levou o dinheiro apurado na venda dos móveis, pertenças dos jesuítas. Também Portugal, em 1756, recebera de Inglaterra uma esmola de 10.000 libras para remediar a catástrofe do terramoto. E, quando a tropa portuguesa mendigava aos representantes da França em 1759, pagava o tesouro 36.000 cruzados por dois meses ao cantor Egipcieli e pelo mesmo tempo pregava-se à porta da Alfândega um edital em que D. José I pedia ao país dinheiro emprestado! Que rei e que ministro!
Nota: Ficamos cientes! Se Portugal não se extinguiu nesse tempo, também não se extinguirá com a "crise", com a "U.E." e com os reles políticos que temos.
Ouvia às vezes noutros tempos, da parte de manifestos anti-salazaristas, que o governante de que precisávamos era um Marquês de Pombal. Quem dizia isto revelava uma total ignorância histórica, ou uma total insensibilidade moral.
Quando se fez aquele inquérito sobre a personagem histórica portuguesa mais popular, e na TV foram revelados os resultados, a deputada de Portugal na Europa, de nome Ana Gomes, ficou surpreendida que o primeiro em popularidade fora Salazar, cuja memória ela insultara, chamando-lhe "Ditador abjecto". Esta "abjecta" mulher, atrevida, ignorante e estúpida, levada a deputa não sabemos como nem por quem, mostrou ser da categoria desses outros mencionados acima.
O Marquês de Pombal chegou a ser considerado um exemplo de democrata, um defensor de Portugal e seu povo, e a ele levantaram no centro de Lisboa uma estátua enorme, inaugurada em 1934.
Em 1882 comemorou-se o centenário desse "grande estadista", cuja memória era preciso eternizar, e assim se fez. Camilo Castelo Branco que presenciava dorido a insensatez da comemoração e a ignorância crassa dos portugueses responsáveis, escreveu um livro que tenho nas minhas estantes: "Perfil do Marquez de Pombal", Companhia Portuguesa Editora, L.da, 3ª edição, Porto 1932. Este livro tem uma dedicatória de CCB que diz: " A António Rodrigues Sampaio, soldado intrépido e amigo incorruptível da Liberdade que o fez grande, publicista cinquenta anos, Ministro algumas vezes e sempre pobre, oferece o mais obscuro e agradecido dos seus amigos Camilo Castelo Branco"
Para abreviar, passo imediatamente a transcrever o fim do primeiro capítulo, uma descrição horrível dos preparativos para o assassínio cruento dos fidalgos acusados de terem atentado contra a vida do rei D. José. A acusação nunca até hoje foi confirmada de ter sido justa.
"A aurora do dia 13 de Janeiro de 1759 alvorejava uma luz azulada do eclipse daquele dia, por entre castelos pardacentos de nuvens esfumaradas que, a espaços, saraivavam bátegas de aguaceiros glaciais. O cadafalso, construído durante a noite, estava húmido. As rodas e as aspas dos tormentos (a aspa era um instrumento de tortura em forma de X) gotejavam sobre o pavimento de pinho. Às vezes, rajadas de vento do mar zuniam por entre as cruzes das aspas e sacudiam ligeiramente os postes. Uns homens, que bebiam aguardente e tiritavam, cobriam com encerados uma falúa carregada de lenha e barricas de alcatrão, atracada aos cais defronte do tablado. Às 6 horas e 42 minutos ainda mal se entrevia a faixa escura com umas cintilações de espadas nuas, que se avizinhava do cadafalso. Era um esquadrão de dragões. O patear cadente dos cavalos fazia um ruído cavo na terra empapada pela chuva. Atrás do esquadrão seguiam os ministros criminais, a cavalo, uns com as togas, outros de capa e volta, e o corregedor da côrte com grande majestade pavorosa. Depois -- uma caixa negra que se movia vagarosamente entre dois padres. Era a cadeirinha da marqueza de Távora, D. Leonor. Alas de tropa ladeavam o préstito. À volta do tablado, postaram-se os juízes do crime, aconchegando as capas das faces varejadas pelas cordas da chuva. Do lado da