E se nós fizéssemos um clube?
Intima-me o engenheiro António Félix da Cruz a enviar-lhe um artigo sobre o mesmo assunto de um que publiquei num dos últimos números da Gazeta das Aldeias: “Os clubes agrícolas para a juventude”.
Resolvi, então, dirigir estas palavras não a ele, nem aos agricultores, mas sim a todos os rapazes e raparigas que vivem no campo, principalmente aos que têm contacto com a lavoura e seja qual for a sua categoria social.
Vim aqui exactamente para lhes dizer:
E se nos fizéssemos um clube?. . .
Mas não se trata dum clube de futebol ou de outro género semelhante. Trata-se, muito simplesmente, disto: um clube agrícola.
Estou mesmo a ver que vocês já estão a pensar:
- Mas que diabo quer ele que a gente faça num clube desses? Que andemos a brincar aos lavradores?
Pois é exactamente isso, ou, pelo meno s, uma coisa semelhante.
Desde que haja uma dúzia de rapazes e raparigas que queiram fazer alguma coisa, o clube já tem possibilidades de vida. Imaginemos, pois, que estão ao pé de mim esses dez ou doze jovens e que lhes tenho que explicar o que é e como vai ser o nosso clube.
Como regra, é conveniente que não pertençam ao clube os homens já feitos, assim como não parece lógico que façam parte dele crianças de mama. Parece-me que dos 10 aos 20 anos é uma idade boa.
Vocês, no vosso clube, vão fazer coisas tal e qual como se fossem pequenos lavradores mas, lembrem-se! os trabalhos são para ser feitos pelas vossas próprias mãos.
Claro que têm que aprender, mas já tratamos disso.
A primeira coisa é arranjar onde exercer a “actividade”. De quase todos vocês o pai é lavrador. Não será fácil conseguir que ele lhes empreste um talhão para cultivarem? Pensará, naturalmente, que são uns metros quadrados de terreno deitados fora mas... talvez não. E os produtos que conseguirem colher nessa horta podem vendê-los... à própria família. O que pode suceder é o pai depois exigir o "aluguer” do terreno, mas uma “lavoura” tecnicamente bem montada deve dar para isso...
Para os outros, os que não têm à mão um terreno, é preciso arranjar qualquer coisa... Espera! Estou-me a lembrar agora daquele bocado de chão mesmo junto a escola, que pertence ao Joaquim da Silva. Ele nem cultiva aquilo, não lhe faz falta nenhuma, de forma que talvez não se importe de o emprestar dizendo-se para o que é. E até os miúdos da escola, nos intervalos, são capazes de dar uma ajuda.
As raparigas ? Pois claro que também! Um sacho e um ancinho não fazem mal a ninguém. Estragam o verniz das unhas ? Deixem lá isso! Lavrem-nas bem, depois do trabalho e digam-me se até não ficam mais bonitas. E que diriam a fazer também umas compotazinhas saborosas no tempo em que a fruta é barata? Hein? Já havia sobremesa para o jantar de confraternização dos sócios do clube...
Tu, que tens aquele quintalório junto à casa podes construir ali um cortelho higiénico (não és agora capaz de fazer de pedreiro!...) e criar um porquito.
Se o teu tio fosse capaz de nos emprestar aquele barracão onde não costuma ter nada, a gente fazia ali uma sede toda catita. Podíamos pôr lá um armário que seria o início da nossa biblioteca. Faziam-se ali as reuniões, discutiam-se os problemas, aprendiam-se as coisas necessárias para os trabalhos, guardavam-se os relatórios, etc. Vê lá se consegues isso... com um bocado de diplomacia...
Vocês já calcularam o que podem aperfeiçoar-se com uma coisa deste género? Pensem que uma geração tem o dever de ser sempre melhor que aquela que passou; só assim podemos, de facto, provar que somos diferentes dos outros animais.
Preparem-se para que, quando tomarem o vosso lugar ao leme deste grande barco que é a Agricultura, no render da guarda duma geração a outra, possam caminhar mais velozes e com maior segurança por terem mais conhecimentos que aqueles que vos precederam e que tão galharda e honradamente souberam cumprir o seu dever e que, se mais não conseguiram foi porque não lhes deram melhores oportunidades.
É verdade! E o ensino, a orientação para todos esses trabalhos? Já me ia esquecendo…
Olhem, como vocês são todos aí do concelho de Óbidos, vão ter com o engenheiro agrónomo António Félix da Cruz. Tenho a certeza de que ele lhes dará todas as indicações e terá muito orgulho em apresentar, dentro em pouco, o primeiro clube agrícola de Portugal.
Miguel Mota
Nota do autor
– Este artigo foi publicado há 64 anos (“Óbidos Agrícola” nº 28, de 15 de Junho de 1948) mas, infelizmente, continua actual.