Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

A bem da Nação

CURTINHAS nº CXLVII

 

equívocos & vistas curtas

 

  • Bons tempos aqueles em que bastava um Banco (ou qualquer outra sociedade comercial) manter intacto o seu Capital Social (isto é, as entradas de capital que os seus sócios realizavam, ou se comprometiam a realizar) para fazer o que melhor lhe aprouvesse.

 

  • Representasse, apenas, uma ínfima parcela do seu Balanço, fosse manifestamente insuficiente para absorver as perdas prováveis nos riscos a que se expunha – tanto se dava. Importante, importante mesmo, era não perder o Capital Social por efeito de má fortuna (leia-se: prejuízos acumulados).

 

  • E foi à sombra deste cânone que a Banca portuguesa viveu os seus dias de ouro, com Balanços em expansão acelerada e Capitais Próprios a marcar passo, o que proporcionava invejáveis rentabilidades – e instilava a ideia de excelente gestão.

 

  • O Acordo Basileia II (2006) veio anunciar o fim desses tempos – e a crise financeira internacional (2007-2010?) enterrou-os de vez.

 

  • Hoje em dia os Bancos têm de dispor de Capitais Próprios suficientes para absorver, não só as perdas já incorridas, mas também as perdas prováveis, mesmo em conjunturas bastante adversas. O Capital Social, esse, pertence irremediavelmente ao passado – uma vez realizado, não interessa para mais nada.

 

eduardo_de_martino_-_veleiro_em_alto_mar.jpg

 

  • Imagine, Leitor, um Banco como um veleiro: a dimensão do Balanço são as velas que, aproveitando o vento (os riscos a que o Banco se expõe), imprimem velocidade (lucros brutos); os Capitais Próprios são a quilha para lhe conferir estabilidade, mesmo com vento rijo (riscos elevados), mesmo no meio de tormentas (conjunturas especialmente adversas).

 

  • Actualmente, os Capitais Próprios de um Banco são vistos, antes do mais, como a garantia que os seus accionistas prestam a favor de quem tenha interesse directo legítimo na continuidade desse Banco (depositantes, obrigacionistas, outros credores).

 

  • E, para serem uma garantia que conforte capazmente, têm de estar investidos em activos facilmente liquidáveis e com valor realizável que não ofereça dúvidas.

 

  • A ideia, tão querida entre nós, de que o Capital Social é a primeira fonte de financiamento das actividades de um Banco não tem, assim, o menor fundamento – é um equívoco grave, mas, por cá, muito comum. Estamos todos a pagá-lo bem caro.

 

  • Voltando à CGD. Que necessita de maiores Capitais Próprios, é ponto assente. De quanto? Tudo dependerá: (i) das perdas já incorridas, mas que não estão ainda deduzidas aos Capitais Próprios (tarefa do Auditor Externo); (ii) das perdas prováveis a que se encontrar exposto o seu Balanço actual (tarefa do Supervisor); (iii) do modelo de negócio que vier a adoptar (tarefa do Accionista).

 

  • Os dois primeiros pontos são a herança do passado - o que está feito, está feito, não há volta a dar. O ponto verdadeiramente importante é, porém, o último: como enfrentar o futuro.

 

  • Ora, é precisamente aqui que entronca a tese segundo a qual “a missão da CGD é financiar a economia”.

 

  • Um equívoco mais, posto que a CGD tem outras missões para além de financiar: (i) é uma peça fundamental no nosso sistema de pagamentos (esta, aliás, a missão de longe mais importante); (ii) desempenha um papel muito relevante no incentivo ao aforro - quando emite instrumentos financeiros remunerados e resgatáveis à vista (Depósitos a Prazo).

 

  • Começando por aquela primeira missão. Tempos houve em que a CGD era “a Caixa Geral do Tesouro” – o que é dizer, a instituição em que o Tesouro depositava todos os seus haveres e através da qual fazia os seus pagamentos. Não mais.

 

  • Desde a década de ’80 que o Tesouro tem, ou pode ter, conta em qualquer Banco. Esta dispersão dos saldos do Tesouro impede que tais fundos sejam usados como um elemento estabilizador (e primeira defesa!) do mercado monetário interbancário em Portugal. Na ausência de um Banco de Tesouro (onde o IGCP se integraria), eis uma função que poderia muito bem ser confiada à CGD - onde, aliás, já esteve - com apreciáveis vantagens.

 

  • Os instrumentos financeiros resgatáveis têm, para os investidores/aforradores mais avessos ao risco (que são a grande maioría), uma dupla vantagem: para além de renderem, o emitente deve restituir na íntegra o capital investido, mesmo se liquidados antecipadamente.

 

  • É certo que Fundos de Tesouraria (Unidades de Participação) e Estado (Certificados de Aforro) também os emitem. Mas os Depósitos a Prazo, mesmo que rendam menos, oferecem: (i) uma segurança (a cobertura pelo Fundo de Garantia dos Depósitos, o facto de o Banco emitente dispor de Capitais Próprios que respondem pela dívida e ter acesso às facilidades de liquidez do Banco Central) que não está ao alcance das Unidades de Participação; (ii) uma flexibilidade (diversos prazos, resgate a qualquer momento) que os Certificados de Aforro, por serem Dívida Pública, não têm, nem podem ter (porque tal encareceria o respectivo custo do capital).

 

  • E quanto a financiar? Financiar o quê e como?

 

  • Nestes últimos 25 anos, a CGD pouco ou nada se distinguiu dos restantes Bancos Comerciais. Todos competiram por: (i) financiar o Estado; (ii) financiar a tesouraria corrente e alguns projectos de investimento de empresas; (iii) financiar a compra de habitação própria; (iv) financiar a compra, pelas famílias, de outros bens e de serviços. E, de quando em vez, também entravam no capital de empresas (lá tinha que ser).

 

  • O peso de cada uma destas, digamos, “linhas de negócio” ia variando ao sabor dos dias - e variava também de Banco para Banco. Mas, no essencial é um modelo de negócio centrado no financiamento da procura interna - cujos efeitos cedo (logo em 1999) começaram a ser visíveis: os desequilíbrios crescentes (e insustentáveis) da BTC têm origem nele.

 

  • A questão é esta: poderá a CGD prosseguir neste modelo de negócio? Não me refiro já aos efeitos nefastos na BTC. Tenho em mente, apenas, a sua solidez e estabilidade financeiras.

 

  • Um Banco financiar o seu próprio Estado deixou de ser bem visto: em conjunturas adversas (crises financeiras, etc.) a economia fica ainda mais fragilizada. Mas a CGD não está impedida de o fazer, desde que possa afectar à Dívida Pública em carteira Capitais Próprios que lhe permitam passar nos testes de stress (de EBA/BCE) sem comprometer a sua capacidade para continuar a financiar tudo o resto.

 

  • A CGD financiar o investimento empresarial? Certamente. Com duas ressalvas: (i) enquanto permanecerem no seu Balanço, estes empréstimos põem o sistema de pagamentos em contacto directo com riscos financeiros - o que é perigoso; (ii) o prazo médio dos seus depósitos é muito inferior aos prazos de financiamento mais adequados à generalidade dos projectos de investimento – e isso abala os alicerces da sua solidez financeira.

 

  • Tal como nos projectos de investimento, quem pretende comprar casa própria, não pede só dinheiro emprestado, pede também prazo para pagar (15 anos, ou mais). Ora, se estes empréstimos hipotecários forem mantidos no Balanço até serem integralmente pagos, a CGD não tem como se financiar nos mercados financeiros em prazos tão alargados.

 

  • Uma vez mais, é o desequilíbrio acentuado entre prazos de exigibilidade do Activo e prazos de exigibilidade do Passivo (no jargão técnico: mismatch) – e o risco de refinanciamento que lhe está associado - que poderá deitar tudo a perder ao primeiro sinal de crise.

 

  • Mas a hipoteca de imóveis não é uma garantia sólida que supre tudo isso? Sim e não. Vender um imóvel em execução de uma hipoteca, isoladamente, pode ser rápido e até por um preço satisfatório. Agora, vender de uma assentada muitos imóveis não é fácil, uma vez que, por cá, não existe um mercado imobiliário digno desse nome: o mais certo é os preços virem por aí abaixo - e o valor realizável do bem hipotecado não dar para cobrir o crédito em incumprimento.

 

  • A dura realidade, Leitor, é que as hipotecas (de casas e outras) não valem grande coisa em períodos de crise – e a CGD sabe isso melhor do que ninguém. Importa, pois, que o modelo de negócio escolhido a deixe bem preparada para enfrentar crises e conjunturas adversas.

 

  • Grande parte do crédito ao consumo tem por destino financiar a aquisição de bens e serviços importados. Por isso, não creio que seja a isto que a tese “financiar a economia” aluda. Acresce que, nesta linha de negócio, o risco de crédito é também extremamente sensível ao desemprego que acompanha as conjunturas recessivas – cujos efeitos negativos tende, aliás, a ampliar.

 

  • Todas estas quatro linhas de negócio acima resumidas têm em comum serem soluções de financiamento com endividamento. Para uma economia que se encontra há cerca de 15 anos em situação de sobreendividamento, é capaz de não ser muito avisado pretender relançar a CGD à custa de mais dívida do Estado, das Empresas e das Famílias.

 

  • Então, por que não orientar a CGD para a oferta de soluções de financiamento sem endividamento – como seja a subscrição de capital das empresas (Acções, Quotas)? Afinal, sempre ajudaria a recapitalizá-las, amortecendo-lhes o endividamento excessivo.

 

  • Por três razões principais: (i) em geral, Acções (e Quotas) não são aplicações elegíveis para os Capitais Próprios de um Banco (ver mais acima porquê); (ii) é um erro que se paga muito caro financiar com dívida (em larga medida, depósitos cujos prazos contratados raramente excedem 3 anos) posições de carteira que, por definição, não têm prazo fixado para o respectivo reembolso (como é o caso das Acções e das Quotas); (ii) se cada empréstimo bancário em Balanço torna o sistema de pagamentos (que deve ser mantido ao abrigo do mais ínfimo risco, recordo) vulnerável ao risco durante um prazo bem determinado, cada Acção (ou Quota) no Balanço mantém essa vulnerabilidade ad perpetuum.

 

  • Então, perguntará o Leitor, em vista de tudo isto, o que sobra?

     

    (cont.)

    Agosto de 2016

Palhinha Machado.jpgA. Palhinha Machado

 

CURTINHAS Nº CXLVI

 

Oftalmologia.jpg

 

MIOPIA FATAL

 

  • Não, prezado Leitor. Desta vez os Bancos portugueses não foram abrangidos pelo teste de stress que EBA/BCE levaram a efeito durante o 1º semestre de 2016 (resultados publicados agora em 29JUL2016).

 

  • À luz de um cenário pessimista, foi examinada, sim, a resiliência de 51 grandes Bancos europeus: os 37 maiores Bancos da Zona Euro mais 14 de outros países (Dinamarca, Hungria, Noruega, Polónia, Suécia e Reino Unido). Bancos portugueses, nem um para amostra. Ainda que estejam sob observação constante do BCE, como é sabido, desde de 2015 que, excepção feita ao caso BANIF, nada mais dali veio a público.

 

  • É interessante notar que, neste teste de stress, as condições de partida eram: (i) um rácio de capitalização estrito de 13.2%; (ii) um rácio de autonomia financeira de 5.2%. No cenário pessimista (bastante pessimista, diga-se), estes dois rácios chegam a 2018 com as seguintes médias: 9.4% e 4.2%, respectivamente (Monti di Paschi di Siena - o Banco mais antigo ainda em funcionamento - chumbou, por apresentar Capitais Próprios negativos).

