FALADURA DURA DURA
Porque cá, na freguesia
Usamos como sistema
Atacar em discursatas
Com muita sabedoria,
A moral e os costumes
E hoje em dia a economia,
Sobretudo,
Do governo que está em palco,
Bem sortudo,
Procurei em Florian
Uma mensagem irmã
Disto que hoje encontramos
Por cá.
Senão, vejamos:
A raposa pregadora
Uma raposa quebrada, gotosa, apoplética,
Mas instruída, eloquente, esperta,
Dominando a lógica
Pôs-se a pregar com acerto
No deserto.
O seu estilo era florido, a sua moral excelente
Segundo a ingénua gente.
Provava em três pontos que a simplicidade
Os bons costumes, a probidade,
Trazem, com pouco custo, essa felicidade
Que um mundo impostor nos apresenta
E nos faz pagar caro, sem a dar deveras,
Puras quimeras.
O nosso pregador nenhum êxito obtinha;
Ninguém aparecia excepto
Cinco ou seis marmotas,
Ou então umas corças devotas
Que viviam perto,
Longe do barulho, sem vizinhos, sem favor,
E não podiam pôr em dúvida o orador.
Ele tomou o bom partido de mudar de tema,
Pregou contra os ursos, os tigres, os leões,
Contra os seus apetites glutões,
A sua sede, a sua raiva sanguinária.
Toda a gente acorreu então aos seus sermões:
Veados, gazelas, cabritos monteses,
Neles achavam mil encantos;
O auditório saía sempre em copiosos prantos;
E o nome da raposa breve ficou famoso.
Um leão, rei do país,
Bom homem afinal e velho muito piedoso,
De a raposa ouvir ficou curioso.
A raposa mostrou-se encantada
Por poder, na corte, fazer a sua entrada:
Ela chega, ela prega, e, desta vez,
Ultrapassando-se a si própria,
Sem qualquer desfaçatez,
Ela espanta, ela aterra
Os ferozes tiranos do bosque,
Pinta a fraca inocência de ar tremente
Implorando, cada dia,
A justiça, lenta em excesso e de grave preço,
Do dono e do juiz dos reis.
Surpreendidos com tanta ousadia,
Os cortesãos olhavam-se sem nada dizer;
Porque o rei achava o discurso excelente.
A novidade por vezes faz-se amar sem rudeza
E mesmo em beleza.
Ao deixar o sermão, o monarca extasiado
Mandou chamar a raposa:
“Você soube agradar-me,
Disse-lhe ele, mostrou-me a verdade;
Eu devo-lhe um justo salário,
Uma boa recompensa:
Que me pede como preço
Das suas lições de truz?”
Respondeu a raposa, nada tensa:
“Senhor, alguns perus”.
Até dá a impressão
De que os que vão à televisão
Falar no seu conceito de justiça
Andam também à cata de perus
Quando criticam e condenam,
Segundo a sua visão
Sempre a mais conhecedora
Dos desconchavos da política
Dos governantes da nação.
É do que todos gostamos:
Botar faladura,
Fura que fura.
Para isso não há preguiça,
Pese embora a muita asneira
Saída sem canseira
Da boca de cada um,
Que só não quer fazer nenhum,
Segundo o habitual
Neste nosso Portugal.