E TUDO CONTINUA NA MESMA...
No Brasil, umas das primeiras descrições geográficas e antropológicas se devem ao jesuíta português Fernão Cardim que chegou ao país em 1583 com o visitador Cristóvão de Gouveia. O Rio de Janeiro e Pernambuco mereceram dele atenção especial. E, pelo que descreve, em relação à grande produtividade e dificuldade de escoamento do açúcar, chegamos à conclusão que em mais de 500 anos o país continua com o mesmo problema, escoar as suas mercadorias. Na actualidade o Brasil teve, mais uma vez, uma safra recorde de soja, que hoje não consegue chegar ao seu destino, o exterior, por falta de silos suficientes, ferrovias, hidrovias, rodovias transitáveis, e portos em número satisfatório com adequada logística que permitam o seu escoamento. A China, um dos nossos grandes compradores, este ano, já suspendeu a sua milionária compra porque o país não consegue honrar o tempo de entrega do produto. Entra governo e sai governo, e tudo continua na mesma; perdas financeiras para quem produz, transporta e principalmente para o país, que, apesar esforço do agro negócio, uma das mais importantes alavancas económicas do Brasil, não conta com a devida atenção e cooperação do governo. O que será que está faltando? Visão, responsabilidade, comprometimento sério , e não demagogo, de quem nos governa, com certeza.
DESCRIÇÃO DE PERNAMBUCO
por Fernão Cardim
Não posso deixar de dizer nesta as qualidades de Pernambuco, que dista da equinocial para o sul oito graus, e cem léguas da Bahia, que lhe fica ao sul. Tem uma formosa igreja matriz de três naves, com muitas capelas ao redor; acabada, ficará uma boa obra. Tem seu vigário com dois outros clérigos, afora outros muitos que estão nas fazendas dos portugueses, que eles sustentam à sua custa, dando-lhes mesa todo o ano e quarenta ou cinquenta mil réis de ordenado, afora outras vantagens. Tem passante de dois mil vizinhos entre a vila e o termo, com muita escravaria de Guiné, que serão perto de dois mil escravos, os índios da terra são já poucos.
A terra é toda muito chã; o serviço das fazendas é por terra e em muitos carros; a fertilidade dos canaviais não se pode contar; tem sessenta e seis engenhos que cada um é uma boa povoação; lavram-se alguns anos duzentas mil arrobas de açúcar, e os engenhos não podem esgotar a cana, porque em um ano se faz de vez para moer, e por essa causa a não podem vencer, pelo que mói a cana de três a quatro anos; e com virem cada ano quarenta navios ou mais a Pernambuco, não podem levar todo o açúcar; é terra de muitas criações de vacas, porcos, galinhas, etc.
A gente da terra é honrada: há homens muito grossos de quarenta, cinquenta, e oitenta mil cruzados de seu: alguns devem muito pelas grandes perdas que têm com a escravaria de Guiné, que lhe morrem muito, e pelas demasias e gastos grandes que têm em seu tratamento. Vestem-se, e as mulheres e os filhos de toda a sorte de veludos, damascos, e outras sedas, e nisto têm grandes excessos. As mulheres são muito senhoras, e não muito devotas, nem frequentam as missas, pregações, confissões, etc; os homens são tão briosos que compraram ginetes de duzentos e trezentos cruzados, e alguns têm três, quatro cavalos de preço. São mui dados a festas. Casando uma moça honrada com um vianês, que são os príncipes da terra, os parentes e amigos se vestiram uns de veludo carmesim, outros de verde, e outros de damasco e outras várias sedas de várias cores, e os guiões e selas dos cavalos eram das mesmas sedas de que iam vestidos. Aquele dia ocorreram touros, jogaram canas, pato, argolinhas, e vieram dar vista ao colégio para os ver o padre visitador; e por esta festa se pode julgar o que farão nas mais, que são comuns e ordinárias.
Uberaba, 22/03/13