 

  • Não é menos interessante recordar que a CGD fechou 2015 com um rácio de autonomia financeira de 4.5% - o que apontava, já então, para uma insuficiência de Capitais Próprios (para 5.2%) de, pelo menos, € 0.7 mM, dada a dimensão do seu Balanço.

 

  • No anterior teste de stress (em 2014), EBA/BCE haviam projectado para a CGD, também num cenário pessimista, um rácio de capitalização estrito de 4.9%, em 2016. Se esta projecção for certeira, a CGD, dado o Balanço actual, estaria a necessitar de um reforço de capital de € 4.0 mM (aprox.) só para ficar alinhada com a média dos grandes Bancos europeus, em circunstâncias comparáveis.

 

  • Repare, Leitor, que nada disto faz apelo a raciocínios complicados – é só aritmética simples.

 

  • Mas verdadeiramente interessante é a razão por cá aduzida para justificar o aumento de capital da CGD: a imperiosa necessidade de financiar a economia.

 

  • E é aqui que começa a revelar-se a miopía que nos tem levado à ruína: para quem assim crê (e muitos são), financiamento com endividamento e financiamento sem endividamento é tudo a mesma coisa. Haja é dinheiro para gastar, o resto não interessa.

 

  • Ora, o resto interessa - e muito. É mesmo um dos “fundamentais”, porque esta visão míope tem sempre consequências terríveis, quer a nível da economia como um todo (macro), quer quanto ao futuro da CGD (micro).

 

  • Nenhuma economia pode funcionar, muito menos crescer e prosperar, assente predominantemente no endividamento – e é isso que tem acontecido na economia portuguesa desde há quatro décadas (diria, sem medo de exagerar, desde sempre).

 

  • Basta recordar como Governos de todas as cores tentam solucionar as crises com que se confrontam endividando o Estado para emprestar dinheiro aos afectados. O que é dizer: atirando para cima dos problemas o dinheiro que não têm - na esperança de alguma vez o reaver para conseguirem pagar o que o Estado ficou a dever.

 

  • Em abstracto, quanto maior for o grau de endividamento (interno ou externo) de empresas e famílias, maior é o risco de crédito que eles representam – logo, maior será o custo dos capitais de que a economia carece para funcionar, crescer e prosperar. Em curtas palavras: sendo tudo o mais constante, quanto mais endividada uma economia estiver, menos competitiva será na oferta de bens (e serviços) transaccionáveis.

 

  • Pior, quando esse endividamento repousa (como por cá) nos Balanços da Banca nacional: (i) o crescimento económico fica totalmente limitado pelo nível de capitalização dos Bancos; (ii) o estado do sistema bancário torna-se uma variável fulcral, não só da política monetária, mas de toda a política económica; (iii) os Bancos, esses, façam o que fizerem, verão os seus Capitais Próprios desaparecer aos poucos, “consumidos” pela elevada sinistralidade nos empréstimos que concedem à economia.

 

  • E pior ainda, quando a economia em causa (como a portuguesa, que depende estruturalmente das importações de matérias primas alimentares e de crude) está muito exposta ao exterior. Porque ver-se-á, então, permanentemente aperreada por três espartilhos: (i) a capacidade de financiamento da Banca nacional, condicionada pelo seu nível de capitalização; (ii) a capacidade de endividamento da Banca nacional nos mercados financeiros internacionais; (iii) enfim, os altos e baixos das Reservas Cambiais.

 

  • Nada disto parece comover o nosso legislador fiscal que, inspirado por umas teorias algo bacocas, persiste em premiar o endividamento das empresas (cujo custos são dedutíveis por inteiro à matéria colectável) e certos tipos de endividamento das famílias – penalizando, em contrapartida, as entradas de capital (ao tributar duplamente os lucros distribuídos).

 

  • O modelo fiscal que entre nós prevalece não se limita a incentivar o endividamento da economia. Vai mais fundo e deforma todo o ambiente que rodeia a actividade económica: (i) agrava o risco de crédito - logo, a incerteza sobre emprego e rendimentos nominais futuros; (ii) aumenta o custo do capital; (iii) favorece as “empresas de patrão” (aquelas em que a gestão está concentrada numa única pessoa), mais os vícios que as caracterizam; (iv) prejudica a qualidade da informação económica disponível; (v) e, o que não deixa de ter graça, ao facilitar a evasão fiscal, dificulta a tarefa do Fisco. Abençoado legislador!

 

  • Esta tónica no endividamento como motor do crescimento económico até poderia ter um módico de coerência se as soluções preparadas para lidar com o incumprimento (o não pagamento espontâneo e pontual das dívidas) fossem seguras e expeditas.

 

  • Qual quê? O legislador na matéria (certamente outro que não o legislador fiscal, mas não menos fascinado por teorias igualmente bacocas), presume que todo o incumprimento de uma obrigação de pagar é um ilícito penal que compete a um tribunal apreciar e julgar em termos quase idênticos aos de um processo crime.

 

  • A crença, aqui, é a de que o devedor em incumprimento (inadimplente, em “jurisdiquês” corrente), ao contraír a dívida, fê-lo já com a intenção escondida de não pagar. E assim é porque o conceito de “risco” que vá para além da teoria do risco criado (como na condução automóvel, por exemplo) é completamente estranho à cultura jurídica cá da terra.

 

  • Temos assim uma economia assente em dívida em que os processos de insolvência se arrastam pelos tribunais anos sem fim, sem que ninguém cuide de preservar o potencial produtivo do insolvente, seja ele empresa ou pessoa singular.

 

  • Nada disto esclarece se o financiamento com endividamento tem alternativa – ou se é uma fatalidade a que nunca conseguiremos escapar.

 

  •  E nada disto parece ter a ver grande coisa com o problema da CGD. Mas é tudo isto que tem de estar bem presente quando se puxa pelas meninges para lhe dar solução.

 

(cont.)

 

Agosto de 2016

Palhinha Machado.jpg

 A. Palhinha Machado

 

CURTINHAS CXLV

 

CGD.jpg

 

pratos limpos & Roupa suja

 

  • Agora é a vez da CGD. Acordados de sopetão, os nossos deputados, ainda meio estremunhados, decidiram fazer aquilo que melhor sabem: largar uma CPI às canelas do problema. Para quê, pergunto eu.

  • Ora, para apurar o que se passou na Carteira de Crédito Bancário (ou seja, com o dinheiro que a CGD foi emprestando ao longo dos anos), respondem.

  • Como se a CGD não tivesse problemas sérios também na sua Carteira de Títulos (Acções, Obrigações e valores mobiliários semelhantes), na sua Carteira de Derivados (posições em contratos contingentes) e na sua Carteira de Participações Sociais (aqui, só Acções detidas com o propósito de exercer algum controlo sobre a gestão das sociedades participadas).

  • Para não falar já da tradicional insuficiência da Margem Recorrente (isto é, a diferença entre proveitos e custos que não envolvem a exposição a riscos de mercado) para fazer face aos elevados encargos com a estrutura.

  • Mas seja só a Carteira de Crédito Bancário. Para apurar o quê, exactamente?

  • Para apurar se haverá por lá perdas que ainda não foram reconhecidas nas Demonstrações Financeiras que têm vindo a público? Mas não é essa a missão do Conselho Fiscal e dos Auditores Externos, que as subscreveram - e, ultimo ratio, do BdP que as supervisionou?

  • Para apurar o montante exacto de todas as perdas já incorridas, mesmo aquelas que, por uma razão ou por outra, ainda não vieram à luz do dia? Mas não é para isso que existem precisamente Conselho Fiscal, Auditores Externos e BdP (enquanto Supervisor)?

  • Para apurar, com rigor, o capital que está em risco nos empréstimos que muito provavelmente não serão recuperados na totalidade (o chamado malparado)? E o que é que têm dito sobre o assunto Conselho Fiscal, Auditores Externos e BdP?

  • Para apurar insuficiências nas provisões constituídas destinadas a absorver, já as perdas incorridas, já as perdas prováveis? Mas como admitir que essa questão tenha escapado, ano após ano, ao Conselho Fiscal, aos Auditores Externos e, até, ao BdP?

  • Enfim, para reverificar os resultados de stress tests e Asset Quality Reviews que, quer a EBA/European Banking Authority, quer o BCE/Banco Central Europeu, têm conduzido de há tempos a esta parte? Talvez – quem sabe?

  • Duvidam os deputados dos relatórios e pareceres que Conselho Fiscal, Auditores Externos e Supervisor têm elaborado? Ou foi-lhes negado o acesso a tais documentos? Ou, pior, suspeitam que esses relatórios e pareceres não contam a história toda – havendo outros que, mais completos e/ou mais rigorosos, circulam, apenas, no recato de alguns gabinetes?

  • Mas para dar resposta cabal, independente e bem fundamentada a todas estas dúvidas, a CPI terá de mergulhar nos registos contabilísticos e de analisar, um por um, os documentos (milhares e milhares) que os comprovam. Terá tempo, competência e ferramentas para tanto?

  • Duvido. Por isso, quanto a pôr em pratos limpos a verdadeira situação patrimonial da CGD, estamos conversados.

  • Então, para chegar a que conclusões? A uma, pelos vistos, já chegou mesmo antes de se reunir: passou, por atacado, um atestado de negligência, de ocultação, de possível manipulação de informação financeira relevante, se não mesmo de incompetência dolosa, a quem, até agora, administrou a CGD, ao seu Conselho Fiscal, aos seus Auditores Externos e ao próprio Supervisor (o BdP).

  • E será para tirar daí as consequências que se impõem? Duvido, de novo. Os sucessivos “casos” que a Banca portuguesa tem conhecido (BPN, BPP, BES, BANIF) mostram à saciedade: (i) que é o contribuinte que, sem grandes explicações, acaba por pagar tudo e o mais que for; (ii) que os membros dos órgãos de fiscalização, os Auditores Externos e os técnicos supervisores neles envolvidos continuam por aí como se nada fosse; (iii) enfim, que tudo o mais fica “gattopardo-mente” na mesma.

  • Resta à CPI passar a pente fino os processos de decisão em matéria de empréstimos (vulgo, crédito bancário) que a CGD adoptou – e, talvez, ainda adopte. Espero bem que, nesse meritório afã, não se esqueça de ajuizar também sobre a qualidade da informação que foi preparada para fundamentar as decisões que originaram todo este rebuliço.

  • Mas, se ficar só pelo que “quem decidiu o quê e porquê”, como temo que venha a acontecer, será mais um lavar de roupa suja – roupa que continuará tão encardida como quando deu entrada na barrela.

  • Não é de hoje nem de ontem que as coisas vão mal para os lados da CGD. Dois exemplos, de entre um ror de outros: (i) entre 2009 e 2012 o Estado procedeu a entradas de capital que totalizaram € 2.45 mM, mas os Capitais Próprios da CGD, entre 2008 e 2015 diminuiram € 0.4 mM; (ii) no fecho de 2015, tal como no fecho dos exercícios precedentes, os Capitais Próprios (ou seja, a capacidade da CGD para absorver perdas sem ver comprometida a sua continuidade) representavam, apenas, 4% do total do Balanço - bem abaixo do mínimo recomendado (6%) pelas Organizações Internacionais para os Bancos que são sistemicamente importantes a nível nacional, como é o caso.

  • Algo teria de ser feito há muito (certamente, desde antes da crise financeira) - e não bastaria atirar mais dinheiro para cima dos problemas, como veio a acontecer.

  • Se uma CPI é o local indicado para congeminar o que seja esse absolutamente necessário “algo”, duvido.

