SWAPS E SWAPOPTIONS
M/ Caro Dr. Salles da Fonseca,
Peço-lhe o favor de transmitir aos s/ correspondentes as palavras que tiveram a gentileza de me dedicar.
Uma pequena correcção e uma precisão.
A correcção, primeiro: não sou economista, posicionando-me pelo contrário como um crítico agreste da dismal science. Profissionalmente, sou um financeiro apaixonado pelo dinheiro. Não para o acumular, mas para o estudar e perceber duas coisas:
(i) O que ele fez e faz de nós;
(ii) E o que nós, Estado de Direito, podemos fazer com ele.
Como não me canso de afirmar (e de repetir nos m/ escritos), uma sociedade moderna é, "apenas", um Estado de Direito com um sistema de pagamentos a funcionar menos mal. Consequência inevitável de uma sociedade de base contratual.
A precisão, agora. O que se diz por aí, com alarme, é que o contribuinte vai ter de desembolsar uns EUR 3 mil Milhões para tapar o buraco que as pseudo swaps já abriram, ou vão abrir não tarda nada. Como escrevi nas duas Caturrices, uma swap de taxa de juro nunca implica desembolsos adicionais. O único desembolso que exige (no decorrer do respectivo prazo, diga-se) é a componente juros (o cupão de taxa fixa) do serviço da dívida (até o reembolso do capital é feito directamente pelo mutuário ao mutuante, sem qualquer intervenção da contraparte no swap de taxa de juro). Isto nada tem a ver com a contabilidade por natureza (resumida na Demonstração de Resultados), mas com a Tesouraria (resumida na Demonstração dos Movimentos de Tesouraria - que, por cá, numa demonstração de subdesenvolvimento teórico e de fraco domínio da língua inglesa, se popularizou como Demonstração dos Fluxos de Caixa).
O reconhecimento contabilístico de um swap pode muito bem ser feito em mark-to-market, o que não é exactamente o mesmo de se movimentar o cupão original (no caso, o cupão com taxa indexada) nos Resultados Financeiros, e as diferenças para o cupão de taxa fixa nos Resultados não Recorrentes (ou Extraordinários, como por cá se diz). Proceder assim levar-nos-ia a contabilizar, por exemplo, a perda de matérias primas num incêndio como um custo directo (matérias primas consumidas), e a indemnização correspondente nos tais Resultados não Recorrentes. Pelo contrário, exige o cálculo e recálculo do preço teórico do swap nas datas de relato (o que nem sequer é complicado).
É que a prática contabilística em Portugal não tem uma qualidade por aí além. Desde logo porque está orientada para o apuramento de matérias colectáveis, não para proporcionar uma visão razoável:
(i) Da situação patrimonial das empresas;
(ii) Das variações ocorridas nesses patrimónios;
(iii) Do que causou essas variações. A diferença entre o cupão de taxa fixa e o cupão de taxa indexada, seja ela qual for, é tema para uma
Nota Explicativa, sem reflexo na Tesouraria, nem na situação patrimonial da parte coberta (a tal que se obrigou a pagar o cupão da taxa indexada).
Foi o repetido anúncio de que há mais EUR 3 mil Milhões a pagar que me levou à conclusão de que o corpo do delito seriam as swaptions - e nestas, as empresas públicas a subscreverem opções (e a suspeitar porquê).
Infelizmente, um dos responsáveis (assim referido nos jornais) é um amigo meu que eu tenciona entrevistar mal a tormenta acalmar.
Se o BdP tivesse largado, por um momento, a contabilidade por natureza e olhasse para a Demonstração dos Movimentos de Tesouraria, garanto-lhe que o caso BPN nunca teria chegado ao ponto a que chegou. E digo-lhe isto com conhecimento de causa porque várias vezes alertei Administradores do BPN para o descontrolo da Tesouraria e da Gestão de Liquidez, a partir da análise das Demonstrações Financeiras que o BPN publicava anualmente (nunca trabalhei no BPN, nem nunca fui consultor do BPN; limito-me, desde 2001, a analisar os Bancos portugueses na óptica da exposição ao risco e da suficiência de Capitais Próprios).
Agora, a "deixa" é dos advogados e jurisconsultos. E porque não daqueles que aconselharam as empresas públicas? Suspeito que tiveram o cuidado de deixar "portas da traição".