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A bem da Nação

DEVANEIOS

 

MINHA PRIMEIRA NOITE NUM HOSPITAL

 

I

 

Inegavelmente há sempre na existência humana um evento marcante, indelével e inesquecível, eivado bem no fundo do corpo e da alma, sobretudo com esse evento ocorrido na fase infantil ou pré-juvenil duma pessoa.

 

Há precisamente 90 anos levaram-me ao Hospital da então vila de Margão a fim de visitar e beijar meu pai com galopante gangrena duma perna que o vitimou no dia seguinte, 10.11.1922. Chocado com sua morte, fiquei apavorado com os hospitais julgando-os como um lugar donde os doentes saíam já mortos. O trauma infantil fez-me afastar dos hospitais, evitando mesmo visitar familiares e companheiros aí acolhidos para seu tratamento.

 

O adágio popular que «DEUS escreve direito por linhas tortas» verificou-se nos meados do corrente mês: fui obrigado a recorrer ao Hospital de Alcobaça por doença aguda. Aí estive das 9.30 horas às 14.30 horas e, por decisão do médico, fui despachado para o Hospital das Caldas da Rainha, bem provido e bem organizado, por suspeita de problema cirúrgico, onde três distintos clínicos uniram seu saber e abafaram o meu grande sofrimento. Foi nesse magnífico hospital que passei a minha 1ª noite num leito hospitalar, de que darei um breve relato. Dali em diante fui confiado à perícia da Médica encarregada de medicina interna, com uma equipa de jovens enfermeiros e auxiliares de ambos sexos, simpáticos, encantadores e de extrema dedicação, que muito me comoveu no fundo do coração.

 

II

 

Mal chegado ao Hospital das Caldas da Rainha, confiado aos cuidados da Secção de Medicina Interna com enfermeira e uma auxiliar, fui abordado com muito carinho e com extrema dedicação. Vendo meu rosto não enrugado submeteram-me a um cerrado interrogatório estranhando o meu sotaque e o meu ar de homem bem adulto, mas não caduco ou avelhentado. Assim quiseram saber a naturalidade, a nacionalidade, os estudos, as profissões exercidas e os países por onde emigrara, apenas levados pela curiosidade de lidar com alguém que ultrapassara 96 anos. Mesmo que estivesse algo sonolento, faziam cócegas para me despertar, como se eu fosse um fenómeno, alguém que não passava de modesto português e filho de Goa. Nunca deixei de responder às perguntas feitas sobre o meu passado e o meu presente, apenas comentando que tudo quanto fiz, o devo à Divina Providência.

 

Nunca imaginei que, entrado como um patriarca nonagenário, seria alvo de tantas e tão inesquecíveis atenções do pessoal médico e para médico dum hospital, onde iria passar a minha 1ª noite numa maca, tendo ao lado, direito e esquerdo, outros doentes, de ambos sexos e de variadas idades, uns gemendo seus abafados áis e uis em surdina, outros abafando seus sofrimentos em gritos dilacerantes e outros berrando de desespero no auge dos sofrimentos. Tudo isto para mim era uma novíssima revelação dum mundo até então desconhecido, numa visão panorâmica televisiva com magotes de gente em movimento socorrendo os adoentados com remédios e paliativos diversos, correndo aqui e acolá na extensão da enfermaria numa profusão de luz fluorescente duma cidade cosmopolita. O hospital afinal não era «a morgue» que eu gravara na penumbra da memória dos meus dias de infância, mas um lugar quase sagrado e dedicado a minorar os sofrimentos alheios num espírito de solidariedade humana, de caridade cristã, tal e qual era e é praticada pelos monges seguidores do santo português São João de Deus!

 

III

 

Da grande lição espiritual recebida em Caldas da Rainha e seu magnífico Hospital, no desejo de bem-fazer pelo próximo do bíblico samaritano, apelo aos prezados leitores para dar seu apoio, não apenas moral mas financeiro, já que os Serviços Médico-Sociais da Nação não têem à disposição verbas gigantescas do erário público a despender em saúde pública. Que cada um de nós, sobretudo os ricos e detentores de fortunas colossais e chorudas reformas e altíssimos salários, façam o que fez o bom samaritano.

 

 

 

Recambiado ao modesto Hospital de Alcobaça, se DEUS me deixar uns anos, farei algo pela melhoria de atendimento de idosos carenciados recorrendo a essa nobre instituição, originalmente fundada pela Misericórdia de Alcobaça. Cumprirei com a minha parte, se Deus me permitir a ventura de aliviar dessarte o sofrimento alheio!

 

 

Alcobaça, 28.02.2013

 

 Domingos José Soares Rebelo

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