  • Mas daí não virá grande mal ao mundo. Sempre que não caia no lôgro de filar uns quantos que venham a pôr-se mais a jeito, de lhes vestir uns sanbenitos, de os torrar no fogo fátuo de umas vagas censuras – e esperar que a CGD renasça desse espectáculo livre de todas as maleitas de desgoverno que a têm afligido e com uma solidez financeira de fazer inveja.

  •  

    Ora, o que por aí se ouve e lê sobre qual deveria ser o papel da CGD não augura nada de bom.

     

    (cont.)

     

Julho de 2016

António Palhinha MachadoA. Palhinha Machado

 

LONGUINHA CXLIV

 brexit.jpg

 

REFLEXÕES HERÉTICAS

 

Ou é da minha vista, ou a discussão em torno do Brexit (como em tantas outras momentosas ocasiões) gira em torno de uma falácia e de três argumentos não menos falaciosos.

 

A falácia: a Europa, se ainda se não reduz à Zona Euro (ZEuro), é, pelo menos, sinónimo de União Europeia (UE) - como durante décadas o foi conscientemente do Mercado Comum (MC) (afinal, uma variante da confusão que entre nós grassa entre Estado e Governo (mais Administração Pública), com efeitos não menos perniciosos).

 

Os argumentos falaciosos: (i) a paz na Europa depende da UE; (ii) a prosperidade na Europa depende da UE; (iii) sem a UE, a Europa não se alcandorará a potência mundial.

 

Convido-o, Leitor, a acompanhar-me nestas reflexões mais próprias de um herege.

 

A) A paz na Europa

 

Certamente, o leit-motif de Monnet-Schumann-Adenauer era: não mais pancadaria entre a França e a Alemanha. Mas abordaram a questão ainda com a mentalidade do período entre as duas guerras mundiais: controlar mutuamente a base industrial do aparelho militar de cada um (CECA) para ficarem os dois ao abrigo de surpresas desagradáveis. E juntaram ao acordo alguns dos países que mais tinham sofrido com as guerras entre ambos (Holanda, Bélgica e Luxemburgo) mais a Itália que não teria boas recordações de nenhum deles (Nizza/Nice é ainda hoje uma ferida aberta no orgulho da Itália do Norte). Estes quatro parceiros eram úteis a vários títulos: (i) serviam de lastro nos conflitos em que a França e a Alemanha futuramente se envolvessem, amortecendo-os; (ii) poderiam ter algum efeito moderador, au préàlable/vorher; (iii) mas, acima de tudo, afastavam a tentação de um qualquer dos ex-beligerantes lançar à socapa, em país vizinho, as raízes de um novo complexo militar-industrial (a Alemanha de então estava completamente bloqueada a Leste pela "cortina de ferro").

 

Para prevenir possíveis confrontos militares no futuro, a NATO (que a RF Alemanha tinha começado a integrar pouco tempo antes) era - e é - muito mais eficaz. Além de que, ao tempo, a vizinhança de uma URSS agressiva não abria espaço, a Ocidente, para novas aventuras militares-nacionalistas germânicas. Por isto, o argumento de que CECA e CEE eram fundamentais para a paz sempiterna na Europa Ocidental, embora simpático e apelativo para povos esvicerados por duas carnificinas, carecia de um módico de razão. Como dizia, com graça, o Embaixador Siqueira Freire: "A CEE é mais obra de Stalin que dos Pais Fundadores".

 

A queda do Muro de Berlim talvez não tivesse o poder de alterar substancialmente a correlação de forças no seio da CEE - e, se foi este o temor de Miterrand, não estaria ele a ver bem o problema. O que alterou, de cima a baixo, a geometria da CEE foram: (i) o colapso da URSS que deu rápido sumiço a uma ameaça geo-estratégica; (ii) a não menos rápida adesão dos ex-satélites europeus da URSS à CEE (impulsionada, se não mesmo forçada, por uma Alemanha reunificada; os casos da Eslovénia e da Croácia, que desencadearam a Guerra dos Balcãs e o desmembramento da Jugoslávia, são exemplares). E caía por terra o argumento que tinha, até então, sustentado a CEE na vertente "segurança": não só a ameaça geo-estratégia da URSS parecia ter desaparecido no horizonte, como a Alemanha (mas não já a França) passava a ter, a Leste, acesso franqueado a economias que lhe reforçavam o poder industrial.

 

Felizmente, ainda não surgiu na Alemanha a tentação de converter todo o seu poderio industrial em poderio militar-industrial - graças, não tenho a menor dúvida, à NATO. Mas, creio, bastará que Putin se torne mais ameaçador, e a NATO menos fiável, para vermos crescer uma nova Wermacht. Até ao momento, a hegemonia alemã na Europa manifesta-se mais através do controlo monetário da ZEuro do que por meio da eficiência industrial. A Zeuro, um brinde que Miterrand entregou à Alemanha de mão-beijada, mesmo conhecendo a inflexível posição alemã nestas matérias durante os episódios da "serpente europeia" e do Sistema Monetário Europeu.

 

B) A prosperidade na Europa

 

Como seria de esperar, a liberdade de comércio (eliminação das taxas aduaneiras e dos obstáculos de natureza administrativa ao movimento transfronteiriço de mercadorias e de serviços) deu um fortíssimo impulso às economias europeias que a praticaram.

 

O problema é que, desaparecidos os entraves ao comércio transfronteiriço, os restantes obstáculos, que sempre existiram, tornaram-se ainda mais visíveis e especialmente sentidos: o risco cambial - mas também as restrições que atingiam a movimentação de pessoas e de capitais e o livre estabelecimento.

 

As 4 liberdades acabaram por ser instituídas na CEE, mas à custa de regras cada vez mais minuciosas e intrusivas - e de um aparato burocrático para as preparar e fazer cumprir que não parava de crescer. O principal problema com este estado de coisas nem sequer era o peso da burocracia. Era, sim, o modelo que, na CEE, dava forma a essa burocracia: o modelo da regulamentação (tudo o que não está expressamente autorizado, está tacitamente proíbido), tão ao gosto das culturas francesa e germânica (onde nós, portugueses, vamos buscar inspiração). Nunca a Comissão Europeia (CE) deu mostras de acolher o bom princípio "Comply or Explain" que prevalece no sistemas de inspiração anglo-saxónica (e no sistema financeiro internacional, desde há uns anos a esta parte).

 

A pressão no sentido de "mais Europa, mais integração, mais federalização" decorre, precisamente, do modelo da regulamentação, uma vez que a CE sempre fez crer que lhe faltavam os poderes suficientes para se impor aos Estados Membros - alguns deles, aliás, organizados à luz do alternativo modelo da regulação (tudo está tacitamente autorizado, se não estiver expressamente proíbido).

 

O risco cambial era, porém, o maior empecilho - como tinha ficado bem patente nos fracassos da "serpente europeia" e do Sistema Monetário Europeu. Os Estados Membros mais desenvolvidos e, simultaneamente, exportadores líquidos (com a Alemanha à cabeça) sofriam-no de quatro maneiras: (i) pela incerteza que o risco cambial introduz sempre na actividade económica (e nos processos de decisão, em geral) - e, ainda que a exposição ao risco cambial possa ser razoavelmente coberta, isso implica inevitavelmente custos que roem as margens de lucro; (ii) por verem o potencial de compra do MC (e, mais recentemente da UE) diminuir de um dia para o outro, com as desvalorizações cambiais a que os Estados Membros economicamente mais débeis (mas, mesmo assim, mercados apetecíveis) tinham de recorrer de tempos a tempos; (iii) por terem de competir com economias, certamente menos inovadoras e menos eficientes, mas que não hesitavam em lançar mão da desvalorização cambial, já para impulsionar as suas próprias exportações, já para exportar parte das suas crises domésticas (que eram, aliás, frequentes); (iv) enfim, por se aperceberem da dinâmica de valorização imparável das suas próprias moedas nacionais - tendência que o seu potencial exportador e a sua boa gestão macroeconómica tornavam impossível de conter.

 

Por isso, o risco cambial tinha de desaparecer da CEE - o que só foi conseguido, em parte (porque vários Estados Membros se auto-excluiram e outros ainda não foram aceites), com a criação da ZEuro. ZEuro que a Alemanha, com uma estratégia negocial digna da eficiência germânica, moldou à imagem e semelhança do Deutsche Mark (DEM) – mas de forma a pôr-se ao abrigo da constante revalorização cambial de que o DEM não se conseguia livrar. Até então, sabia-se, os efeitos da "ortodoxia monetária e fiscal" alemã na sua própria economia eram atenuados pelas políticas fiscais mais expansionistas da Itália, da França e de alguns Estados Membros periféricos - apesar do incómodo que era a permanente ameaça de desvalorização cambial em várias economias da CEE. A partir de então, não mais risco cambial no interior da ZEuro - e o efeito contrabalanceador das políticas fiscais expansionistas era, agora, assegurado pelo crédito bancário transfronteiriço que fluia abundante e sem restrições.

 

Parecia o melhor dos mundos. Para os Estados Membros exportadores líquidos, com destaque para a Alemanha, que passavam a produzir e exportar livres da preocupação com o risco cambial em boa parte da sua actividade económica (e emprego). Para os Estados Membros importadores líquidos, que, sem grande esforço, recebiam dos Bancos alemães e franceses (e poucos mais) os fundos de que necessitavam para financiar o desequilíbrio sistemático das suas Balanças de Transacções Correntes (BTC). Mas não era tal - porque na vida económica não há almoços grátis.

 

Desde logo, os Bancos alemães e franceses endividavam-se até aos cabelos no mercado monetário dos EUA – o que a ninguém preocupava, até estalar a crise financeira de 2007/2010 (uma outra história, também digna de ser contada). E mais dois obstáculos se agigantavam: (i) na esfera real da economia - os desequilíbrios (deficits aqui; superavits acolá) das BTC no interior da ZEuro; (ii) na esfera nominal da economia - o risco de crédito que se ia acumulando nos Balanços dos Bancos que financiavam tais desequilíbrios (sobretudo, Bancos alemães e franceses, recordo), risco para o qual eles não dispunham de Capitais Próprios suficientes, nem tinham maneira de obter nos mercados financeiros o capital de que careciam. Deu no que deu - e foi o que se viu.

 

O objectivo oculto dos Programas de Ajustamento (vulgo, troika) foi difundir por esse mundo fora uma mensagem subliminar mais ou menos nestes termos: "Depositantes! Investidores! Contrapartes nos mercados financeiros! Sossegai! Não tendes por que vos preocupar. Quem deve dinheiro aos Bancos alemães e franceses vai acabar por pagar de uma maneira ou de outra. Por isso, estes nossos Bancos não terão de provisionar, muito menos contabilizar, perdas que consumam os seus Capitais Próprios. Alguns Bancos periféricos poderão colapsar e desaparecer, é certo. Mas, que diabo! há que dar o exemplo (e sempre é menos concorrência, que começava a irritar). O certo é que não deixaremos nunca que os grandes Bancos alemães e franceses fiquem em apuros".

 

Uma mensagem gritada e imposta a todo o custo - que mais exacerbou a propensão dirigista da CE (e do Eurogrupo), soprada dos bastidores pela Alemanha (Schauble).

