MONJAS DA LITERATURA – 4
Bruno Tolentino, poeta carioca nascido em 1940, faleceu em São Paulo, em 2007, vítima de AIDS. Pertencia a uma tradicional família carioca, onde conviveu desde a infância com escritores como Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Preparado, falava vários idiomas. Com o regime de 1964, estabeleceu-se na Europa a convite do escritor Ungaretti, tendo vivido desde então na Itália, Bélgica, Inglaterra e França. Professor nas Universidades de Bristol e Essex. Em 1987 foi acusado e preso por porte de drogas, passando vinte e dois meses na prisão de Dartmoor, no Reino Unido. Regressou ao Brasil em 1993 adoptando uma postura crítica sobre a situação intelectual e educacional brasileira.
Conheci Tolentino numa reunião do PEN Clube do Brasil, no Rio de Janeiro. Ele escreveu o surpreendente As Horas de Katharina, vencedor do prémio Jabuti de Poesia, que me enviou com a seguinte dedicatória: “para Raquel Naveira, ao início de um diálogo de que muito espera seu admirador, Bruno Tolentino. São Paulo, 94”. Nesse livro o poeta toma emprestada a voz de uma freira fictícia, supostamente nascida em Veneza, em 1861, como Elizabeth Katharina von Herzogenbuch e falecida no Convento das Carmelitas Descalças na Áustria, em 1927, como Soror Katharina da Anunciação e do Suor de Sangue, para desenhar os estágios de uma transformação espiritual que vai do lamento à epifania.
No livro transparece a refinada formação intelectual do polémico Tolentino, que cruza a dicção dos modernistas com a matriz simbolista francesa. Tudo isso aliado à leitura do pensamento cristão, sobretudo os monges-poetas Santa Teresa D’Ávila e São João da Cruz.
A ambientação do livro é fascinante: as figuras bíblicas (Salomé, Lázaro, Madalena); os salgueiros sagrados; as rosas fugazesa; os agapantos e madressilvas, as sempre-vivas, a flor de Edelweiss; os vagalumes, as lagartas, as salamandras, as lesmas, as andorinhas e gaviões. O tom das tragédias gregas na voz de Katharina/castelã:
Passando, quem sabe, os dedos
Por estas folhas, alguém
Séculos depois e sem
Compaixão destes segredos,
Levando os dedos à boca
Entre um e outro gemido
Que vai lendo distraído,
Como quem bebe e sufoca,
Essa figura que eu vejo
Entre a indiferença e o gozo,
Noiva, amante, mãe, esposo,
Esse espectro sem desejo
Talvez diga folheando:
“As horas de Katharina...”
Raquel Naveira