barra reboava o mugido das vagas que rolavam e vinham chofrar espumas no parapeito do cais. Havia uma escada que subia para o patíbulo. A marqueza apeou da cadeirinha, dispensando o amparo dos padres. Ajoelhou no primeiro degrau da escada, e confessou-se por espaço de 50 minutos. Entretanto martelava-se no cadafalso. Aperfeiçoavam-se as aspas, cravavam-se pregos necessários à segurança dos postes, aparafusavam-se as roscas das rodas. Recebida a absolvição, a padecente subiu, entre os dois padres, a escada, na sua natural atitude altiva, direita com os olhos fitos no espectáculo dos tormentos. Trajava de setim escuro, fitas nas madeixas grisalhas, diamantes nas orelhas e num laço dos cabelos, envolta em uma capa alvadia roçagante. Assim tinha sido presa, um mês antes. Nunca lhe tinham consentido que mudasse camisa nem o lenço do pescoço. Receberam-na três algozes no topo da escada, e mandaram-na fazer um giro do cadafalso para ser bem vista e reconhecida. Depois, mostraram-lhe um a um os instrumentos das execuções, e explicaram-lhe por miúdo com haviam de morrer seu marido, seus filhos e o marido da sua filha. Mostraram-lhe o maço de ferro que devia matar-lhe o marido a pancadas na arca do peito, as tesouras ou aspas em que lhe haviam de quebrar os ossos das pernas e dos braços ao marido e aos filhos, e explicaram-lhe como era que as rodas operavam no garrote, cuja corda lhe mostravam, e o modo como ela repuxava e estrangulava ao desandar do arrocho. A marqueza então sucumbiu, chorou ansiada, e pediu que a matassem depressa. O algoz tirou-lhe a capa, e mandou-a sentar num banco de pinho, no centro do cadafalso, sobre a capa que dobrou devagar, horrendamente devagar. Ela sentou-se. Tinha as mãos amarradas, e não podia compor o vestido que caíra mal. Ergueu-se, e com um movimento de pé consertou a orla da saia. O algoz vendou-a; e ao pôr-lhe a mão no lenço que lhe cobria o pescoço, - não me descomponhas - disse ela, e inclinou a cabeças que lhe foi decepada pela nuca, de um só golpe."
* * *
Este começo de carniceria, naquela manhã de nevoeiro, debaixo de um céu de chumbo, impassível como a lâmina que degolou Leonor de Távora, há de sempre lembrar com horror e piedade. Porém que nome execrado, que verdugo responsável escreveremos na página da História? Sebastião José, esse não tinha nada que ver com os adultérios de seu real amo e senhor. Mas agora que aí temos à porta o centenário do marquês de Pombal, vem de molde recordar alguns episódios daquele tempo.
(Estampa do horroroso cadafalso,tal como era vendida em Lisboa depois da execução dos condenados)
Por que motivo Camilo Castelo Branco abominava a Casa de Bragança? Não sei, mas julgo saber que CCB era um espírito superior, um grande artista literário, conhecedor ímpar da língua portuguesa, que vivia apenas dos seus livros, e um grande patriota.
Portugal magoado com crimes, cobardias ou mentiras de falsos portugueses, devia ser para ele uma causa de grande sofrimento.
Vou agora transcrever parte do pequeno capítulo VII do Livro Quinto de "D. João IV", evocação histórica notável e bem escrita por Mário Domingues:
UM PLANO SECRETO DE D. JOÃO IV PARA UNIR PORTUGAL A CASTELA
No ano seguinte, 1649, o interesse pela revolta de Nápoles voltou de novo a ser preocupação do governo português porque a este muito convinha que a Espanha fosse obrigada a distraír para paragens mais distantes as forças que o tratado de Vestfália lhes deixava disponíveis e que ela poderia empregar, com maior poder ofensivo, nas fronteiras lusitanas. Parece que o marquês de la Caya e outros napolitanos emigrados, que se tinham homiziado em Roma, teriam insinuado a Manuel Álvares Carrilho, residente português na côrte pontifícia, a possibilidade de fomentar de novo a revolução em Nápoles.