 

Com o Euro, vemos agora, a CE ganhou novos pretextos para ampliar e aprofundar o modelo da regulamentação sobre o qual tinha construído toda a UE. E a Alemanha (mas só a Alemanha) obteve um conjunto de vantagens que de outro modo nunca estariam ao seu alcance: (i) conseguiu dissociar a evolução da taxa de câmbio da sua moeda nacional (agora, o Euro) do seu crescente potencial económico e dos sucessivos superavits da sua BTC; (ii) deficitária em matérias primas energéticas, conseguiu passar a pagar na sua própria moeda nacional (o Euro) o gás natural que compra na Rússia e noutras regiões euro-asiáticas - fundos que permanecem depositados nos seus próprios Bancos (os quais ficam assim poupados a problemas de liquidez, além de obterem evidentes e substanciais ganhos de senhoriagem; situação que só é igualada pelos EUA - mais nenhuma economia à face da Terra goza de igual privilégio); (iii) conseguiu pôr-se ao abrigo do risco cambial numa parte significativa das suas exportações e dos seus movimentos de capitais; (iv) conseguiu induzir nos restantes Estados Membros uma procura acrescida assente em dívida - de que a sua indústria (mas não os seus serviços) tira o melhor proveito; (v) pelo facto de financiar a compra das suas exportações, não directamente, mas através de Bancos locais, conseguiu que o excessivo endividamento das economias suas clientes não se reflicta de imediato nos principais Bancos alemães, antes corroa os Balanços desses Bancos locais; (vi) conseguiu transformar um grave problema de crédito malparado nos Balanços dos seus principais Bancos, num problema de default dos Estados Membros com desequilíbrios profundos nas respectivas BTC (o dedo em riste para os desequilíbrios orçamentais não é mais que uma cortina de fumo para ocultar os movimentos interbancários na ZEuro); (vii) converteu os contribuintes dos Estados Membros à beira do default (e, em tese, de todos os restantes Estados Membros) - estejam eles, contribuintes, pessoalmente endividados ou não - em fiadores irrestritos dos empréstimos que os Bancos alemães vão fazendo aos Bancos locais para financiar a procura de produtos alemães.

 

E é isto – não mais, ou menos, Europa - que está presentemente em causa.

 

C) A Europa como potência mundial

 

Para ser uma verdadeira potência mundial (isto é, capaz de projectar a sua vontade no mundo) falta à UE uma capacidade militar com efeito dissuasor credível. Não basta uma indústria militar de ponta (que existe). São necessárias botas dispostas a ir para o terreno, seja onde for. E só no Reino Unido - e, talvez, em França - estão disponíveis essas tais botas em número significativo. A UE só é vista como potência mundial enquanto integrar a NATO. Até agora, tem surgido na cena mundial sempre na sombra do poder político-militar dos EUA - e sem o conforto dessa sombra, pouco ou nada contaria.

 

Acontece que a Alemanha nasceu com o sonho - e o apetite - de ser vista como uma potência mundial (das Grosse Deutschland). Foi assim logo na Conferência de Berlim. Foi assim na curta Guerra Franco-Prussiana e com o Kaiser Guilherme II. Foi assim com Hitler, que cavalgou essa vontade e esse apetite até limites inimagináveis. E é assim, não tanto na UE, mas principalmente na ZEuro - o que é dizer, querendo ser vista como leader de uma moeda de reserva mundial (o Euro)

 

Pragmática, conhecedora da História à custa própria, a Alemanha sabe que, por maior que seja o seu poderio industrial e financeiro, com 80 milhões de habitantes nunca deixará de ser uma Média Potência, cuja zona de influência estratégica até se situa a Leste, onde cedo ou tarde esbarrará na Rússia - a Grande Potência que sempre temeu (infelizmente, ainda não vi suficientemente escalpelizado o papel da Alemanha nos acontecimentos que desaguaram na Revolução Laranja (Ucrânia, NOV2014); mas sempre me pareceram tirados quase a papel químico do que se passou na ex-Jugoslávia, com a Croácia e a Eslovénia, peças no mapa idealizado da Grosse Deutschland).

 

Para ser reconhecida como uma potência mundial, a Alemanha sabe que tem: (i) de se transvestir de UE, com os seus 550 milhões de habitantes; (ii) de ser um fidelíssimo membro da NATO - o que lhe evita o esforço económico e financeiro de criar e manter uma capacidade militar à altura das suas ambições, e não despertar receios na vizinhança. Dito de outro modo: a Alemanha tudo tem feito para se elevar discretamente ao patamar das 3 Grandes Potências mundiais (EUA, China e Rússia), aos ombros dos restantes Estados Membros (dizendo-lhes que são eles, em conjunto, e não ela, que têm voz entre os "Grandes") e usando o Euro como moeda de reserva mundial. Uma estratégia que tem seguido, desde os anos '80, de maneira inflexível, com disciplina germânica. Mas, cada vez mais, é só a voz alemã que se faz ouvir.

 

D) BREXIT

 

“Brexit, what a nuisance!” Não duvido. As razões que ditaram o voto maioritário no referendo britânico não se recomendam? Concedo. Mas o que foi posto frontalmente em causa não foi a Europa. Foi o modelo político-burocrático (a UE) em que se quis, e quer, espartilhar a Europa. Foi a referida falácia, mais os argumentos falaciosos que a acompanham. E foi também a nossa (não) política na Europa, resumida ao venal: “Façam o que muito bem entenderem, tanto se nos dá. O importante é mesmo que venha de lá o “taco”.

 

Se a resposta da UE (e a do nosso Governo, à sua escala insignificante) for "mais Europa" – em que custos e benefícios continuem a ser cada vez mais desigualmente repartidos, já entre Estados Membros, já no interior de cada Estado Membro - não prevejo nada de bom para ninguém.

 

 

Junho de 2016

António Palhinha Machado

A. Palhinha Machado

 

CURTINHAS Nº CXLII

Banco mau.jpg

 

O RABO DA LAGARTIXA - II

 

  • Que não haja ilusões. Se os Bancos tivessem levado logo a Resultados as perdas em que iam incorrendo (e, também, se tivessem provisionado a tempo e horas as perdas prováveis a que se expunham de ânimo leve) um “Banco Mau” só seria parte (e uma parte até menor) da solução para os recapitalizar em caso de perdas absolutamente inesperadas e excepcionais – o que está longe de ser o caso vertente.

 

  • Na realidade, as perdas irrecuperáveis e o risco iam-se acumulando ano após ano, bem desde os finais da década de ’90, sem que os Bancos, em geral, conseguissem alcançar Excedentes Brutos de Exploração (no calão técnico: EBITDA) que permitissem provisionar umas e outro por inteiro e, mesmo assim, apresentar uma rentabilidade decente.

 

  • Aliás, acreditava-se piamente (Bancos e BdP) que as perdas incorridas (aquelas impossíveis de negar e/ou de ocultar) eram infortúnios irrepetíveis. Porque, no restante Balanço, nem traço de risco: tudo seria pontualmente cobrado (Carteira de Crédito) ou realizado (outras posições do Balanço) - era dinheiro em caixa.

 

  • Até o destino vir pregar, no ano seguinte, umas quantas partidas mais: novos infortúnios que não voltariam a repetir-se, está visto. E assim se iam sucedendo os anos…

 

  • A ideia de que todas as posições do Balanço expõem os Bancos ao risco, de que havia por lá perdas que só aguardavam uma oportunidade para se materializarem, não passava pela cabeça de ninguém: não havia Banco que não proclamasse no seu Relatório Anual a mais absoluta aversão ao risco. Viviam em estado de negação, é o que é.

 

  • Se é relativamente fácil (desde que haja competência e honestidade profissional, bem entendido) identificar num Balanço, com razoável exactidão, as perdas incorridas, já estimar as perdas esperadas em posições de risco agravado exige: (i) uma ampla base de dados estatísticos; (ii) um volume apreciável de informações qualitativas; (iii) métodos bastante complexos, que têm de ser afinados continuamente.

 

  • O facto de, decorridos praticamente dois anos, as transferências entre BES e NB não estarem ainda definitivamente encerradas é um exemplo a ter em conta neste ponto. Logo aqui a solução “Banco Mau” começa a revelar os seus limites.

 

  • O problema seguinte é o preço a atribuir a cada uma das posições de Balanço que sejam transferidas para o “Banco Mau”. Nada mais simples, dir-se-á: um preço igual ao respectivo valor realizável (o “justo valor” na terminologia contabilística-fiscal que por cá se usa).

 

  • Mas como encontrar o valor realizável: (i) do crédito malparado, para o qual não existe nenhum mercado secundário fiável? (ii) de imóveis, quando o mercado imobiliário é exemplo rematado de opacidade? (iii) de outras activos financeiros que só à Banca interessam?

 

  • Não é um problema de somenos: (i) se o preço coincidir com o valor contabilístico – o Banco recebe um subsídio encapotado (igual à diferença entre o valor contabilístico e o valor realizável) que o contribuinte acabará por suportar; (ii) se for a preço 0 – a reposição dos Capitais Próprios em níveis adequados (hoje em dia, bem acima de 12% do Total de Balanço) implicará um esforço financeiro que a rentabilidade da actividade bancária poderá não justificar.

 

  • Tudo se resume, então, a repartir entre accionistas e contribuintes o esforço financeiro com a recapitalização dos Bancos. É claro que os activos “tóxicos” podem ser transferidos sob “reserva de melhor fortuna”. Mas isso não diminuirá o esforço financeiro exigido de início aos accionistas. E as perspectivas de rentabilidade voltam a ensombrar a solução.

 

  • Como é óbvio, esse preço terá de ser pago pelo “Banco Mau”. Com que dinheiro? Resposta: (i) ou com o dinheiro do Banco Central (vindo os prejuízos na operação, em fecho de contas, a serem cobertos pelos contribuintes); (ii) ou com os fundos de um Esquema de Garantia de Depósitos (ou de outro mecanismo semelhante, que é o que se passa actualmente na Zona Euro), respaldado, em última análise, pelos contribuintes; (iii) ou com fundos do OGE - que, mais cedo ou mais tarde, terão de sair do bolso dos contribuintes.

 

  • Suponhamos, por momentos, que estes dois primeiros obstáculos (a identificação das posições de Balanço a transferir e o preço a atribuir-lhes para efeitos da transferência) tinham sido ultrapassados a contento. E depois? O que será do “Banco Mau”? E como será com os Bancos, uma vez alijada a carga “tóxica” que os asfixia?

 

  • Começando pelo “Banco Mau”. O seu único objectivo é liquidar pelo melhor o património que recebeu. Uma missão espinhosa no contexto português. Desde logo porque toda a gente sabe que ele, se não cobrar, nem vender, terá de suportar as perdas na totalidade.

 

  • O sucesso da cobrança de um crédito malparado depende de três factores: (i) da qualidade dos documentos que o representam e demonstram; (ii) da rapidez da execução; (iii) do património que restar ao devedor condenado a pagar.

 

  • Atrevo-me a dizer (por experiência própria) que boa parte do crédito malparado que hoje inquina os Balanços dos Bancos tem representação documental deficiente, o que torna difícil demonstrar, já a existência da dívida, já o montante exacto que é exigível.

 

  • Mas, neste capítulo, os maiores obstáculos com que o “Banco Mau” se deparará são a lentidão processual dos tribunais (cíveis e de comércio) e a legislação sobre insolvências. Uma legislação que, no essencial, trata a insolvência como crime – e, por isso, mais interessada em apurar responsabilidades do que em evitar que a massa falida permaneça de “mão morta” (com a consequente redução do produto potencial da economia).

 

  • E quando, finalmente, a sentença é ditada, o mais provável é o devedor (pessoa singular) já não ter bens ao luar - e da massa falida (empresa) nada se aproveitar.

 

  • Nos imóveis, outros bens físicos, partes sociais, etc., a necessidade de vender (não haverá alternativa) expõe o “Banco Mau” ao cambão dos compradores interessados, porque não existem mercados organizados para o efeito.

