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A bem da Nação

QUANDO AS AMIGAS CONVERSAM...

 

 

PRESIDENTES DO CRUCIFICADO

 

- Eu estou convencida de que este Papa não devia aguentar mais os horrores, devia estar bem por dentro dos problemas que ali se passavam, no Vaticano, de lutas pelo poder e por dinheiro, de infâmias sexuais e luxos desmedidos. Aquela pompa! E vejam bem a crise instalada em toda a Europa e a quantidade de gente que teve que viajar para o adeus ao Papa!

 

Mas eu sou compreensiva:

- Ao menos é por uma boa causa, um papa sempre é um papa e a sua resignação merece uma despedida em forma, tanto mais que este Papa me parecia uma figura doce e triste, talvez pelas torturas a que estava sujeito o seu espírito, com tanta infâmia a rodeá-lo.

-Cuidado com o Vaticano, olhe que eles têm por sua conta os castigos do Céu, e esta esplanada está sobre a calçada. Ainda nos estatelamos, se falamos demais.

 

Retorqui à minha amiga que uma cunhada minha, que não está por dentro dos desmandos eclesiásticos, aliás bem antigos, ou pelo menos a sua fé não lhe permite condená-los, também malhara na calçada e andava de braço empanado e além disso outras desgraças nos estão eminentes nestes tempos de desordem, até os assaltos na rua e nas casas, que a crise comanda os destinos, mais do que os potentados do Vaticano.

 

A minha amiga continuou:

- Mas agora acabou-se. Ponha aí um papa africano, que também tem direito. Acho bem. Eles têm sido racistas. Veja bem se alguma vez sentaram lá um africano. Este é capaz de ter mais vergonha na cara e não permitir as coisas horrorosas que por lá se passam, no Vaticano.

 

A minha amiga sempre foi adepta do Obama e como ele foi eleito, acha que também vai acertar no próximo ocupador da cátedra de S. Pedro, e eu desculpo-lhe as pretensões ao dom divinatório que não aquentam nem arrefentam nesta palhaçada constante em que quase toda a Terra anda mergulhada, pois até de onde menos se espera, como seja, dos países nórdicos, surge um qualquer adepto fundamentalista neonazi a matar a seu bel-prazer. Quanto à África, continente alfobre das maiores desigualdades e crueldades ditatoriais, não seria melhor nem pior do que outro qualquer no seu candidato, para defender a infalibilidade do papa em matéria de fé, e de mais nada, visto que aquele belo espaço de riqueza e arte que é o Vaticano, vive poluído das mais graves infracções, como em qualquer outra parte mundo. Jamais a doutrina de Cristo, que pregou o amor e a decência, serviu para desviar a sua Igreja de corrupção grave, de crueldade arrepiante e até de cegueira dogmática, relativamente ao progresso da ciência, colidindo com a aventura da narrativa bíblica.

 

Até Gil Vicente, imbuído do espírito crítico dos alvores do Renascimento e em plena Reforma, nos mostra como já no seu tempo era grave a situação, no seu Auto da Feira, na interpelação do SERAFIM:

«À feira, à feira igrejas, mosteiros,/pastores das almas, Papas adormidos; /comprai aqui panos, mudai os vestidos,buscai as samarras dos outros primeiros,/ os antecessores. Feirai o carão / que trazeis dourado; /ó presidentes do crucificado, / lembrai-vos da vida dos santos pastores do tempo passado.»

 

É certo que hoje não haverá reforma que valha, e o melhor é procurarmos a diversão ainda com Gil Vicente e com o discurso inicial do seu Frei Paço da Romagem dos Agravados, tão expressivo de que as maleitas não abrangiam, já nesse tempo, apenas a cabeça eclesiástica, porque as práticas do tronco e dos membros também enfermavam de vícios:

«Quem me vir entrar assi/ com estes jeitos que eu faço,/ cuidará que endoudeci, / até que saiba de mi/ que sou o padre frei Paço.

«Deo gratias não me pertence,/ nem pera sempre nem nada,/ senão espada dourada;/ porque muito bem parece/ ao Paço trazer espada.

«Eu sou fino da pessoa,/ e por se não duvidar/ fiz uma cousa mui boa:/ leixei crecer a coroa,/ sem nunca a mandar rapar,/ e portanto vos não digo “Deo gratias”/ se atentais nisto,/ nem “louvado Jesu Cristo / inda que trago comigo/ hábito que é muito disso.

«E sou tão paço em mi,/ que me posso bem gabar/ que invejar, mexericar/ são meus salmos de David/ que costumo de rezar./ Falo, mui doce cortês,/ grã soma de cumprimentos;/ obras não nas esperês,/ senão que vos contentês,/ com palavrinhas de ventos.

« Sou favor e desfavor,/ mestre-mor dos namorados,/ engano dos confiados,/ sou templo do Deus d’amor,/ Inferno de namorados./ Porém não como soía/ é já a lei namorada:/ e porque tudo s’enfria,/ amo assi de sesmaria,/ e suspiro d’empreitada.

«O auto que ora vereis/ se chama, irmãos amados,/ Romagem dos Agravados, / inda que alguns achareis/ que se agravam d’abastados. …»

 

E agravados somos. Poucos mas bons, os abastados. "Em nome do Pai..."

 

 Berta Brás

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