A CRISE E A AUTO-ESTIMA
Um país em crise precisa de auto-estima.
Efectivamente, quando alguém atravessa um oceano de alterosas vagas, o mesmo é dizer, quando a crise nos chicoteia barbaramente, há que encontrar antídotos que constituam a suplência dos efeitos negativos.
Se por imbecilidade lamentarmos a cada instante que estamos desmoralizados, que sentimos um penoso desencanto, que nos enfiamos nas areias movediças do deserto, que somos ou continuamos infelizes, acentuamos o sentimento de crise e dificilmente conseguiremos escapar ao circulo infernal ou ao abraço de ferro que nos sufoca e estrangula.
Acontece o mesmo com o país ou com uma sociedade.
Descobrir os mais ínfimos pormenores para a conquista da libertação é tarefa que se impõe como um imperativo categórico.
A comunicação social de todos os quadrantes pode ser o veiculo que altere os comportamentos. Importa que ela saiba assumir a responsabilidade de contribuir para a auto-estima desejada, de forma a fazer sair o país do pântano da crise.
Acontece, porém, que uma sociedade em crise financeira tem um frágil poder de compra e a comunicação social, seja ela qual for, necessita de consumo. Por causa desta fragilidade tem-se optado pela esquizofrenia, isto é, na insistência da vivência em crise e se esta apresentar casos extremos, que impressionem os sentidos, é precisamente essa de que se socorre a comunicação social para aumentar o volume de vendas ou para fidelizar ouvintes ou telespectadores.
O futebol constitui hoje, e mais uma vez, uma espécie de antídoto à melancolia generalizada. A selecção nacional deve ser vencedora e o clube da nossa simpatia deve também alcançar o cume da vitória.
A nível interno as vitórias são menos benéficas para a inversão, mas as conquistadas no exterior têm outra influência mais generalizada. O facto de o Benfica ter chegado a uma final uniu os portugueses, mesmo que fossem de clubes diferentes, pois aliou-se o Benfica a Portugal e tentou-se a vitória. Parecia que estava em jogo a auto-estima do país. O clube jogou bem e essa auto-estima manteve-se apesar da derrota mínima.
Da mesma forma, vibrou-se com o percurso do Real Madrid na Taça dos Campeões Europeus, porque o treinador era um português e ali jogavam dois portugueses e um nacionalizado. A vitória do Real era um estimulo à nossa auto-estima e, como não se verificou, houve uma descompressão que não alimentou a auto-estima.
Os feitos de Mourinho, Ronaldo, Coentrão e Pepe serviam para que o peito ilustre lusitano arfasse com mais vigor.
A saída de Mourinho do Real já foi uma espécie de machadada nessa auto-estima. A inveja e o ódio são ainda apanágio do comportamento nacional e gente houve que se regozijou com o desenlace, como também critica asperamente os sinais exteriores de riqueza dum Ronaldo.
Fala-se de Portugal porque se conhecem, se ouvem e se vêem tais atletas como expoentes máximos duma prática desportiva.
Gosta-se que um árbitro português dirija finais internacionais.
Adoram-se as medalhas conquistadas em competições internacionais por atletas portugueses.
Estas pequenas manifestações fazem parte da auto-estima nacional e até sorrimos de satisfação, quando tal tem lugar.
A crise é subitamente esquecida para dar lugar à satisfação pelos triunfos que fazem parte da nossa auto-estima.
Chegar ao equilíbrio financeiro do país será a auto-estima mais desejada.
Isaías Afonso