 

  • Quem defende esta solução andaria mais avisado se começasse por: (i) organizar verdadeiros mercados (sobretudo, para imóveis e outros bens físicos); (ii) aumentar a produtividade dos tribunais; (iii) acima de tudo, reformular de alto a baixo a legislação dedicada às insolvências.

 

  • Caso contrário, no contexto actual, as hipóteses de sucesso do “Banco Mau” são muito escassas – servindo, apenas, para disfarçar (mal) o facto de o contribuinte ser obrigado a comprar bens e activos financeiros que, no final, pouco ou nada valerão.

 

  • E quanto aos Bancos? Não me surpreenderia que, decorridos uns anos, voltassem ao mesmo.

 

  • Não só pelos obstáculos que tolhem o “Banco Mau” (falta de mercados organizados; fraca produtividade dos tribunais; uma legislação sobre insolvências completamente desastrada). Também porque a economia portuguesa nunca criou alternativas ao financiamento através de dívida – em que a maior fatia continua a pertencer, de longe, ao crédito bancário.

 

  • E isto tem dois efeitos perversos: (i) concentra nos Balanços dos Bancos a maior parte do risco implícito na actividade económica; (ii) subordina o nível da actividade económica às peripécias (leia-se: perdas) que atinjam os Capitais Próprios dos Bancos (como agora).

 

  • No cerne desta visão que confunde financiamento com endividamento está uma singela disposição fiscal que desagrava os juros suportados (dedutíveis à matéria colectável) e tributa duplamente os lucros distribuídos (primeiro, no património da empresa; em seguida, no património do sócio). Daí termos uma economia de alto risco por falta de capital.

 

  • Neste contexto, nenhum outro modelo de gestão bancária é viável, para lá daquele que troxe os Bancos até aqui: incentivar o endividamento, seja como for.

 

  • Mas a que propósito vem o rabo da lagartixa? Simples: ao defender um “Banco Mau” o BdP dá mostras de crer que, tal como o rabo da lagartixa (que, quando, estropiado, é cortado e lançado fora para que outro cresça saudável e viçoso), também os Balanços dos Bancos ganharão saúde e viço perenes logo que aliviados dos activos “tóxicos” que os fragilizam. Está enganado.

 

Junho de 2016

 

(FIM)

Palhinha Machado.jpgA. Palhinha Machado

 

CURTINHAS Nº CXLI

activos-toxicos.jpg

 

O RABO DA LAGARTIXA - I

 

  • Nunca é demais recordar que, sem dinheiro (liquidez), as economias de base contratual (como a nossa e tantas outras) não funcionam – ponto final. E dinheiro, nos tempos que correm, é dívida e só dívida: dívida à vista dos Bancos Centrais; dívida à vista dos Bancos Comerciais (Bancos, de ora em diante).

 

  • Cá como em qualquer parte do mundo, se nada for feito – se o Banco Central não intervier, directamente ou através de um Esquema de Garantia dos Depósitos – o colapso de um Banco implica a perda total dos fundos nele depositados – ou, pelo menos, a total indisponibilidade desses fundos durante largo tempo.

 

  • Com as consequências que são fáceis de antever: (i) redução súbita da liquidez em circulação (na exacta medida dos depósitos bancários perdidos ou indisponíveis); (ii) contracção da procura interna (quase sempre mais que proporcional à quebra da liquidez, também por razões psicológicas); (iii) abrandamento da actividade económica (causada pela quebra na procura interna); (iv) aumento do desemprego (dependendo dos sectores de actividade que sejam mais afectados pela contracção da procura interna).

 

  • Se não for um só Banco isolado a ficar insolvente, mas vários em simultâneo; ou se esse Banco tiver grande peso no sistema de pagamentos; ou se a sua insolvência desencadear um efeito dominó, arrastando outros Bancos para a insolvência; ou se bastar o colapso de um Banco para gerar um ambiente de pânico, com corrida aos Bancos para levantar o dinheiro neles depositado – é o caos.

 

  • Entre nós, a dívida à vista dos Bancos (daqueles estabelecidos em Portugal, escusado será dizer) representa mais de 90% do volume de liquidez em circulação (o resto é o stock de notas, tendo as moedas metálicas uma importância, apenas, marginal).

 

  • E, no final de 2013, os sete maiores Bancos (por ordem decrescente dos respectivos depósitos: CGD, BCP, BES, BST, BPI, MG e BANIF) representavam praticamente a totalidade dos depósitos bancários (um pouco menos de 90% da liquidez em circulação).

 

  • Desde então, um deles foi liquidado (BANIF) e outro foi esquartejado (BES) na tentativa de salvar o que fosse possível.

 

  • Em ambos os casos, os depósios bancários permaneceram intactos, transitando para o BST que por eles passou a responder (no caso do BANIF) e para um Banco constituído expressamente para o efeito (NB, no caso do BES).

 

  • Em ambos os casos, a causa de fundo do colapso foi a manifesta insuficiência, não de liquidez, mas de Capitais Próprios para absorver, quer as perdas já incorridas, quer as perdas esperadas que inquinavam os respectivos Balanços. E sem Capitais Próprios mínimos adequados ao seu modelo de negócio nenhum Banco está em condições de funcionar – pelo que terá de ser liquidado.

 

  • Em ambos os casos, porém, o golpe de misericórdia foi dado pelo BCE que recusou continuar a ceder-lhes liqudez – quando os mercados interbancários há muito também não os viam com bons olhos.

 

  • Excepção feita ao BST (que está integrado num Grupo Bancário considerado sistemicamente importante a nível europeu e global - e, por isso, é visto de maneira diferente), os restantes Bancos enfrentam, de há vários anos a esta parte, problemas que não são diferentes, em natureza, daqueles que levaram BES e BANIF ao colapso: insuficiência (talvez não tão extreme) de Capitais Próprios para acomodar os riscos a que estão expostos mais as perdas já incorridas que ainda têm de reconhecer nas suas contas.

 

  • Contribuíram para esta insuficiência três factos que o BdP, aparentemente, nunca levou a sério: (i) as perdas incorridas não eram prontamente levadas a Resultados (ficavam a “fazer Balanço” na esperança de melhores dias); (ii) as provisões constituídas não davam, nem de longe, para absorver a totalidade das perdas esperadas (que, em geral, também não eram estimadas com um mínimo de rigor); (iii) o modelo de negócio (sim, porque todos eles seguiam o mesmo modelo de negócio, que outro não conheceriam) era, e é, especialmente exigente quanto a Capitais Próprios.

 

  • A solução milagrosa que parece estar em cima da mesa consiste em retirar dos Balanços dos Bancos todas as perdas já incorridas, mais as posições de Balanço que podem, com elevada probabilidade, redundarem em mais perdas, reunindo tudo numa sociedade criada expressamente para o efeito (sociedade instrumental) - a qual tentará cobrar o que for cobrável e realizar o que for realizavel. Em curtas palavras, minimizar o prejuízo.

 

  • “Banco Mau” é o nome que usualmente se dá a sociedades instrumentais assim, ainda que de Banco nada tenham. Aliás, nem sempre ficam sujeitas a supervisão prudencial - e, por cá, ainda não se sabe como será (veja-se o que se tem passado na liquidação do BPN).

 

  • Esta solução depara-se, invariavelmente, com três dificuldades de tomo: (i) se, quanto às perdas já incorridas, dúvidas não haverá - como identificar, porém, as posições de Balanço ainda vincendas, mas que representam já um risco agravado? (ii) que preço atribuir a cada posição de Balanço a transferir para o “Banco Mau”? (iii) será que o contexto actual da economia portuguesa é amigo de um “Banco Mau” - ou tolher-lhe-á os movimentos?

 

  • A experiência com a constituição do NB, baseado naquilo que o BdP julgava ser o são no Balanço do BES (mais exactamente, do Grupo BES), não augura nada de bom sobre a habilidade dele, BdP (ou, para o efeito, de renomados Auditores), para identificar, nem mesmo as perdas já incorridas, quanto mais as posições de Balanço ainda periclitantes.

 

  • O mais provável (como no caso BES/NB) é assistir-se durante largos meses a um “tira, põe & deixa” entre os Bancos e o “Banco Mau” - que só fragilizará ainda mais os Bancos que se queria robustecer.

 

  • Mas o passo mais complicado nesta solução é, sem dúvida, como atribuir um preço razoável a cada um dos activos ditos “tóxicos” (crédito malparado, imóveis sobrevalorizados ou invendáveis, títulos sem mercado secundário minimamente fiável) a transferir dos Bancos para o “Banco Mau”.

 

(cont.)

Palhinha Machado.jpgA. Palhinha Machado

Junho de 2016

CURTINHAS Nº CXL

 

Estado de Direito.jpg

 

Ai estado, estado, a quantas andas!

 

  • Tenho para mim que uma das mais pesadas cangas que nos tolhem os movimentos enquanto Estado é, precisamente, o mau uso que damos à palavra “Estado”.

 

  • Boa parte do que tenho escrito por aqui e por ali gira em torno desse péssimo uso e das suas ainda mais perversas consequências. Mas, reconheço, são invariavelmente considerações tecidas em abstracto que acabam por deixar mais dúvidas que certezas. Um exemplo viria mesmo a calhar.

 

  • Então, aqui vai: “Mais Estado”. O que entender por isto?

 

  • Para alguns é aumentar, tornar mais denso e mais minucioso o corpo de leis e regras que moldam a organização do Estado. Um Quadro Normativo de malha mais apertada, mas que pode ser perfeitamente compatível com o modelo da regulação (Tudo o que não esteja expressamente proíbido, está tacitamente autorizado). Uma interpretação que não tem de ser inimiga da inovação e da iniciativa individual.

 

  • Para outros, os que identificam “Estado” com “Governo”, é colocar a tónica no modelo da regulamentação (Tudo o que não esteja expressamente permitido, está tacitamente proíbido). Uma forma de pensar que se traduz, geralmente, no reforço dos poderes discricionários avocados por Governos mais voluntariosos (L’État, c’est moi).

 

  • Enfim, para tantos, é, mais prosaicamente, ampliar o aparelho administrativo do Estado (a Administração Pública) sujeitando ao estatuto do funcionalismo público cada vez mais actividades económicas – quase sempre sob o argumento da universalidade e gratuitidade do acesso a “bens públicos”.

 

  • É certo que a lista de “bens públicos” varia de acordo com o ideário político. E daí nenhum mal virá ao mundo – desde que o debate se centre no que se entenda serem “bens públicos”, em vez de se limitar à teima “mais Estado”, “menos Estado” - sem ninguém vir a terreiro explicar “que Estado”.

 

  • Só na aparência estas três interpretações apontam no mesmo sentido. Na realidade, é fácil imaginar “mais Estado” com um Governo bastante contido e discreto (vidé, a Suíça). Ou, mesmo, “mais Estado” com um aparelho administrativo reduzido ao mínimo por obra e graça do reforço da regulação e supervisão (vidé, a Austrália) – estas, sim, indiscutíveis funções de soberania.

 

  • Como se imagina também sem dificuldade uma Administração Pública de tal modo extensa e complexa que reduz o Governo à impotência, por mais voluntarioso que este seja. Ou um Quadro Normativo que tolera as intervenções discricionárias do Governo ao ponto de se perder de vista os princípios fundamentais que enformam o Estado. (Exemplos para um e outro destes casos é o que não falta por esse mundo fora.)

 

  • Mas o que mais me surpreende é o facto de este debate se circunscrever à vertente interna: o que seja “mais Estado”, cá dentro. Como se nós, crendo-nos sozinhos no mundo, só tivessemos de nos preocupar com o nosso próprio umbigo.

