Diálogos platónicos 4ª parte
Resumo da 3ª parte: A política de apoio ao investimento em projectos específicos deve cessar e as verbas públicas europeias e nacionais devem ser aplicadas na redução do IRC a cobrar a todas as empresas existentes em Portugal; devem ser criadas condições favoráveis à desvinculação dos funcionários públicos; a política agrícola portuguesa é estruturalmente inútil; os Institutos de Investigação Científica e Tecnológica devem transitar para as Universidades. Discípulo: - Estávamos a afastar-nos da apreciação do modelo português de desenvolvimento. Mestre: - Estávamos a tratar de temas que obstam ao nosso desenvolvimento e cuja remoção é imprescindível para que possa surgir um novo modelo de desenvolvimento. Discípulo: - Mas se partirmos do princípio de que esses obstáculos são removidos, como se constrói o novo modelo? Terá uma fórmula econométrica? Mestre: - Ouça: se Você tem Fé, peça a Deus para que os econometristas não se metam nessa. Corríamos o risco de avançar por caminhos que nos haviam de levar para desvios de 400% ou de situações negativas quando a meta era positiva. O modelo de desenvolvimento de uma sociedade é a consequência de um conjunto de causas a que mais prosaicamente chamamos políticas. Discípulo: - Então, qual deve ser o nosso futuro modelo de desenvolvimento? Mestre: - Temos que nos viabilizar no hemisfério em que nos situamos e não podemos escolher fórmulas alienígenas. Discípulo: - Pode explicar? Mestre: - Claro. A pergunta anedótica que se fazia sobre se Portugal era o país mais atrasado do 1º mundo ou o mais avançado do 3º não deixa agora de vir a propósito. Temos que nos comparar com os outros países do bloco em que nos integramos económica e politicamente; não faz qualquer sentido fazermos o benchmarking da Economia Portuguesa com países cujos parâmetros civilizacionais nada têm a ver com os nossos. Somos europeus e é como europeus que temos que nos considerar; não temos nada a ver com os standards indonésios nem sequer com os marroquinos. Podemos é tentar encontrar, dentro da nossa tipologia europeia, um modelo mais atlantista ou mais europeísta mas não podemos abdicar da essência civilizacional europeia. Discípulo: - O que considera a essência civilizacional europeia? Mestre: - Cristã e herdeira da Revolução Francesa. Discípulo: - Ainda está nessa? Mestre: - Mas é claro que sim. Se não fosse ela ainda hoje nós, os plebeus, andaríamos a apascentar o gado dos nossos amos. Discípulo: - E Napoleão não conta? E 1917 na Rússia? Não contam? Não acha que já passou muita água por baixo das pontes desde a Revolução Francesa? Mestre: - Napoleão fez muito espalhafato mas não pôs a civilização em causa; limitou-se a querer tirar uns quantos do poder para ser ele a sentar-se lá mas tudo voltou à mesma quando ele foi aposentado à força. O comunismo faliu e não influenciou a estrutura da nossa civilização; deixou-nos um certo tipo de sindicatos. O próprio Hitler foi um pesadelo que durou 19 anos sem qualquer doutrina consistente. Portanto, o que conta é o cristianismo, a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Mas concordo consigo quando diz que passou muita água por baixo das pontes; só que o rio, afinal, é o mesmo. Discípulo: - Mas, voltando ao modelo de desenvolvimento, no que consiste um modelo atlantista e um europeísta? Mestre: - O modelo europeísta consiste em nos igualarmos aos nossos parceiros europeus entrando em competição directa e completa com eles. O modelo atlantista consiste em irmos lá fora ganhar dimensão para não sermos comprados pelos outros europeus já mais avançados que nós. Discípulo: - Sermos comprados? Mestre: - Sim, é desse modo que eu vejo a integração europeia em curso: os grandes a comprarem os pequenos e quando estes têm os estatutos blindados, logo Bruxelas se encarrega de declarar uma qualquer ilegalidade até que só os grandes subsistam. É claro que Bruxelas tem enormes problemas quando os grandes se começam a comer uns aos outros . . . Aí, metem os pés pelas mãos, assobiam durante uns tempos para disfarçar e acabam por declarar que nada têm a declarar. É claro que fazem uma triste figura de vendidos. Meteram-se num beco de que não conseguem sair. Resta é saber