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A bem da Nação

SEM CICUTA MAS COM LÁGRIMA

 

A minha amiga nem quis ouvir falar no Sócrates, desprezou completamente, como peregrina, a ideia de que ele vem ser comentador político por cá, mas eu não me fiei nela – já em tempos falhou na questão da eleição papal – nem acreditei que ele se eximisse a ser comentador, além de outros prováveis cargos da sua competência – escapou-me a palavra, mas a competência é realmente de somenos importância nesta coisa dos cargos, basta-nos estar de bem com alguns da nação, os do habitual entre-apoio e das habituais contrapartidas nos respectivos partidos.

 

Acho, de resto, que ele é muito homem para vir dar a cara, agora que este governo criou tantos inimigos, e que foram estes até que o chamaram cá, para a confusão ser maior, na inanidade geral, em que parece que só alguns do governo é que têm um pouco de tento e de vergonha, e digo alguns porque até os aliados se estão a demarcar dos que, perante a nação, se comprometeram a apoiar, mas se os triunviratos falham, temos que partir da mesma opinião a respeito dos duunviratos, falíveis como são os propósitos humanos em que a vaidade ou a demagogia interesseira se impõem sobre outros critérios de rigor.

 

Vamos, pois, ligar o canal para ouvir Sócrates a debitar, como os demais comentadores. Ele não terá a cicuta para engolir, como o outro, pois somos democratas passivos e defensores da liberdade como dizia a cantora da gaivota. Mas é tempo de citarmos uns passos da “Apologia de Sócrates” que Platão escreveu, em que Sócrates apresenta os argumentos da sua defesa contra as acusações de perversor da mocidade, por a levar a pensar sem dogmatismos. Transcrevo da Internet, por comodismo, a tradução, diferente da que tenho da Europa-América, que inclui “Críton” e “Fédon”, os três diálogos em torno do processo e morte de Sócrates, com algumas temáticas da sua filosofia:

 

I Parte, I:

 

O que vós, cidadãos atenienses, haveis sentido com o manejo dos meus acusadores, não sei; o certo é que eu, devido a eles, quase me esquecia de mim mesmo, tão persuasivos foram. Contudo, não disseram nada de verdadeiro. Mas, entre as muitas mentiras que divulgaram, uma, acima de todas, eu admiro: aquela pela qual disseram que deveis ter cuidado para não serdes enganados por mim, como homem hábil no falar. Mas, então, não se envergonham disto, de que logo seriam desmentidos com factos, quando eu me apresentasse diante de vós, de nenhum modo hábil orador? Essa me parece a sua maior impudência se, todavia, denominam "hábil no falar" aquele que diz a verdade. Porque, se dizem exactamente isso, poderei confessar que sou orador, não porém à sua maneira.

 

Assim, pois, como acabei de dizer, pouco ou absolutamente nada disseram da verdade; mas, ao contrário, eu vo-la direi em toda a sua claridade. Contudo, por Zeus, não ouvireis, por certo, cidadãos atenienses, discursos enfeitados de locuções e de palavras, ou adornados como os deles, mas coisas ditas simplesmente com as palavras que me vierem à boca, pois estou certo de que é justo o que eu digo, e nenhum de vós espera outra coisa. Em verdade, nem conviria que eu, nesta minha idade, me apresentasse diante de vós, ó cidadãos, como um jovenzinho que estuda os seus discursos. E, todavia, cidadãos atenienses, isto vos peço: se sentirdes que me defendo com os mesmos raciocínios com os quais costumo falar nas feiras, ou nos lugares onde muitos de vós me tendes ouvido, não vos espanteis por isso, nem provoqueis clamor, porquanto é esta a primeira vez que me apresento diante de um tribunal e com mais de setenta anos de idade! Por isso, sou quase estranho ao modo de falar daqui. Se eu fosse realmente um estrangeiro, sem dúvida, me perdoaríeis, se eu falasse na língua e da maneira pelas quais tivesse sido educado; assim também agora vos peço uma coisa que me parece justa: permiti-me, em primeiro lugar, o meu modo de falar – e poderá ser pior, ou mesmo melhor – depois, considerai o seguinte e só prestai atenção a isto: se o que eu digo é justo ou não. Essa, de facto, é a virtude do juiz, do orador: dizer a verdade

 

Diz-se que o nosso Sócrates andou lá por Paris a estudar, talvez em busca de outras verdades. Entre as suas disciplinas de estudo pode ter perpassado a filosofia socrática que o discípulo Platão elegeu em filosofia platónica. Veremos se o apego à verdade da realidade, não à dos mitos, levará o nosso Sócrates ao reconhecimento das suas responsabilidades nas verdades com que se confronta o actual governo ou se, alegremente, é adepto da maioria das verdades escamoteadoras dos palradores da nossa praça – não, propriamente, todavia, de filósofos peripatéticos, pois se instalam confortavelmente nos salões televisivos – que fazem muitas vezes depender as argumentações das suas verdades e dos seus afectos, numa dialéctica instruída segundo o provérbio latino “in vino veritas”, ou simplesmente “in vanitate”, “in egotismo”, “in cupiditate”, “in stultitia veritas”...

 

Posso muito bem enganar-me e, em vez de argumentos nos seus próximos comentários Sócrates verta, antes, as lágrimas – mesmo que sejam de crocodilo – do seu arrependimento para dentro do poço em que estamos enfiados. Essas lhe bastariam como cicuta para o resto da vida. Seria um bom exemplo de penitência, a ganhar adeptos vindos do passado próximo. Mas nem estes se reconhecem como os protagonistas na escavação, nem nenhum deles se abeira do poço.

 

 Berta Brás

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