 

  • Onde pára o debate político sobre como queremos e podemos afirmar os nossos interesses no contexto global?

 

  • A ideia que fica é que abdicámos a favor da UE, não só este ou aquele aspecto da nossa soberania - mas toda a soberania, por atacado. Afinal, um pêso que nos excedia e que alijámos de bom grado com um suspiro de alívio (e não me venham com a desculpa da troika, da Dívida Pública Externa ou da defesa do Estado Social).

 

  • Enquanto for este o quadro mental que entre nós prevalecer, domesticamente continuaremos confundidos por aquilo que alguém, sábio, baptizou como “ignorância racional” - e externamente não nos daremos ao respeito.

 

Junho de 2016

Palhinha Machado.jpg

 A. Palhinha Machado

 

HERESIAS - XXVIII

 

liceu_camoes.jpg

 

PEQUENA BURGUESIA DE FACHADA SOCIALISTA

 

  • Foi exactamente com este título que há uns 3 anos (em HERESIAS XIV) meti o bedelho no debate em torno da “escola pública” - já então a discussão fervia.

 

  • Hoje regresso ao assunto começando pela afirmação de um jornalista (J. M. Fernandes/Observador) que, curiosamente, é dos que mais têm criticado a decisão do Governo a propósito dos contratos de associação. Escreveu ele: “(o ensino privado) é a possibilidade de gozar a liberdade sem a tutela do Estado”.

 

  • “Tutela do Estado”? Salta a vista que, de um lado e do outro da barricada (sim, porque a discussão não passa de uma guerra de trincheiras) o que mais abunda são quadros mentais viciados e as trapalhadas semânticas do costume.

 

  • Todos (numa tradição que, entre nós, remonta aos primórdios do Liberalismo) parecem confundir despreocupadamente “Estado” com “Governo” (o Órgão Executivo do Estado) e/ou com “Administração Pública” (o aparelho administrativo do Estado). Para uns, é pura ignorância; para outros, rematada premeditação. Em suma: uma trapalhada semântica de que alguns tentam tirar bom proveito.

 

  • Acontece que o “Estado” é uma organização. Mais precisamente, uma comunidade que se organiza para perpetuar a sua individualidade na interacção com outras comunidades. E uma organização que tem por objectivos últimos: (i) no plano interno, a convivência pacífica e o seu reverso, a punição; (ii) para o exterior, a capacidade de formular e afirmar os seus próprios interesses.

 

  • Objectivos últimos que podem ser, ou não, prosseguidos em ambiente de liberdade, de igualdade e de segurança (de pessoas e bens). Mas, tal como a liberdade, também a igualdade e a segurança (de pessoas e bens) só são concebíveis em determinados modelos de Estado – a saber: os Estados de Direito.

 

  • Não é necessário, creio, desenvolver uma Teoria do Estado para concluir que não faz qualquer sentido pretender que a liberdade individual possa ser vivida “à margem” do Estado de Direito - muito menos “contra” o Estado de Direito – como J. M. Fernandes dá a entender.

 

  • Pelo contrário, é o Estado de Direito que vem criar as condições para que a liberdade possa ser desfrutada pacificamente. E Estado que não proteja (da acção do Governo, da Administração Pública ou de quem quer que seja) o exercício da liberdade, não será, por certo, um Estado de Direito.

 

  • Faço notar que um Estado de Direito não é um “Estado de Leis” como muitos por cá pretendem, mais ou menos sorrateiramente. É, sim, um Estado de Princípios: (i) o princípio da liberdade (individual e colectiva); (ii) o princípio da igualdade (de todos e cada um perante as normas que dão forma, substância e finalidade à organização que é o Estado); (iii) o princípio da segurança (de pessoas e bens), sem o qual nenhum dos outros dois princípios poderá ser pacificamente fruído.

 

  • Sob este ângulo, “ensino público” e “ensino privado” são duas realidades que coexistem, ou podem coexistir, no seio de um dado modelo de Estado de Direito. Por outa parte, nada impede que o Estado de Direito consagre uma única modalidade de ensino – desde que salvaguarde a liberdade, a igualdade e a segurança também nesse ponto.

 

  • Mas, o que entender por “ensino público”? E por “ensino privado”? Será que “ensino público” e “escola pública” são uma e a mesma coisa?

 

  • Na realidade, “ensino público” pode ter 3 sentidos bem diferentes.

 

  • No mais elementar - o ensino é “público” se tiver de respeitar regras de funcionamento e curricula (quiçá, curricula mínimos obrigatórios) fixadas pelo Governo e supervisionadas pela Administração Pública.

 

  • No intermédio - o ensino é “público” se, além disso, for inteiramente financiado por dinheiros públicos (melhor, pelo OGE), sem custos para os alunos.

 

  • No mais rebuscado - o ensino só é “público” se, para além de ser gratuito para os alunos, tiver lugar em locais que são património do Estado e for assegurado por pessoal (docente e discente) a cargo do OGE.

 

  • Em Portugal, o ensino na escolaridade obrigatória é “público” no sentido mais elementar – mas já não no sentido intermédio: os livros (e outro material de estudo) necessários têm de ser adquiridos pelos alunos. O mesmo acontece, aliás, com o ensino pré-primário e o ensino superior.

 

  • É, porém, o sentido rebuscado que mais se aproxima daquilo que, entre nós, se entende por “escola pública”. Aproxima-se, mas não coincide – longe disso.

 

  • Para teóricos e práticos destas coisas do ensino, “escola pública” é unicamente aquela em que os professores, não só são pagos por dotações do OGE, mas gozam do estatuto de funcionários públicos - estando, por isso, sujeitos à disciplina hierárquica da Administração Pública e a uma relação laboral que os favorece relativamente à generalidade dos empregados por conta de outrém.

 

  • Tudo o resto pode ser o que seja: o pessoal discente pode estar em contrato individual de trabalho, ser simples prestador de serviços ou ser fornecido por uma empresa privada; as instalações escolares podem ser arrendadas ou até cedidas em comodato; livros e outro material de estudo, já sabemos, correm por conta dos alunos. Agora, os professores, esses, têm de ser funcionários públicos.

 

  • E a isto se resume esta discussão, acesa e interminável: os professores do “ensino público” têm de ser funcionários públicos. É isso a “escola pública”, sem que ninguém explique porquê.

 

  • E ninguém explica porquê por uma simples razão: todos têm por óbvio que, se é “bem público” (e o ensino é um “bem público”), terá de ser assegurado, forçosamente, por funcionários públicos.

 

  • Todos, afinal, comungam no mesmo quadro mental viciado da dicotomia “Estado/Sociedade Civil”, parecendo não ver que é “bem público” tudo aquilo que contribua para que a comunidade organizada em Estado se perpetue, mantendo intactas a sua identidade e a capacidade para afirmar os seus interesses perante o exterior. E que a distinção fundamental na organização do Estado é entre funções de soberania e tudo o resto – não a que opõe Governo (e, por arrastamento, Administração Pública) ao cidadão comum.

 

  • Há, de facto, razões outras, que não só a imoderada ignorância de tantos, como veremos adiante. Assim como há razões objectivas para que aquele quadro mental viciado venha acompanhado, invariavelmente, por um preconceito puramente ideológico: na “escola pública”, os alunos não têm liberdade de escolha. Ou, de modo sucinto: universalidade e gratuidade (na “escola pública”) não rimam com liberdade de escolha (dos alunos).

 

  • [NOTA: Não abordarei aqui as soluções sobejamente conhecidas para conciliar “ensino público”, mesmo no sentido rebuscado, até mesmo no sentido de “escola pública”, com a liberdade de escolha da escola. Mas não posso deixar de sublinhar que, se a organização do Estado não é de molde a consagrar a liberdade de escolha da escola, esse não é, certamente, um Estado de Direito].

 

  • Aqui chegado, retomo a actual discussão. O que primeiro ressalta é que o Governo: (i) não sabe quanto custa, na realidade, a “escola pública” – naquela linha de pensamento, tão nossa, de que, se é do interesse público, custará o que tiver de custar; (ii) não faz a menor ideia dos custos no “ensino privado”.

 

  • Dito de outra maneira: (i) o Governo (este e todos os que o precederam) não está em condições de prestar contas, nem sobre a “escola pública”, nem sobre os contratos de associação; (ii) a Oposição (esta e todas as que a precederam), não está em melhor posição; (iii) quem tem por missão auditar as Contas Públicas (o Tribunal de Contas) nunca exigiu de nenhum Governo um rudimento que fosse de contabilidade analítica (pelo menos, no capítulo do “ensino público”) que lance luz sobre o debate. Nisto estamos.

 

  • Que esta luta encarniçada pela imposição da “escola pública” obedece a uma estratégia política, parece-me ser ponto assente. Mas não, como por vezes leio, com o objectivo de “endoutrinar os alunos”. Essa endoutrinação não se faz nas salas de aula. Faz-se nos curricula – e, para tal, até o “ensino público” no sentido mais elementar servirá.

 

  • Aliás, a endroutinação pressuporia a colaboração cúmplice da grande maioria do corpo docente - o que nem os mentores desta estratégia crêem possível. E se tivessem a ingenuidade de crer, o êxito das redes sociais entre os alunos encarregar-se-ia de os desenganar rapidamente.

 

  • O objectivo é, sim, manter instrumentalizável (leia-se: em prontidão) um dos sectores que maior potencial tem para causar perturbação social (o da escolaridade obrigatória) - e, desse modo, exercer uma pressão permanente sobre Governos de outra cor política que venham com pretensões de “ideias próprias e pulso firme”.

 

  • Outros sectores terão potencial idêntico, se não mesmo superior, para desarticular o dia-a-dia do cidadão comum, instilando subliminarmente a ideia de um Governo fraco, logo incompetente. Tenho em mente os transportes urbanos/suburbanos e o SNS.

 

  • Mas a paralização dos transportes tem um impacto meramente local – e, para mais, a disponibilidade de viaturas particulares, não eliminando o incómodo, dilui-lhe os efeitos. As paralizações no SNS, por seu turno, são objecto de crescente censura pela generalidade da população (pelo que convém não abusar).

 

  • No ensino é que é: ninguém fica com a vida em risco (contrariamente ao que pode acontecer no SNS) e não há alternativa imediata (como acontece com os transportes urbanos/suburbanos).

 

  • [NOTA: É claro que há sectores que, paralizados, paralizam o país (ex: portos marítimos, indústria do cloro/soda cáustica, distribuição de água, de energia eléctrica e de gás natural, telecomunicações e Banca) – mas isso leva a luta política para um patamar pré-insurrecional que não está aqui em causa.]

 

  • A mobilização dos professores não é feita sob uma bandeira ideológico-partidária, mas com argumentos corporativos muito simples que as estruturas sindicais esgrimem habilmente: (i) manter à outrance o estatuto de funcionário público; (ii) ampliar as vantagens deste estatuto relativamente ao regime geral de trabalho.

 

  • [NOTA: Vantagens que, recordo, consistem em: (i) nunca correr o risco de despedimento (emprego para a vida); (ii) beneficiar, na carreira, de promoções automáticas; (iii) estar ao abrigo de processos de avaliação com consequências directas na progressão profissional; (iv) ter acesso a um seguro de saúde (ADSE) muitissimo mais favorável que as alternativas existentes no mercado; (v) e, acima de tudo, ter a remuneração mensal e respectivos complementos, mais a pensão de reforma, garantidos pelo contribuinte (neste ponto, os funcionários públicos são até os credores mais privilegiados do Estado).]