Mostarndo grande interesse pela sugestão, D. João IV resolveu encarregar o padre António Vieira de ir a Roma entender-se com os emigrados napolitanos. Partiu o padre jesuíta, em 10 de Janeiro de 1650, com instruções muito especiais do monarca, que lhe recomendou que procedesse com toda a habilidade por forma que aparecesse a França como protectora dos revoltosos. Sucedeu que, em Roma, onde lhe fizeram uma recepção calorosa, o enviado português, depois de escutar os planos dos revoltosos, concluiu, com grande desgosto destes, por achá-los inexequíveis, logo demonstrando por eles um desinteresse que muito os ofendeu.
Outra era, porém, a missão de Vieira, por este concertada secretamente com o monarca, à qual o jesuíta emprestara logo, no desejo de bem servir cegamente, todo o poder da sua imaginação por vezes e todo o calor do seu entusiasmo. Que pretendia D. João IV? Alguma coisa de inconcebível, mas que constitui uma indicação tristemente reveladora do carácter do homem em quem os Portugueses haviam depositado toda a fé e confiança, com defensor supremo da independência nacional tão laboriosamente conquistada. Pois D. João IV propunha à Espanha o casamento de D. Teodósio, o príncipe-herdeiro do trono de Portugal, com a infanta de Castela, filha de Filipe IV.
(Diga-se a talho de foice que Filipe II era um Imperador, Filipe III um rei, Filipe IV um homem, e seu filho e sucessor Carlos II nem homem era. E assim se precipitou a Guerra da Sucessão de Espanha, resultante da degenerescência da dinastia dos Habsburgos, provocada desde havia muito pelo excessivo casamento entre parentes, que havia já causado a anormalidade de Don Carlos, filho de Filipe II e de D. Sebastião de Portugal, sobrinho de Filipe II. Repare-se na mania real da época: D. João IV era casado com uma espanhola e queria casar seu filho D. Teodósio com uma espanhola do ramo dos Habsburgos. Bem se diz que de Espanha nem bom vento nem bom casamento. A determinação do povo português, que tem uma identidade própria, uma língua de cultura sua e costumes tradicionais próprios, só ela impediu a sua absorção por Castela. Só têm ideias tolas de uma falsa união com estrangeiros alguns reis, alguns presidentes, alguns traidores e dum modo geral o escol social estrangeirado que despreza a arraia-miúda.)
Enquanto todos os dias morriam Portugueses na defesa da independência nacional, o monarca intentava, por meio de negociações secretas, entregar o país à Espanha de quem recebera tantos ultrajes, para que a Casa de Bragança pudesse ascender mais uns degraus na importância das famílias reinantes na Europa. ...
[Não prossigo porque a história já foi contada por Pinheiro Chagas...]
Por que razão Camilo Castelo Branco não gostava dos Braganças?
Afinal parece que não há razão nenhuma objectiva. A gente procura factos e encontra meras opiniões. E li que o desamor de Camilo pela Casa de Bragança parece ter sido um desforço de desagravo do grande escritor pelo facto de não ter sido nobilitado pelo rei D. Luís.
Camilo era filho ilegítimo de um pequeno fidalgo da província, Manuel Botelho, e de uma sua criada. O pai adoptou-o como filho de "mãe incógnita". Imaginamos que por toda a sua vida Camilo sofreu o complexo da sua origem e tentou sempre nobilitar-se, até que o conseguiu em 1885, passando a ser o visconde de Correia Botelho.
Camilo era um grande escritor, muito interessado pela História, mas não era um historiador. Logo a sua abominação pelos Braganças seria alimentada não pela verdade histórica mas pela subjectividade do grande romancista. O que não quer dizer que ele, por vezes, não atinja em cheio na verdade.
