A Beleza do neo-latim lusitano...
...enaltecida pelo insigne poeta THOMÁS RIBEIRO (1831-1901) em "D. Jayme"
FLORES D'ALMA
As flores d'alma que se alteiam belas,
puras, singelas, orvalhadas, vivas,
têm mais aromas, e são mais formosas,
que as pobres rosas num jardim cativas.
Sol benfazejo lhes aquece a rama,
lúcida chama, sem o ardor que mata;
banham-lhe as hastes, retratando as frontes,
límpidas fontes em ramais de prata.
Que amenidade! nos vergéis suaves,
cantam as aves, sem cessar, amores.
Se há céu na terra, se ventura há nela,
d'alma singela se achará nas flores.
Filhas das crenças, como as crenças puras,
de mil venturas mensageiras belas,
se o vento um dia lhes soprar e as corte,
Deus! dá-me a sorte de morrer com elas.
Ao ermo embora, a divagar sozinho,
corra o mesquinho por amor traído,
quando o remorso lhe não turbe a calma,
nas flores d'alma há de encontrar olvido.
Náufrago lasso a sossobrar nas vagas,
sem ver as plagas em que almeja um porto,
embora o matem cruciantes dores,
d'alma nas flores achará conforto.
O pobre monge, que, de pé descalço
dum mundo falso os areais percorre,
quando lhe entregam do martírio a palma,
às flores d'alma se encomenda, e morre.
As flores d'alma são belas,
mesmo sem terem cultura;
não há silveiras entre elas,
nem goivos de sepultura.
Têm uma só primavera
estes amenos rosais,
uma só; -- ninguém pudera
reverdecê-los jamais,
ou quando os congele o frio,
ou quando os queime o tufão,
nas chamas dum desvario,
na campa duma paixão.
Quando às tormentas da vida
em que alma e corpo abismara,
refoge o gasto suicida,
o tiro que ele dispara
com fria, gelada calma,
tem por bucha as folhas secas
das mirradas flores d'alma.
Selecção de
Joaquim Reis