 

  • Isto significa que os professores assim mobilizados não sentem que estejam a levar aos ombros uma ideologia ou um partido. Estão, apenas, a fazer por uma vida pessoal mais cómoda, mais desafogada - e, acima de tudo, livre do espectro do desemprego. Creio até que ficam em paz com as suas consciências porque, também eles, comungam do quadro mental viciado que acima referi.

 

  • Para que a capacidade de mobilização (logo, de pressão política) não esmoreça, duas coisas são de fundamental importância: (i) impedir, na “escola pública”, a liberdade de escolha; (ii) evitar que o número de professores/funcionários públicos na “escola pública” diminua.

 

  • É claro que a liberdade de escolha pelos alunos será sempre um processo de avaliação da “escola pública” com resultados à vista de todos. Como o é nas escolas privadas pagas pelos alunos.

 

  • Mas quando a demografia gera cada vez menos de alunos, a possibilidade de os alunos escolherem que “escola pública” frequentar: (i) induz os professores a avaliarem-se uns aos outros (não mais: “Faça o colega do lado o que fizer, nada me afectará”); (ii) leva-os a exigir, também eles, liberdade para formarem equipas, que é a única maneira de assegurarem a continuidade do seu emprego; (iii) hélàs! começa a abrir fendas na solidariedade corporativa. Por isso, é combatida encarniçadamente pelas estruturas sindicais.

 

  • Como factor de pressão política, o importante não é o número de professores/funcionários públicos mobilizados, mas a dimensão da perturbação social que essa mobilização provoca – o que é dizer, a proporção das famílias que vêem o seu dia-a-dia por ela afectado.

 

  • Uma vez que o contingente de alunos é limitado, para que a estratégia que aqui estou a resumir resulte, a “rede de escolas públicas” tem de conseguir captar o grosso desse contingente – tendencialmente, todos os alunos que não tenham meios, ou não queiram, frequentar o “ensino privado” com propinas. Isto significa, eliminar todo o “ensino público” que não seja assegurado por professores/funcionários públicos (diz-se, em “economês”: um processo de saturação da oferta, de crowding out).

 

  • Com uma tripla vantagem: (i) aumenta o número de professores/funcionários públicos; (ii) aumenta o número de famílias que são afectadas por escaramuças de pressão política; (iii) reforça o prestígio das estruturas sindicais – que reinvindicam o mérito de criar os apetecidos postos de trabalho na função pública para professores desempregados.

 

  • Enquanto o debate estiver inquinado por quadros mentais viciados e confundido por trapalhadas semânticas nunca sairemos disto. Com prejuízo do ensino – seja ele público ou privado – está bem de ver.

 

Maio de 2016

António Palhinha Machado

A. Palhinha Machado

 

CURTINHAS CXXXIX

 

Pirata.png

 

A ilha dos Piratas - III

 

  • Discorrer sobre os Offshores, como por aí se faz abundantemente, sem levar em linha de conta a importância actual dos movimentos transfronteiriços de capital, os obstáculos com que estes movimentos se deparam a todo o momento e os riscos financeiros que sobre eles impendem, é um rematado disparate.

 

  • Muitos que o fazem: (i) ou não têm a menor ideia de que o risco (e, em particular, os riscos financeiros) é algo inerente a todas as actividades económicas; (ii) ou, por razões ideológicas, aborrecem a livre movimentação de capitais (uma das quatro liberdades que dão forma às economias desenvolvidas).

 

  • Por falar em riscos financeiros, manda a verdade que se diga que a operação de back-to-back que serviu de exemplo expõe também o investidor (X) ao risco de crédito causado pelo Banco (Y). Se o Banco cair insolvente, o investidor pode nunca recuperar o seu depósito (em €), mas vai ter de pagar à massa falida, na íntegra, o empréstimo (em R$) que contraiu.

 

  • De facto, é muito raro que os depósitos bancários em Offshores estejam cobertos por Esquemas de Garantia financiados com dinheiros públicos - mesmo que os depósitos bancários no Onshore, tanto no país de origem do Banco Depositário, como no país onde o Offshore esteja localizado, gozem dessa cobertura.

 

[NOTA: Uma excepção que nos toca de perto é o Offshore da Madeira. Passou ao nosso preclaro legislador preceituar que o dinheiro ali depositado não tem o contribuinte português por fiador. Um dia vai correr mal.]

 

  • E é justamente por isto que os Bancos que prosperam nos Offshores são aqueles com uma reputação a toda a prova (valha isto o que valer) – o que leva quem usa Offshores a não ligar por aí além ao risco de crédito. Mas não têm sido poucas as surpresas.

 

  • Seja como for, é inegável que a possibilidade legal de constituir shell companies, a possibilidade legal de ocultar informação relevante e a recusa de cooperar no plano internacional criam o ambiente perfeito para esconder identidades – e não importa por que motivo.

 

  • Ora, “esconder identidades” não é, nem “originar capitais”, nem “rentabilizar capitais” – muito menos “reabilitar (branquear, lavar) capitais”.

 

  • As actividades ilícitas que estão na origem dos capitais que são encaminhados para Offshores só muito raramente têm lugar em Offshores. Acontecem, sim no Onshore - onde é suposto haver transparência, vigilância, cooperação e o firme propósito de combater o crime. Regra geral, os Offshores até são locais bastante tranquilos.

 

  • Aliás, os capitais ilícitos que afluem aos Offshores não ficam por lá, escondidos na toca – qual tesouro de pirata enterrado na areia. Quem se esconde, quem quer permanecer no anonimato, são os verdadeiros titulares (e os beneficiários últimos) desses capitais.

 

  • Os capitais, esses, procuram rentabilidades que só no Onshore A base económica dos Offshores, mesmo daqueles localizados em economias desenvolvidas, não é suficientemente robusta e diversificada para lhes proporcionar retornos interessantes. Recordo que não há Bolsas de Valores nos Offshores.

 

  • Começando pelo começo. Os capitais, seja qual for a sua origem, percorrem invariavelmente um ou outro dos seguintes dois caminhos para chegar a um Offshore: (i) ou são depositados num Banco aí estabelecido; (ii) ou são colocados à disposição de uma shell company aí constituída.

 

  • No primeiro caso: (i) ou têm como destino final o depósito bancário (depósitos por tradição mal remunerados); (ii) ou o depósito bancário é, apenas, o ponto de partida para a gestão fiduciária por entidades que podem nem sequer residir na vizinhança.

 

  • No segundo caso, por vezes, nem sequer chegam a sair do Onshore (circunstância muito mais frequente do que se pensa).

 

  • Temos, assim, que os capitais: (i) abalam do Onshore (quando abalam…) via Bancos (embora a mala cheia de notas ou barras de ouro ainda não tenha caído de todo em desuso); (ii) são acolhidos no Offshore, ou por Bancos, ou por shell companies com conta bancária aberta também no Onshore; (iii) regressam ao Onshore para novas contas bancárias - ou de lá nunca sairam.

 

  • É, então, no Onshore que os capitais ilícitos são, primeiro, reabilitados (isto é, acolhidos sem que a respectiva titularidade seja questionada, muito menos posta em causa) para, de seguida, serem rentabilizados através de aplicações financeiras perfeitamente legais.

 

  • Obviamente, se os Bancos no Onshore forem diligentes na identificação de quem seja o verdadeiro beneficiário dos fundos que movimentam (provenientes de Offshores ou do Onshore, tanto faz) a reabilitação de capitais ilícitos será extremamente dificultada – quase impossível.

 

  • Mas os Bancos, em geral, são, por natureza, discretos- e nada curiosos quando se trata de aumentar proveitos e/ou melhorar a posição de liquidez.

 

  • Isto, apesar de todos os Bancos: (i) estarem obrigados a respeitar o princípio KYC/Know Your Costumer; (ii) terem o dever de rejeitar a movimentação de fundos cujos remetentes e destinatários não estejam completamente identificados; (iii) estarem impedidos de negociar com contrapartes que recusem revelar a verdadeira identidade dos seus clientes.

 

  • Não é, pois, com a excomunhão dos Offshores que se elimina o branqueamento de capitais ilícitos. Defender tal: (i) ou é prova de ingenuidade; (ii) ou é manifesta ignorância; (iii) ou é táctica para distraír as atenções – a fim de que tudo no Onshore continue na mesma.

 

  • Num ambiente de plena licitude, a vantagem competitiva dos Offshores não é a opacidade, a defesa do anonimato ou a ausência de tributação directa, mas a contribuição que possam dar para a eficiência dos movimentos transfronteiriços de capitais e para a gestão dos riscos financeiros que essas operações envolvem.

 

  • Conseguem-no: (i) oferecendo segurança jurídica e fazendo cumprir as boas práticas internacionais – para que o risco país seja irrelevante; (ii) permitindo que qualquer empresa aí constituída escolha a sua moeda de relato (a moeda que utiliza na contabilidade) – para bem gerir o risco cambial e o risco de translato; (iii) aceitando que essas empresas optem pelo regime prudencial internacionalmente reconhecido que melhor lhes convenha – para facilitar o trabalho de consolidação contabilística (e diminuir gastos com o funcionamento).

 

  • E conseguem-no em competição directa com o Onshore, onde os Esquemas de Garantia dos Depósitos são a regra - apesar de não garantirem com dinheiros públicos o dinheiro depositado nos Bancos que por lá operem.

 

  • Porque a ausência de tributação directa é um argumento competitivo imbatível – diz-se. Assim é, de facto. Mas a generalização dos Acordos para Evitar a Dupla Tributação Internacional (a cooperação internacional no plano fiscal) retiraria muito peso a este argumento.

 

  • São, porém, os custos de contexto (a ideia de que o país deve ter um único regime prudencial que a todos sujeita; a propensão para legislar de forma desnecessariamente complicada, quase abstrusa; a obrigação de adoptar a moeda nacional como moeda de relato; as exigências mal calibradas em torno da informação fiscal a prestar; burocracias várias) que impedem que o Onshore compita de igual para igual - apesar de exibir o trunfo dos Esquemas de Garantia dos Depósitos.

 

  • E são também estes custos de contexto que enxotam para Offshores empresas que mantêm, entre elas, volumes de transacções comerciais muito elevados - estando localizadas em países diferentes, com moedas diferentes e sujeitas a leis diferentes.

 

  • A opacidade, a defesa do anonimato, a recusa em cooperar na perseguição aos movimentos de capitais ilícitos, combatem-se, não varrendo os Offshores da face da terra, mas vedando o acesso ao sistema de pagamentos internacionais a todos (Offshore ou Onshore) que façam disso modo de vida e modelo de negócio.

 

  • Mas daqui até à criminalização da evasão fiscal vai uma enorme distância.

 

  • Financiamento do terrorismo, do comércio privado de armas, do tráfico de drogas, de medicamentos e de pessoas, a contrafacção de notas, entre outros, são crimes onde quer que sejam praticados. E, por isso, o Direito Internacional os tipifica e pune. E, por isso, cada Estado tem autoridade própria para os perseguir, combater e punir.

 

  • A evasão fiscal, pelo contrário, varia consoante o entendimento que cada Estado fizer do que seja o dever fiscal. E só cada Estado é competente para fixar esse entendimento no interior das suas fronteiras. Não podem os restantes Estados substitui-lo no exercício dessa competência.

 

  • Por outro lado, não creio que nenhum Estado possa, com legitimidade, sentir-se prejudicado por outros Estados adoptarem regimes fiscais mais leves. Mas o Estado que seja vítima de evasão fiscal deve poder perseguir além fronteiras o dinheiro que lhe tenha sido ilegalmente subtraído. Para tal, a cooperação de todos os demais Estados, no Onshore e no Offshore, é imprescindível.

