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A bem da Nação

Economia doméstica

A sofisticação das políticas de apoio ao investimento vem redobrando em Portugal e é já longa a história de diplomas que ficaram famosos e cujas siglas todos recordamos. Sem pretender ser exaustivo nem nada que se pareça, refiro-me ao SIII, ao PEDIP e ao SIFIT, ao POE e ao actual PRIME. Todos diferentes, ficou cada um deles ligado ao nome de quem o concebeu, o fez aprovar e o executou: o SIII ao Dr. Cadilhe, o PEDIP ao Eng. Mira Amaral, o POE ao Dr. Pina Moura, o PRIME ao Dr. Tavares. Todos diferentes e, afinal, todos iguais. Todos diferentes porque o eram ou são efectivamente nas fórmulas de cálculo previstas para os incentivos em cada um deles preconizados, na particularidade de cada um desses incentivos revestir a característica de fundo perdido ou reembolsável com mais ou menos juros, predominante neste subsector ou naquele tipo de região. Todos iguais porque sempre se apresentaram com o objectivo de resolverem por uma vez e definitivamente o problema do desenvolvimento económico nacional. Outra semelhança entre eles é a de que todos foram inaugurados ao som de trombetas como se antes deles nada tivesse sido feito em prol do desenvolvimento económico nacional. Ao contrário do que diria o Rei Sol, “avant moi, le désert ; après moi, la gloire”. E Portugal continua, afinal, a digladiar-se com sérios problemas de desenvolvimento quase como se nenhum daqueles diplomas tivesse existido. É disso exemplo a balança comercial que apresenta défices sistemáticos, reveladores da clamorosa incapacidade nacional de satisfação das necessidades do consumo doméstico. Fica por provar o que seria o nosso país se nenhum daqueles diplomas tivesse visto a luz dos dias mas fica também a suspeita de que nenhum deles resolveu os problemas estruturais do nosso desenvolvimento. E que problemas são esses? Fundamentalmente, o desajustamento legislativo, o império burocrata, o nível médio de instrução da população portuguesa. O desajustamento legislativo e o império burocrata traduzem-se por uma verborreica e persistente produção de diplomas condicionadores da vida empresarial que deve ser rapidamente substituída pelo desmantelamento progressivo do emaranhado lego-administrativo que hoje é o cenário português resultante da afanosa labuta de gerações sucessivas de legisladores auto-democratas e demo-autocratas alheados da vil preocupação de produzir para ganhar o pão de cada dia. Se a este emaranhado submetermos uma população de rude instrução ou de pura e simples falta de instrução, podemos então imaginar o tipo de empreendedorismo sagaz que “à outrance” tenta furar as sofisticadas malhas que não compreende para conseguir sobreviver. E então temos que colocar a questão se é o povo muito rude para o edifício legislativo à sua volta construído ou se é esta malha jurídica que nada tem a ver com o povo a que se destina. E como a classe empreendedora é maioritariamente oriunda da população indígena, então a sofisticação legal não é compatível com a rudeza da produção. E quando não é possível produzir porque a legislação a isso obsta, então alguma coisa tem que ser feita para levar o empreendedorismo às escassas classes mais educadas evitando que estas se entreguem como assalariadas. Enquanto a nossa tradição política pensar que a salvação da indústria está na libertação da excessiva mão de obra agrícola, continuaremos a ter uma força de trabalho impreparada e um muito baixo valor industrial acrescentado simultaneamente com uma agricultura a desempenhar o papel de parente pobre e, portanto, representando um verdadeiro travão ao desenvolvimento económico global. Muitos foram os países que enriqueceram como consequência do desenvolvimento sustentado do sector primário e poucos aqueles que o conseguiram apesar de não terem uma agricultura relevante. O erro estratégico das sucessivas políticas de desenvolvimento económico em Portugal está no facto de os nossos políticos se instalarem no Poder renegando algumas das suas próprias origens e olhando para o mundo rural como uma fatia subdesenvolvida da nossa sociedade que há que tratar como se de um bairro de lata se tratasse, pela simples demolição. Pelo contrário, há que dotar a agricultura e as pescas portuguesas dos meios necessários para que possam desenvolver as suas políticas comerciais com dignidade plena em vez de continuarem a ser tratadas como anormaizinhas que necessitam de caridosa protecção. E porque estamos numa época de globalização da economia, convenhamos que esta faz com que tenham que desaparecer todas as restrições aos movimentos internacionais de capitais, de produtos, serviços e pessoas e isso não está a ser verdade para as pessoas pelo que ainda há um factor de produção com liberdade condicionada. Eis como os excessos de mão de obra e as suas faltas virão brevemente a ser supridas, ao contrário das tradicionais políticas portuguesas. Sucede igualmente que cada país tem um Orçamento e um sistema fiscal próprios pelo que não é indiferente que a riqueza seja produzida e tributada em qualquer lugar do Globo. Essa indiferença só existiria se houvesse um Orçamento Global que cobrasse em todo o lado e distribuísse em conformidade com as necessidades de cada país ou região, à semelhança do que tradicional e infrutiferamente tem sido feito no nosso país com as referidas políticas de desenvolvimento. Portanto, a deslocalização da chamada indústria tradicional portuguesa também não é solução que nos interesse e, contudo, essa fuga resulta de se terem criado com subsídios e outros instrumentos de política variadíssimas condições artificiais para a ocupação industrial de mão de obra agrícola. O nível médio de instrução da população portuguesa é muito baixo e é por essa razão que a nossa indústria tradicional está a sofrer com a concorrência do Extremo Oriente, sobretudo quando os níveis médios de remuneração em Portugal são muito mais altos do que os praticados nos países asiáticos. Nesses países não há Sindicatos livres nem férias e, portanto, nem subsídios de férias e outras regalias sociais que para nós já são triviais. Estamos a sofrer uma concorrência desleal importando produtos fabricados em condições que qualquer um de nós consideraria de escravatura e, simultaneamente, a nossa Inovação industrial também é muito reduzida quando comparada com a dos países mais evoluídos pelo que também não conseguimos concorrer com eles. Eis, pois, como fomos conduzidos ao pior dos dois mundos com que temos que nos digladiar. Certamente que o Instituto do Emprego e Formação Profissional não vai ter mãos a medir nos próximos anos a tentar reciclar tanta gente que não sabe fazer nada de elevado valor acrescentado e não será estranho que a Estratégia de Lisboa para a Sociedade de Informação nada tenha a ver com a generalidade dos portugueses. Em conclusão, as tradicionais políticas de desenvolvimento económico em Portugal têm muito pouco ou mesmo nada a ver com o país real. Assim se explica a realidade que consiste em grande parte dos empresários portugueses dentro e fora de Portugal se dedicar ao comércio de víveres, confeccionados ou frescos, numa simples extensão da cozinha materna. Uma autêntica economia doméstica. Lisboa, Fevereiro de 2004 Henrique Salles da Fonseca Publicado em 6 de Março de 2004 no Suplemento de Economia de "O Independente"

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