Por fim os cossacos alcançaram o Tura. O príncipe siberiano Epantchá, tributário de Kutchuma, reuniu a sua gente. No lugar, onde o Tura faz uma grande curva para norte, ele armou uma emboscada.
No cabo do rio apareceram os barcos dos cossacos. Começaram a voar as flechas dos tártaros, não atingindo os barcos. Ermak não deu ordem para ripostar e os barcos passaram. Enquanto dobravam o cabo, Epantchá reuniu-se com os seus mais à frente. O lugar agora era estreito e com as flechas feriram alguns cossacos.
No barco do ataman rufou o tambor, sinal de preparação para a luta. Os cossacos fizeram pontaria. Choveu a descarga. Os homens de Epantchá não conheciam a "luta com fogo". Passa o fumo e olham, ribomba dos barcos; caiem mortos e feridos, e não se viam flechas. Os tártaros fogem com medo.
De úluss (aldeia tártara) a úluss corre a notícia que dos montes vêm barcos, que ribombam e lançam raios.
Do nascer ao pôr-do-sol e durante a noite à luz de fogueiras, os tártaros constroem fortificações. Em redor da capital do khan, Kashlyk, cavaram um fosso profundo. No cimo das colinas puseram ramagens secas para fazerem fogueiras de sinalização.
O próprio filho do khan, Makhmetkul foi para o Tobol enfrentar os russos.
Nota: Os cossacos eram russos? Claro que eram, mas russos com estatuto especial: eram livres, tinham fugido, eles ou seus antepassados, das muitas restrições à liberdade que lhes eram impostas pelo Czar moscovita e pelos boiardos, e juntaram-se nas terras do sul, onde viviam independentes, embora não formassem um estado formal, sem impostos, sem leis, sem obrigações militares. Por isso é que o Czar Ivan IV, Gróznii – o Terrível – dera ordens à sua tropa de matarem os cossacos que encontrassem. E – ironia do destino – foram os cossacos, homens libérrimos, que engrandeceram a Rússia, acrescentando-lhe a Sibéria. JR
Juntaram-se os cossacos na margem. Para cada cossaco havia dez tártaros. Durou cinco dias a luta. No sexto dia os barcos navegaram para mais além. Dentro de alguns dias os cossacos ocuparam uma povoação na margem direita do Tobol.
Nesta povoação eles descansaram quarenta dias. Em Setembro, eles ocuparam outra povoação, na qual decidiram invernar. Mas já não havia provisões e tinham pela frente o Inverno e a fome. Em Outubro atacaram o exército tártaro nas proximidades da capital. No outro dia enterraram os mortos: cento e oito tinham caído nesta luta. Mas o khan tártaro abandonou a sua capital.
*
* *
Em 22 de Dezembro de 1582, Ermak enviou a Moscovo o ataman Ivan Koltzó ("João Anel"). Levou o ataman para Moscovo um sem número de peles de marta, cinquenta peles de castor castanho escuras, vinte de raposa cinzento-escuras. Levou também um documento escrito por Ermak, que contava as suas lutas e vitórias. Tendo lido a carta de Ermak, Ivan Gróznii gritou:
- Um novo reino Deus enviou à Rússia!
O Czar estava contentíssimo. Vinte e quatro anos lutara ele no ocidente e a luta acabara sem sucesso. E agora, inesperadamente, era a Sibéria. Não se lembrou o Czar que havia tempo ordenara que apanhassem o ataman cossaco Vashka Koltzóe o enforcassem.
A luta contra Kutchum ainda durou muito tempo.
Em 1585, tendo submetido alguns principados, Ermak continuou a avançar pelo Irtysh. No princípio de Agosto, os barcos já voltavam para Kashlyk. A 4 de Agosto, os cossacos aproximavam-se da foz do Vagaia. À tarde, o céu cobriu-se de nuvens.
Os cossacos estavam cansados, sofriam com o calor sufocante e remavam silenciosos.