se querem de lá sair. Marx deve fartar-se de rir . . . Discípulo: - Como é que Marx aparece aqui? Mestre: - Não foi ele que teorizou sobre o capitalismo monopolista? Discípulo: - Mas isso significa que . . . Mestre: - . . . isso significa que estamos a cair no capitalismo selvagem. Discípulo: - E que solução teremos para evitar isso? Mestre: - Eu julgo que não teremos uma solução mas sim um conjunto de medidas que vão parcialmente obstando a essa selvajaria. Discípulo: - Refere-se à Taxa Tobin (1) ? Mestre: - Eu creio que a ideia de Tobin já chumbou nos fora internacionais. Aliás, parece-me que já estão inventariadas muitas formas de lhe fugir caso algum país a adopte. O dinheiro só foge dos sítios em que se sente preso e quanto mais o quiserem prender mais ele há-de fugir. E se se fosse por esse caminho, não tardaria que nessas prisões não chegasse sequer a entrar dinheiro que depois tentasse de lá escapar. Não me custaria muito apelidar essa como uma das tais práticas imorais do evidente desagrado dos teóricos da Economia. Eu creio que é mais correcto enveredar por outro tipo de soluções, tais como a harmonização da fiscalidade e a instituição de um método único europeu de cálculo da matéria tributável. Discípulo: - Mas isso não vai dar ao mesmo? Mestre: - Não, parece-me que se trata de uma solução muito diferente. Taxar os movimentos transfronteiriços de capitais sob a suspeita da especulação não faz qualquer sentido quando o próprio mercado de capitais é considerado imprescindível para o desenvolvimento económico e quando os instrumentos mais importantes até hoje inventados para a dinamização desses mercados são as bolsas de valores em que tudo gira em torno da especulação bolsista. Então como é? Pode ou não haver especulação bolsista? Discípulo: - Mas uma coisa é especular sobre acções e obrigações e outra é fazê-lo sobre moedas. Mestre: - Onde está a diferença? Porque é que a especulação sobre títulos é moral e sobre moedas é imoral? Ah! Porque num caso se joga sobre empresas e no outro sobre países? Mas o que está em causa não é a confiança que as instituições transmitem aos mercados? Se uma empresa merece confiança, os seus títulos sobem; se desmerece, baixam. O mesmo se passa com as moedas: se as políticas são correctas, a moeda é procurada; se o país é mal governado, ninguém quer a sua moeda. Discípulo: - Mas nem sempre é assim que as coisas funcionam . . . Mestre: - Quando as coisas não funcionam assim é porque alguém manipula a informação. Lembra-se do gato por lebre do Professor Cavaco Silva? Discípulo: - Então qual é a vantagem das bolsas de valores? Mestre: - É nas bolsas que as empresas frequentemente se financiam de capitais, tanto próprios (acções) como alheios (obrigações). Mas nos movimentos transfronteiriços de capitais há que distinguir o Investimento Directo em que o investidor movimenta dinheiro para constituir uma empresa, por exemplo e o Investimento de Carteira em que o investidor dá ordens de compra ou venda de papel comercial para ganhar dinheiro entre a compra e a venda. Muito bem: isto é correcto para os nacionais e errado para os não residentes? Porque é que estes movimentos não devem ser universais? Quem inventou a globalização? Devem os Governos ficar imunes à crítica dos mercados financeiros ou não será este um modo bem pragmático de dizer que as políticas são correctas ou erradas? Discípulo: - Mas já estamos a fugir do problema do capitalismo selvagem. Mestre: - Estamos a reflectir sobre a moralidade de certas políticas que podem ou não interferir com a sobrevivência dos pequenos. E nós somos pequenos rodeados de muitos que são grandes e de outros que são enormes. Discípulo: - E como é que vamos sobreviver? Mestre: - Eu creio que só sobreviveremos se optarmos por um modelo atlantista de desenvolvimento. Discípulo: - Pode exemplificar? Mestre: - Sim, posso. Mas vamos fazer um pequeno intervalo. Lisboa, Junho de 2004 Henrique Salles da Fonseca A 5ª parte será publicada proximamente (1) - James Tobin (1918, Illinois, EUA - ) laureado Nobel da Economia em 1981, sugeriu que os movimentos transfronteiriços de capitais com fins especulativos fossem taxados e que a cobrança tivesse aplicações de índole filantrópica.