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A bem da Nação

Lady Godiva

Crê-se que Lady Godiva (Godgyfu, na fonética original) tenha vivido entre os anos de 1040 e 1080, era casada com Leofric, Conde de Mercia e Senhor de Coventry. Grande apreciadora das artes, nomeadamente da clássica grega, entrou em conflito com o marido por volta de 1057 por causa da grande carga fiscal que ele lançara sobre os súbditos. Leofric, sabendo que a mulher considerava o nu artístico uma beleza de inspiração divina, prometeu baixar os impostos se ela atravessasse a cavalo a praça do mercado de Coventry completamente despida. Para grande espanto do Conde, a Condessa prontificou-se a cumprir o desafio e fez saber à população que ia mesmo provocar a baixa da carga fiscal. No dia e hora estabelecidos, toda a população se meteu em casa de portas e janelas completamente fechadas de modo a que a Condessa pudesse cruzar a praça sem que a sua intimidade fosse devassada mas houve um cobarde chamado Tom que se pôs à espreita da nudez da Condessa. Descoberta a sua vileza, terá sido punido pela própria população que o cegou e todos os cobardes ficaram na História conhecidos por "peeping Tom", ou seja, aqueles que não são capazes de assumir uma atitude e fazem as coisas às escondidas. O “Agente da Autoridade” que se esconde atrás do pilar do viaduto com o radar a medir a velocidade dos automobilistas (e fazendo-o mesmo pelas costas) para ver se os apanha em falso e o carro-patrulha disfarçado de privado, são atitudes de “peeping Tom” que em nada abonam a favor do exercício de uma autoridade que deve ser transparente e que devia rejeitar atitudes matreiras. Em Portugal, a reforma tributária não tem sido pretexto para que no Terreiro do Paço mais alguém do que D. José I tenha que posar a cavalo. Contudo, aquando da substituição da Contribuição Autárquica pelo Imposto Municipal sobre Imóveis (o já célebre IMI), foi estabelecido que os proprietários ou declaravam minuciosamente os rendimentos gerados por cada imóvel até um determinado dia e passavam a ser tributados por esses rendimentos ou não declaravam e passavam a ser tributados por um valor presumido pelo Fisco. O assédio às Repartições de Finanças foi significativo e – por entre muita recordatória por parte da Administração de que essa declaração detalhada não era obrigatória – lá foi prolongado o prazo até que todos os que assim o desejavam pudessem entregar a documentação probatória desses tais rendimentos imobiliários. Passados poucos meses, chega-se a hora de entregar as declarações do IRS e os proprietários de imóveis percebem hoje que o anexo F vai ser confrontado com as declarações feitas para efeitos do IMI. Ou seja, a Administração Tributária chamou em tempos a atenção dos contribuintes para a não obrigatoriedade de uma declaração para passados poucos meses poder passar a tributar os imóveis dos incautos por valores presumidos em vez de ter que o fazer por montantes reais. O mínimo que se pode chamar a esta atitude é a de “peeping Toms” à espreita dos incautos. Quando a mesma Administração Tributária, com base em informação pública mas de sua utilização privativa, afirma que são poucas as empresas que pagam IRC e que por isso vai desenvolver fortes medidas contra a fraude e evasão, está por certo a significar que haverá muitas declarações de IRC que são falsas, que os Técnicos Oficiais de Contas nelas envolvidos são cúmplices em processos de falsidade, que os empresários mentem, que os Revisores Oficiais de Contas não sabem o que andam a fazer, etc. Parece-me mau de mais para poder ser verdade. Em contrapartida, quero crer que só um tonto não desconta à matéria tributável aquilo que a lei lhe permite descontar, que os TOC’s têm mais que fazer do que correr riscos pessoais por causa de algum cliente que julgue ser mais esperto que o comum dos mortais, que os Revisores Oficiais de Contas sejam competentes e não queiram deliberadamente correr o risco de expulsão da profissão por que optaram à custa de tanto esforço. A questão está em que a maior parte das pessoas é séria e os fraudulentos e evasivos são uma minoria que consubstancia casos de Polícia que como tal devem ser tratados. Não tem lógica que estejamos todos a ser considerados torpes e mal intencionados quando é sabido que o consumo nacional tem sofrido significativas quebras e isso se traduz de imediato numa redução da facturação das empresas cujos custos fixos apresentam uma grande rigidez (nomeadamente com Pessoal), donde naturalmente resulta uma míngua de matéria tributável. Se há muitas empresas a declarar prejuízos, então ponha-se o artigo 35 do Código das Sociedades a funcionar em pleno mas poupem-nos ao epíteto de malfeitores. Mais: porque é que em vez de andarem a inventar esquemas e mais esquemas, não enveredam decisivamente por um método europeu de cálculo da matéria tributável? Era uma óptima maneira de acabar com tanta distorção da concorrência fiscal na UE e provavelmente de acabar com tanta suspeita. Fiscalizar é um acto normal que a Administração deve fazer com regularidade, suspeitar da generalidade dos contribuintes não é direito que lhe assista. Lisboa, Abril de 2004 Henrique Salles da Fonseca Publicado em 30 de Abril de 2004 no Suplemento de Economia de "O Independente"

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