Chegaram à foz do Vagaia. Aqui o Irtysh forma um comprido arco, entre as extremidades do qual alguém cavara um não profundo fosso com aterro. Neste arco, cercado de todos os lados por água, instalaram os cossacos um acampamento nocturno. Não conseguiram fazer fogueiras, – as primeiras grandes bátegas batiam nas folhas das árvores. Uivava o vento, as ondas batiam contra a margem. Porém, os cossacos, cansados, adormeceram profundamente.
Mas, para lá do rio, na outra margem, estava o khan Kutchum. Já havia muito que ele seguia os cossacos pela margem do rio.
Algumas horas mais tarde, os tártaros atravessaram o rio a vau e à meia-noite chegaram ao acampamento dos cossacos. Estes nem abriram os olhos. Os homens de Kutchum mataram os adormecidos. Apenas um capataz e Ermak conseguiram pôr-se em pé de um salto. Os soldados de Kutchum cercaram-nos de todos os lados.
"Não é possível fugir", – pensou Ermak e começou a lutar. O capataz, rechaçando os inimigos com um machado, recuou em direcção à margem. Ermak também se aproximou da margem. O capataz saltou para o barco. Ermak quis fazer o mesmo, mas o barco empurrado por uma onda afastou-se da margem. Duas pesadas armaduras – um presente para o Czar – puxaram-no para o fundo. Aproximaram-se a correr os tártaros. Olharam – nada, apenas na água se desfaziam largos círculos.
Morreu Nikita Pan. Morreu Yakov Mikhailov. Morreu Ivan Koltzó. Morreu Ermak Timofeevitch. Matvéi Mereshak com os restos da drujina dos cossacos voltaram para Kamen'.
No trono siberiano sentou-se o filho Aley de Kutchum. Lá se manteve pouco tempo: Seid-Akhmet com o auxílio dos bukhartzy e dos kirguizes matou Kutchum e expulsou Aley de Kashlyk.
E de Kashlyk saíram os russos. Destacamento após destacamento, navegou os rios siberianos. Nas águas do rio Tura reflectiam-se as muralhas da fortaleza russa de Tiumen. No Irtysh, não longe de Kashlyk, construiu-se a cidade russa de Tobolsk. Esta vizinhança não agradou a Seid-Akhmet, que sitiou Tobolsk, mas foi derrotado e preso.
O Estado russo avançou para leste.
Gritza
Nota: No tempo de Ivan Gróznii (século XVI) os tártaros eram milhões e praticamente dominavam a Sibéria. De raça urálica, aparentada com a mongólica, eles constituíam muitas tribos distintas com suas culturas particulares. Na generalidade, adoptaram o Islão. Hoje, os tártaros continuam a existir, geralmente muito russificados, mesmo nos países da Ásia Central tornados recentemente independentes e continuam a ter relações muito amistosas com a Rússia.
Na antiga Moscóvia, a mercadoria mais preciosa eram as peles. Da Inglaterra e da Pérsia, da Holanda e da Turquia chegavam mercadores em busca de peles. Mas os animais selvagens afastavam-se cada vez mais dos caçadores para leste, e as peles encareciam. A caça selvagínea chegou até à cintura pétrea, como então se chamavam os montes Urais.
Para lá dos Urais começava a Sibéria e para norte os "países da meia-noite". A respeito dos países da meia-noite, corriam na Rússia boatos estranhos. Falava-se que aí vivia gente que tinha a boca na testa e quando comia punha a carne ou o peixe sob o capuz e os ombros deles moviam-se como maxilares, para cima e para baixo. Havia também gente sem cabeça: as bocas deles estavam entre os ombros, e os olhos no peito. No Inverno, quando apareciam os gelos, essas pessoas gelavam e ficavam de pé como árvores. Mas na Primavera, quando o Sol aquecia, elas desenregelavam e animavam-se.
E puseram-se os russos a andar pelo país da meia-noite; penetraram para além dos Urais em direcção à foz do rio Ob'. Os Samuedos e os ostiakos (actualmente designados respectivamente por nentzy e khanty) forneciam martas e raposas em troca por facas de ferro e panelas de ferro fundido. E com uma só viagem, enriquecia o mercador.
