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A bem da Nação

DAQUI A 82 ANOS

 

 

 

Foi quando me aposentei que decidi fazer tudo aquilo que não tinha tido tempo para fazer enquanto trabalhei; assim foi que enchi a minha vida daquilo que sempre considerei diletâncias e quase me profissionalizei na ocupação de tempos livres.

 

Montar a cavalo, o que sempre fizera apenas aos fins-de-semana, passou a ocupar-me as manhãs com os meus discípulos humanos a fazerem o meu orgulho e os discípulos cavalos a darem-nos grande satisfação: endireitar o cavalo que estava torto, confiar o medroso, equilibrar quem não geria sequer o próprio peso, banir o stress e descontrair o olhar, pôr o paralítico a andar, afirmar que o mundo é de mel e não de fel. Assim, dá gosto e eles agradecem. E quando, doentes, se sentem mal, encostam-me a cabeça a pedir ajuda, aquela que eu nem sempre sei dar...

 

Tocar violoncelo era uma das coisas que sempre ambicionara fazer mas as boas relações que cultivo com os meus inquilinos impedem-me de lhes encher os ouvidos de roncos espúrios; o piano – que arrumei nos finais dos idos de 60 – continua aprumado no local que há muito lhe foi destinado; outros instrumentos nunca me passaram pela ideia mas a harpa fê-lo pela negativa. Porquê? Porque, com essa, terei a eternidade para me entreter quando envergar uma túnica branca poisado sobre uma nuvem. Assim, em vez de tocar instrumentos musicais que viriam perturbar a vida circundante, ouço o que outros tocam e faço-o com auriculares para que a família goze da serenidade a que tem todo o direito. Tenho descoberto verdadeiras maravilhas nacionais e estrangeiras e tenho feito as pazes com autores que dantes me afugentavam. 

 

Deixei de ler relatórios cheios de números e vazios de ideias; passei a ligar aos conceitos, larguei as circunstâncias e continuo a não discutir pessoas; fiz-me acompanhar só por gente séria que apenas visa o bem comum e a esses, amigos, trouxe-os à escrita no “A bem da Nação”. É lê-los e segui-los...

 

E conclui algo de muito concreto sobre a enorme ignorância que transporto. Eis como enveredei pela filosofia. Correndo o risco de começar pelo fim, aceitei que fosse a física quântica a decidir por mim entregando-me às forças para mim ocultas que definem a ordem dentro do caos. Comecei por Karl Popper pois foi com esse que o escaparate me presenteou. Desse passei para outros e até há pouco andei por Derrida e Ricoeur. Até que o caos trouxe à tona uma linha de orientação pondo-me nas mãos “A FILOSOFIA NO SÉCULO XX”, obra coordenada por Fritz Heinemann que é também autor de diversos capítulos, edição da Gulbenkian.

 

Com mais de 500 páginas de texto escrito para leigos, metade deste verdadeiro tratado refere a história da filosofia até ao século XX e só a partir da pág. 293 é que trata dos grandes Problemas Sistemáticos, os perenes. Conclui da sua leitura pausada (levei meses a saboreá-lo) que me resta agora reler todos os livros sobre filosofia que li antes pois só agora passei a ter o enquadramento mínimo de cuja falta padecia.

 

 

Mas, mesmo assim, ainda ficaram muitas lacunas, nomeadamente esse misterioso Kant. De leitura tão fácil, foi necessário chegar a Kant para tudo se embrulhar num torvelinho desgraçado de tal modo complexo que só me resta uma conclusão (provisória): Kant não sabia escrever pois numa só frase misturava tantos conceitos já de si labirínticos que o leitor se perde por completo e rende-se a tamanha confusão como os antigos faziam com as pitonisas e suas respostas enigmáticas. E parece que essa confusão é contagiosa pois o autor do capítulo “A Filosofia Moderna: de Nicolau de Cusa a Nietzsche”, Hinrich Knittermeyer, enrodilha a prosa de tal modo que só nos apetece olhar para o fim da página a ver se ainda falta muito para acabar o martírio. Acabada a «doença kantiana», regressa a prosa à clareza e à saudável leitura.

 

Donde me surgiu uma ideia: dividir as orações em cada frase de Kant como no liceu nos ensinaram com os Lusíadas e republicar TODA a sua obra já com as frases bem claras e inequívocas.

 

Mas isso é trabalho para começar afincadamente já até daqui a 82 anos quando eu perfizer 150. Acham que vale a pena?

 

Lisboa, 27 de Março de 2013

 

 Henrique Salles da Fonseca

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