 

  • O problema está em como fazer: pela via administrativa? ou pela via judicial?

 

  • Defendo que seja sempre pela via judicial, em que o Estado que se sinta lesado recorre à cooperação internacional (seja do Estado onde se encontre o beneficiário último da evasão fiscal, seja dos Estados onde se encontre aplicado o produto da evasão fiscal) para recuperar os impostos que lhe tenham sido sonegadas. Uma cooperação que tem por base, unicamente, a execução de uma sentença judicial condenatória com trânsito em julgado.

 

  • Governos rapaces preferem, naturalmente, a via administrativa - e em defesa da sua posição argumentam que, sem essas receitas fiscais, é a prossecução do bem público (leia-se: investimento público, serviços públicos essenciais, transferências sociais) que fica irremediavelmente comprometida. E têm razão.

 

  • Mas a despesa pública inútil (em pessoal, em material, em serviços), o sobre-custo de tantos investimentos públicos, para não referir também os investimentos completamente improdutivos, têm exactamente o mesmo resultado.

 

E não se vê, da parte dos Governos, um esforço sério de contenção, nem se ouve, da parte da opinião pública, idênticos níveis de censura. Lá que é estranho, é.

 

 

(FIM)

ABRIL de 2016

Palhinha Machado.jpg

A. Palhinha Machado

 

CURTINHAS Nº CXXXVIII

 

Offshores.jpg

 

A ilha dos Piratas - II

 

  • De tempos a tempos, como resultado de um escândalo mais mediático, os Offshores voltam às bocas do mundo e são zurzidos até mais não. Mas, passados uns dias, tudo volta à discreta quietude dos gabinetes alcatifados.

 

  • Estamos a viver, agora, um desses tempos em que os Offshores são acusados de todos os males da Terra. Será tanto assim? Será que o sistema financeiro internacional vive bem sem Offshores? Mas, se não vive, que configuração deverá ser-lhes dada?

 

  • Eis um exemplo (bastante estereotipado, aviso já) para mostrar, não só como eles funcionam, mas também a contribuição que podem dar para a eficiência das operações financeiras transfronteiriças.

 

  • Vamos supor que X, residente em Portugal (para já, não importa saber se é pessoa singular ou empresa; lá mais para diante, isso vai ter importância), pretende investir o seu capital (que está denominado em €) num prédio residencial localizado algures no Brasil (país de destino, ou “de acolhimento”).

 

  • A solução mais simples será converter em R$ (a moeda nacional do Brasil) a quantia necessária para adquirir esse prédio.

 

  • Simples, mas duplamente arriscada. X ficará exposta aos altos e baixos do mercado imobiliário residencial no Brasil (risco de preço) - o que é inevitável. E ficará exposta também ao risco cambial: (i) perde se e quando o R$ se desvalorizar face ao €; (ii) ganha se e quando o R$ se revalorizar.

 

  • Mas o risco cambial pode ser, se não evitado, pelo menos atenuado (“mitigado”, no jargão).

 

  • Para tal, X vai propor ao Banco Y (necessariamente, um Banco estabelecido no Brasil) a seguinte operação (diz-se uma operação “back-to-back”): (i) Y empresta a X a quantia necessária em R$ para esta adquirir o tal prédio; (ii) paralelamente, X deposita o contravalor em € dessa quantia (talvez um pouco mais, por segurança) numa conta aberta junto de Y, servindo este depósito também de garantia do empréstimo.

 

  • Y disporá, assim, de uma dupla garantia: a hipoteca do prédio e o depósito em €. O que, sem dúvida, o deixará muito feliz.

 

  • Desejavelmente, o rendimento (líquido de impostos) proporcionado pelo prédio assegura o serviço da dívida em R$. E, pelo menos, X vai recebendo periodicamente, em €, os juros do seu depósito. Mas a questão agora não se prende com a razoabilidade do investimento.

 

  • X continuará com o seu capital em €, ainda que onerado – e só será chamada a reforçar a garantia se o R$ registar uma revalorização (face ao €) tal que torne o contravalor (em €) da sua dívida (em R$) superior ao montante do seu depósito (em €). A isso se resumirá a sua exposição ao risco cambial - apenas uma fracção do que seria na solução mais simples.

 

  • Pode acontecer que no país de acolhimento contas bancárias em nome de não residentes, para mais em moeda estrangeira, dêem lugar a demoras, complicações e burocracias. De tal maneira que Y, estando muito interessado na operação, pensa duas vezes antes de abrir nos seus livros uma conta (em €) em nome de X.

 

  • E X, por sua vez, pode não ver com bons olhos colocar todo o seu capital em € numa conta bancária de um país estrangeiro (o Brasil, aqui, é só para dar contexto ao exemplo), pois passará a ficar exposta também às vicissitudes (legais, políticas políticas, de política monetária-cambial, de regulação) desse país (diz-se que ficará exposta ao risco país). Ou seja, com a operação assim configurada, X troca risco cambial por risco país – com resultado final incerto.

 

  • Se Y tiver uma Sucursal (ou uma Filial) num outro país que seja aceitável por X (isto é, cujo risco país não cause engulhos a X), então, o capital em € é depositado nessa Sucursal (ou Filial) – e a movimentação de fundos e da garantia será um assunto entre Y e a sua Sucursal (ou Filial).

 

  • Em suma: X protegerá significativamente o seu investimento do risco cambial sem ficar exposta a um risco país que talvez não a deixe dormir sossegada.

 

  • Se X fôr uma pessoa singular, as coisas podem ficar por aqui. Mas se fôr uma empresa, ficará exposta a um outro risco de cada vez que fechar contas e apurar resultados (o que é dizer: uma vez por ano, no mínimo): o risco de translato.

 

  • Com efeito, sendo empresa estabelecida em Portugal, X terá de reconhecer no seu Balanço (certamente expresso em €, que a isso a obriga a lei fiscal portuguesa) o investimento em R$. Ou seja, terá de converter contabilisticamente em € o valor (em R$) do investimento no Brasil, levando a Resultados a variação que o contravalor em € desse investimento registar - e o risco cambial que havia sido expulso pela porta, entra pela janela, agora sob a forma de risco de translato (o reconhecimento contabilístico desse ganho ou dessa perda potenciais).

 

  • A solução passará por constituir nesse outro país (designemo-lo por “país-plataforma”) uma empresa (designemo-la por Z) com o capital em € - e é em nome de Z que o depósito e o investimento no Brasil são concretizados. No Balanço de X aparece, unicamente, a participação (em €) no capital de Z - que nunca gerará risco de translato.

 

  • Z terá como única actividade deter o depósito (em €) e o investimento imobiliário no Brasil (em R$). Será, então, o que se designa por shell company (brass plate ou “empresa de fachada”) sem pessoal, sem estrutura - mas obrigada a cumprir todas as regras que o “país-plataforma” lhe impuser.

 

  • Obviamente, esta solução só terá interesse para X se os custos com a constituição e o funcionamento de Z, acrescidos da carga fiscal no “país-plataforma”, forem diminutos face à rentabilidade esperada no investimento. Caso contrário, talvez X decida não investir.

 

  • Ora, é precisamente para resolver este “se” que em alguns países e territórios: (i) constituir e manter em funcionamento uma shell company custa relativamente pouco (entre USD 5,000-USD 50,000/ano; mas é preciso tê-los) – custo que é conhecido de antemão e fixo; (ii) não existe tributação directa de rendimentos e patrimónios (mas, atenção! pode existir tributação indirecta); (iii) as formalidades burocráticas (como a obrigação de divulgar informação empresarial) são reduzidas ao mínimo.

 

  • À crítica de concorrência desleal em matéria de impostos, muitos desses países (sobretudo, nas economias emergentes) respondem que estão a renunciar a receitas fiscais que, de outra maneira, também nunca teriam. E assim dão por encerrado o debate.

 

  • Contudo, se X estiver obrigada a preparar Demonstrações Financeiras Consolidadas, a questão da exposição ao risco cambial continuará por resolver. De facto, a informação financeira que X publicar (em €) terá de incluir o Activo (em € e em R$) e o Passivo (em R$) de Z – e lá se coloca, de novo, o problema da exposição ao risco de translato.

 

  • Solução? X não ter de consolidar o Balanço de Z. Para isso, X não poderá ser accionista maioritário de Z. Terá, sim, de encontrar quem aceite sê-lo, mas de forma passiva - o que é dizer: (I) renunciando expressamente ao direito de orientar Z e de quinhoar nos seus lucros; (ii) assumindo, também de modo expresso, a obrigação de eleger para os Órgãos Sociais de Z as pessoas que X Em poucas palavras: um accionista pintado.

 

  • É claro que um tal pacto configura uma finta à lei do país onde X estiver sedeada – dado que, na verdade, X controla E se controla deverá incluí-la (diz-se: consolidá-la) na informação financeira que trouxer a público para dar a conhecer a sua situação patrimonial e os riscos a que se encontra exposta.

 

  • Esse pacto, porém, só é necessário para eliminar o risco de translato, não para afastar o risco país, nem para mitigar a exposição ao risco cambial.

 

  • Resumindo: risco país, risco cambial e risco de translato são as três fadas más do Investimento Directo Estrangeiro (no caso, a compra de um prédio residencial no Brasil). Como são de toda e qualquer forma de investimento estrangeiro e do comércio transfronteiriço (mas para o mostrar eu teria de contar uma história ainda mais longa).

 

  • Exconjurar estas fadas más só se o “país-plataforma”: (i) não levantar quaisquer obstáculos à movimentação transfronteiriça de capitais, pelo menos por não-residentes; (ii) corolário da livre movimentação de capitais, aceitar, com um mínimo de formalidades, contas bancárias de não-residentes; (iii) não colocar entraves à constituição de empresas por não-residentes; (iv) acolher a figura jurídica de shell company; (v) permitir que as empresas (pelo menos, as shell companies) escolham livremente as suas moedas de relato (a moeda em que escrituram a sua contabilidade); (iv) não cobrar impostos directos – o que liberta empresas e pessoas singulares de tarefas administrativas, por vezes, pesadas para cumprir com os deveres fiscais.

 

  • Faço notar que nada disto se confunde, forçosamente, com: (i) a violação do Direito Internacional e das boas práticas no sistema financeiro internacional; (ii) a recusa em cooperar com as autoridades de outros paises.

 

  • Mas configura já uma discriminação censurável se aquelas seis condições estiverem reservadas, exclusivamente, a quem seja não-residente no “país-plataforma”. Quando tal acontece, existirá um regime jurídico-fiscal geral para os residentes (o Onshore) e um regime jurídico-fiscal especial – e mais favorável – só para os não-residentes (o Offshore).

 

  • Uma discriminação que é algo atenuada se os residentes no “país-plataforma” puderem aceder ao Offshore segundo as regras que estiverem em vigor no Onshore para os movimentos de capitais com o exterior. O certo é que são ainda poucos os países que, dispondo de um Offshore fronteiras adentro, autorizam que os seus residentes a ele acedam, tout court.

 

  • Voltando ao tema. Será que as seis condições que desenham um Offshore propiciam ou, no mínimo, são vulneráveis à reabilitação de capitais ilícitos (vulgo, “branqueamento de capitais” ou “lavagem de dinheiro”)? Sim e não.

 

(cont.)

ABRIL de 2016

Palhinha Machado.jpg

A. Palhinha Machado

 

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2016
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2015
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2014
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2013
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2012
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2011
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2010
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2009
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2008
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2007
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2006
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2005
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D
  248. 2004
  249. J
  250. F
  251. M
  252. A
  253. M
  254. J
  255. J
  256. A
  257. S
  258. O
  259. N
  260. D