Instalaram-se no rio Kama os irmãos Stroganof e cortaram bosques, construíram pontes e fundiram minério de ferro. O Czar Ivan Gróznii permitiu-lhes a construção duma cidade e ter canhões. Por sua vez, os Stroganof eram obrigados a defender o território russo contra as investidas dos tártaros que dominavam a Sibéria. Os tártaros frequentemente atacavam o território russo. Em 1579, os Stroganof decidiram fazer a guerra ao inimigo.
Os Stroganovs, desde havia muito que se queixavam ao Csar do khan tártaro Kutchuma. Escreviam-lhe que os tátaros "não permitem aos nossos sair dos fortes... nem trabalhar os campos, nem cortar lenha".
O Czar autorizou os Stroganovs a recrutar homens livres – os cossacos. Era do que precisavam os Stroganovs. Para a campanha da Sibéria exigia-se gente de têmpera, hábil em acções bélicas, gente que os Stroganovs não tinham. Mas chegara-lhes a notícia de que do Volga ao Kama avançava um grande destacamento cossaco e quem o comandava era o ataman (chefe) Ermak Timofeevitch.
O Volga era a grande via de comércio. Mas comerciar era então perigoso. Os ladrões do Volga eram gente livre – cossacos. Dos chicotes (knuts) dos boiardos, da pesada escravatura, os camponeses fugiam para o "campo selvagem" – para a estepe. Agrupavam-se os fugitivos em bandos, adoptando para si o nome de cossacos e para os seus chefes o de ataman.
O mais competente entre eles era Ermak. Mediano de estatura, espadaúdo, de barba preta, ele era severo e não gostava que o contradissessem.
Mas em 1579, o Czar mandou para o Volga destacamentos militares, ordenando-lhes que apanhassem os cossacos e os enforcassem. Escapando à fúria do Czar, os cossacos navegaram no Kama pensando acobertarem-se nos confins da floresta.
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Veio até Ermak enviado pelos Stroganovs um homem a pedir serviço, prometendo alimentação e dinheiro. Os atamanes decidiram ir até aos Stroganovs.
Máximo Stroganov contou-lhe, que os tártaros de Kutchuma o ofendiam, não lhes permitindo trabalhar nem construir. Contou também que o khanato de Kutchuma era rico e ia de lá uma via comercial até Bukhara. Os atamanes escutaram calados. Só no fim do verão Ermak se decidiu. E convocou os cossacos:
- Vamos – disse – até ao khan, fama conquistaremos. Bens, tem Kutchuma muitos, que chegam para todos.
Todo o seu exército – oitocentos homens – Ermak dividiu em centúrias. Uma centúria tinha duas cinquentenas – cada uma sob as ordens de cinquenta homens (entendamos esta expressão como significando a forte solidariedade entre os cossacos de Ermak. Não tenho dúvidas quanto à correcção da tradução). Em cada dez homens havia ainda o seu sénior – o seu capataz.
Com o exército iam escrivães regimentais, porta-bandeiras, tradutores, corneteiros e tambores. Iam ainda três popes e um staretz-vagabundo (velho anacoreta) – um monge fugitivo. Ia o anacoreta sem sotaina, sabia cozinhar papas, disparar o canhão e fazer o serviço da Igreja
Celebraram uma curta missa e despediram-se dos Stroganovs e a 1 de Setembro de 1581 puseram-se em marcha.
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O destacamento de Ermak navegou pelo Tchussóvaia (ver anexo, que representa a região dos Stroganov nos Urais com os rios Kama, Tchussovaia, Tobol, Tura e Irtych). Nas margens não se via viv'alma. Os cossacos navegaram desde o nascer até ao pôr-do-sol. À noite, fizeram um acampamento e acenderam fogueiras. Dormiram sob as estrelas e, logo que o céu se azulou a oriente, rufou o tambor, içaram-se as velas e prosseguiram a navegação.
