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A bem da Nação

A COISA MAIS CERTA

 La Fontaine at Blog Filosofix

 

Do Livro VI das Fábulas

De La Fontaine

Com o número dezanove,

Da Primeira e Segunda Partes,

Retiro uma muito conhecida,

Em verso,

Mas entre nós só em prosa

Reconhecida.

É sobre o charlatanismo

Dos pagadores de promessas

Ou mesmo, se o preferirmos,

Dos construtores de tretas,

Que, em todo o sempre,

Mostraram obra

A vender banha de cobra.

Eis, pois, em tradução,

A fábula “O Charlatão”:

“O mundo nunca teve falta de charlatães:

Esta ciência foi, em todos os tempos,

Bastante fértil em prestações,

Ora um, em teatro, o Aqueronte afrontando,

Ora outro, pela cidade espalhando

Que ultrapassa Cícero em eloquência,

Arrebatando as multidões

Com expressiva saliência.”

(Em breve aparte, eu diria,

Que, se fosse hoje em dia,

A eloquência seria

Demonstrativa do seu zelo e arte

Para uma autoprovidência

De grande importância

Para sua realização e sobrevivência.)

«Um destes últimos, digo,charlatães,

Gabava-se de ser tão bom educador

Que tornaria qualquer palerma um doutor,

Fosse ele lapuz, rústico, ou parolo;

“Sim, senhores, um parolo, um animal, um burro:

Tragam-me um burro, um burro em duplicado,

Torná-lo-ei mestre refinado,

Portador de sotaina sem pecado.»

O Príncipe soube do assunto; mandou chamar o Declamador.

“Eu tenho – disse ele – na minha estrebaria

Um belíssimo exemplar de Rocim:

Gostaria

Que fizesses dele um orador.

- Senhor, vós tudo podeis e tereis assim,

– logo o nosso homem respondeu com galhardia.

Deram-lhe uma certa quantia

Para, ao fim de dez anos,

Sentar o animal nos bancos

Da Assembleia ou do Tribunal;

Sem o que ele seria

Na praça pública exposto,

Com o baraço ao pescoço,

Enforcado com limpeza

Com a retórica no dorso

E as orelhas dum asno,

Em beleza!

Um dos cortesãos lhe afirmou que, na forca,

Ele teria muito gosto em o ir ver,

Se, para enforcado,

Ele mostrasse

Um ar gracioso e uma boa presença,

E, sobretudo,

Se se lembrasse

De pregar à assistência

Um discurso onde a sua arte

Fosse revelada com pertinência,

Num discurso patético, e cujo formulário,

Retórico e vário,

Servisse a certos Cíceros, vulgarmente

De ladrões apelidados.

E o outro com presteza respondeu:

“Antes do evento tão pouco decente,

Morreremos, sem falhar,

O Rei, o Burro ou eu.»

Tinha razão. Que é loucura, sem dúvida,

Contar sobre dez anos de vida.

Basta sermos uns bons copos, uns bons garfos,

Para qualquer um,

Para, como natural oferta

Da Parca,

Se poder ter como certa,

De três indivíduos, em dez anos,

Pelo menos,

A morte de um.»

Eis uma fábula que nos alerta

Para o excesso de patuscada

Que o caldo verde e a sardinha

Podem representar a um ou outro governante

De compleição magrinha,

Mas que vai em frente, a falar em comer,

Por não ter mais que dizer,

E sem recear rebentar,

Se calhar por não querer retirar

O rosto do seu posto.

Outros, os mais oradores,

Charlatães, segundo a fábula,

Têm patuscadas maiores,

Comidas superiores,

Para poderem com mais força singrar

E levar sem recuar

Apesar da feroz oposição,

O navio da nação

Ora aos tombos, ora não,

Com o povo sempre à mão

Para melhor prestação,

Enquanto dura a patuscada,

Na continuação da alvorada

De Abril e mais nada.

Em dez anos ou até menos

Não teremos de cumprir

Completamente as promessas

Para o porvir.

Que a morte é coisa certa,

Nesta nossa estrada aberta…

 

 Berta Brás

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