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A bem da Nação

NÓS, OS CRETENSES, SÓ DIZEMOS MENTIRAS

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 (*)

 

O projecto empresarial traduz-se em planos e estes em orçamentos habitualmente submetidos a análises periódicas de desvios como o modo de que as Administrações se servem para correcção de estratégias, de apreciação da qualidade das decisões tomadas, de reformulação de produtos e serviços, de desempenho dos recursos humanos, etc; é das normas que parte substancial desta informação seja regularmente submetida à apreciação e votação em Assembleia Geral de accionistas cuja representatividade é periodicamente registada.

 

Nos Estados fazem-se os Planos (em Portugal chamamos-lhes as GOP’s – Grandes Opções do Plano) que se traduzem no Orçamento do Estado, à Administração corresponde o Governo, a Assembleia Geral tem o seu paralelo no Parlamento, aos accionistas correspondem os eleitores cujos representantes em Assembleia Geral são os deputados.

 

Mas a dinâmica empresarial é sempre diferente da de um Estado e os parâmetros em jogo também são diferentes. O que é válido para uma dimensão pode não ter nada a ver com a outra e, se a estrutura empresarial é criada de acordo com um projecto e quantificada em conformidade, já a mesma exactidão não se consegue alcançar com a economia de um país. E a primeira constatação que podemos empiricamente fazer é a de que a economia de um Estado não é apenas a que corresponde à soma das economias das empresas nele localizadas uma vez que há muitos outros factores que não são facilmente quantificáveis e cuja dinâmica não é controlada ou sequer controlável.

 

As constantes tentativas de parametrização das variáveis em jogo numa economia são tarefa da Econometria. Assim se tenta matematizar um modelo que represente a economia de um país ou de uma região de modo a que se possa imaginar o que sucederá ao conjunto se se mexer numa certa variável. Que consequências ocorrerão no PIB se o Investimento aumentar? Tratamos do investimento público ou deixamos o privado avançar? O que sucederá às importações se o consumo privado crescer? Que efeitos terão as variações no PIB sobre as receitas do Estado? Estas questões são importantes para os Governos mas também o são para as empresas para quem não é indiferente saber se vai haver uma forte variação do PIB, se o investimento público vai regredir, se há possibilidades de o consumo privado crescer.

 

Tudo isto é importante para as estratégias empresariais, tudo isto tem a ver com todos nós, públicos e privados, vivendo dos rendimentos ou do trabalho por conta de outrem, activos e reformados, estudantes ou professores. É devido a esta reconhecida importância que os Governos se apresentam regularmente a dizer o que vai suceder no futuro de curto e médio prazos. Para além dos Governos temos também a OCDE, o FMI, a Comissão Europeia e os Bancos Centrais, todos a augurarem o futuro com base nos tais modelos econométricos que pacientemente vão construindo e com base também nas mudanças que cada um considera prováveis em determinadas variáveis. São famosas as previsões da Primavera e do Outono feitas pela CE para cada um dos seus actuais 15 Estados membro, são muito estudadas as previsões feitas pela OCDE para todos os seus membros, são no nosso país amplamente divulgadas as projecções do Banco de Portugal, são muito escutadas as profecias do FMI.

 

Com algumas excepções, todas estas entidades se pronunciam sobre a variação do PIB, dos consumos privado e público, do investimento, das importações e exportações, da inflação e do saldo orçamental. Não será por falta de informação que hesitaremos nos nossos procedimentos.

 

Entre Outubro de 2000 e Janeiro de 2001 todas aquelas instituições prognosticaram o que sucederia em Portugal em 2001 e eu comparei os prognósticos e a realidade oficialmente medida no final do período. Assim, para um PIB que encerrou com um crescimento de 1,9 por cento, a média dos desvios dos prognósticos daquelas cinco instituições foi de 52,6 por cento do resultado final; no consumo privado, a média dos desvios foi de 248,8 por cento e no investimento foi de 590 por cento. Parei o cálculo e revi todas as contas. As minhas contas estavam certas, os prognósticos é que estavam errados! Qual seria o futuro profissional de um gestor que errasse desta forma tão grosseira nos planos e orçamentos que gizasse para empresa da sua responsabilidade? Perante cenários tão errados, como podem os agentes económicos decidir acertadamente?

 

Mais valerá que ignorem pura e simplesmente tais prognósticos a fim de não cometerem erros que os possam levar à bancarrota. E se tal sucedesse e o falido invocasse a desinformação como a causa da desgraça, certo seria que ninguém lhe daria razão e todos alijariam responsabilidades. Para além do custo que a feitura destes prognósticos representa nos impostos que pagamos, que outra dimensão podem ter na vida do contribuinte colectivo ou singular? Não passarão de meros exercícios académicos? Recordo que desde tempos imemoriais vem a Humanidade procurando adivinhar o futuro e que foi assim que proliferaram as pitonisas na Grécia antiga. Foi também por essas épocas que Epimenides, sacerdote de Apolo, imaginou um paradoxo que desde então deixou a Humanidade perplexa: “Nós, os cretenses, só dizemos mentiras”.

 

Lisboa, Fevereiro de 2004

 

Henrique Salles da Fonseca

Henrique Salles da Fonseca

 (*) Creta, imagem da Internet 

 

Publicado no Suplemento de Economia do semanário O Independente em 20 de Fevereiro de 2004

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