Do Tchussovaia era necessário transporem-se para o Tura e o Tobol. Ermak procurava um pequeno rio, que do norte afluísse ao Tchussovaia e nascesse perto do Tura.
Os Stroganovs libertaram dos cossacos um tártaro de nome Akhmed, que tinha sido feito prisioneiro pelos russos e era oriundo da Sibéria. Servia ele aos cossacos de guia e intérprete e dizia que era preciso navegar no Mejevaia Utka ("Pato Fronteiriço"?). Navegaram em strugs (barcos pequenos) pelo Mejevaia Utka. O rio serpenteava entre montes. Os abetos caíam para a água, sobre os barcos e enredavam-se nos mastros, pelo que recolheram as velas e continuaram com a força dos remos.
Ermak, carrancudo, obrigou Ahmed a trabalhar consigo. Cedo já não havia caminho para os barcos. Então Ermak enviou três cossacos a verificar se estava longe o Tura, e mandou atar o guia Ahmed. Voltaram os cossacos.
- Até ao Tura é longe – disseram. E caminho pelo Mejevaia Utka com os barcos não há. Só bancos de areia e pedras.
Castigaram o guia Akhmed: cortaram-lhe a cabeça com um sabre. De noite fugiram todos os guias tártaros e tiveram que ser os próprios atamanes a procurar o caminho fluvial para a Sibéria.
No ar esvoaçavam as primeiras neves. Do norte voavam os bandos triangulares dos gansos. Os cossacos chegaram ao curso superior do Serebrianka e resolveram aí ficar até à Primavera.
Ao fim de algumas semanas, alguns cossacos entediaram-se com a paragem invernal. Dois deles convenceram os seus companheiros a irem para o Kama sem Ermak. Pegaram nas pesadas armas, pólvora e provisões e foram em esquis. Quando Ermak soube disto, ficou encolerizado. Puseram-se a perseguir os fugitivos.
Apanharam-nos num matagal de abetos. Trouxeram-nos aos atamanes. Estes ordenaram que na parte mais funda do rio fizessem buracos na superfície gelada. Enfileiraram-se os cossacos na margem. Meteram os fugitivos em sacos e atiraram-nos para a água. Os cossacos emudecidos dispersaram-se pelas isbás.
Os cossacos cortaram patins de esquis, puseram os barcos sobre eles e arrastaram-nos durante dez verstas até ao pequeno rio Jarovnaia. Passou o gelo, os cossacos arrearam os barcos e em água primaveril navegaram direitos ao oriente.
A língua Portuguesa - a nossa língua - tem certas particularidades que fazem dela uma língua sui generis.
Exemplo:
Em todas as poucas línguas europeias que conheço, as ideias de brincar e jogar exprimem-se pela mesma palavra.
Vejamos:
Em francês:
Jouer avec des poupées
Jouer le futbol
Em italiano:
Giocare con le bambole
Giocare calcio
Em inglês:
To play with dolls
To play football
Em alemão:
Spielen mit Puppen
Spielen Fussball
Mas, em português:
Brincar com bonecas
Jogar futebol
Já noutras ocasiões chamei a atenção para certas "irregularidades" do português.
A verdade é que tendo a nossa língua derivado do latim, ela é inquestionavelmente europeia, mas não é só europeia: é também árabe, negro-africana, sul-americana e asiática.
Por isso e por outras razões, o verdadeiro Portugal, o genuíno, não se enquadra bem na URSE (União da Repúblicas Socialistas Europeias, vulgo UE).
Temos de dizer (insistentemente) a esses gajos, de dentro e de fora, que nos querem escravizar ao seu sonho de poder, que Portugal não é um país europeu que se agache às determinações dos tubarões, europeus ou não. Somos grandes, porque a história nos fez grandes; duma grandeza que não se mede em km2, nem em milhões de dólares, nem em mísseis de cruzeiro, nem sequer em graus de parvoíce.