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A bem da Nação

LOURENÇO MARQUES

Do seu estabelecimento

 

A baía que começou por ser chamada de Baía da Lagoa, aparece já nos mapas de Cantino de 1502, o que garante que terá sido visitada logo a seguir à viagem de Vasco da Gama. Alguns anos mais tarde um comerciante português, Lourenço Marques, em 1544, terá sido o primeiro europeu a estabelecer algum contacto com os naturais daquela região.

 

Logo que D. João III tomou disto conhecimento mandou reconhecer os rios que ali desaguam e assentar na margem direita do Rio do Espírito Santo, uma feitoria e fortificação.

 

Assim começa a exploração do comércio daquela região, com o próprio Lourenço Marques e António Caldeira como os primeiros europeus ali assentes, e com estabelecimentos ainda nas ilhas da Inhaca e dos Elefantes. Todos eles foram de pequena duração. No entanto todos os anos ali aportavam naus, unicamente para o resgate de marfim, e a região ficava entregue a si própria, levantando a cobiça de ingleses e até de austríacos, que lá se fixaram.

 

Portugal entendeu que aquele território lhe pertencia e tratou de correr com os “intrusos”, e foi só em 1781 que se fundou uma feitoria que veio dar lugar à mais tarde cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo.

 

O contacto dos portugueses com os nativos, durante todo este tempo, tinha sido relegado para eventuais “resgates”, tendo os régulos feito tratos com os ingleses, oferecendo-lhes terras e garantindo os necessários fornecimentos.

 

Com a chegada de Joaquim de Araújo, ouve que restabelecer esses contactos, indispensáveis para o comércio e convivência pacífica. Eram vários os régulos da região: Mafumo, Capela, Matola, a quem se dava o título de reis.

 

Com o fim da “ocupação inglesa/austríaca”, houve que refazer os contactos com essas autoridades. Curioso verificar como esses tratados eram celebrados. Transcreve-se, a seguir, o relato da visita do régulo da Matola à fragata portuguesa. (Outros se seguirão)

 

 

Em o dia 21 fiz expedir pessoas com aquelles saguates2 do costume, a dizer ao rei Capella, e ao rei Matolla, que lhe pretendia fallar,e que es­perava que determinassem o dia em que queriam vir a bordo da fragata de Sua Majestade Fidelíssima, para os mandar buscar no escaler; a pes­soa que foi ao rei Matolla recolheu no dia 3, dizendo que vinha o dito rei Matolla. Em o dia 4 muito cedo appareceu o rei Matolla na praia, que sendo visto da fragata, se lhe mandou escaler para o conduzir, o que fez trazendo em sua companhia três mulheres suas, e um grande numero de cafres que o acompanhavam; chegaram á fragata onde foi recebido e conduzido à camara do commandante com parte da sua comitiva, aonde depois de muitos cumprimentos, e demonstrações de amizade que queria tratar com os portuguezes, que bem conhecia terem sido os primeiros que conquistaram aquellas terras; mas que os mesmos portuguezes as tinham abandonado, não indo ali ha tantos tempos a commerciar, nem a le­varem-lhe aquelles géneros de que elle precisa e a sua gente, e que por este esquecimento em que os tínhamos posto, fazia com que tivessem trato com os imperiaes3; mas que tornando nós com trato antigo, e ami­zade, que elle inviolavelmente queria tratar com os portuguezes, pois elle era irmão de Sua Magestade, á saúde de quem bebia com toda a vene­ração e respeito; a esta saúde salvou a fragata com vinte e um tiros, o que o rei gostou, e a sua comitiva toda; depois tivemos varias conferen­cias, em que o dito rei deu bastantes provas de não ser muito selvagem, a tudo se lhe respondeu, e foi-lhe assegurado que d'aqui por diante ha­viam de vir muitas embarcações cheias de géneros e roupas de seu uso, e que elle tivesse o maior cuidado em que se respeitasse n/aquelles logares a bandeira portugueza, e que nenhuma consentisse arvorar n'aquelles territórios por serem pertencentes á coroa de Portugal; a tudo res­pondeu que sim, e que não queria senão aos portuguezes, porque todos eram irmãos, e eram os seus primeiros paes. Entraram a comer e a be­ber muito demasiadamente, e depois de serem bem satisfeitos, o não fi­caram com os pannos que se lhe deram de saguate por serem poucos, e muito grossos, e respondeu o rei, que aquelle saguate não era próprio para elle, nem parecia ser dadiva de uns homens tão grandes como os portuguezes; que elle esperava lhe fosse dado um presente, que podesse mostrar á sua gente toda, que aliás elle não poderia dizer que tinha vindo de uma fragata de guerra portugueza; a isto respondeu o tenente coronel que as fragatas de guerra não faziam saguates por obrigação, que tudo aquíllo que se lhe oferecia eram demonstrações de amizade e ob­séquio, e que não devia pretender dos portuguezes o mesmo que estava recebendo d'aquelles individuamente que vinham ali commerciar; que se contentasse com o que lhe era dado, e que devia receber tudo com muita satisfação e gosto; esteve o rei attento ouvindo tudo e respondeu, que elle queria que o tenente coronel fosse a sua casa visita-lo, para lhe dar um saguate como devia; escusou-se o tenente coronel, o rei aceitou os pannos, e repartiu-os pela sua gente, e depois d'isto ter feito, entrou a pedir copos, facas, garfos e tudo quanto viu, por ultimo deu-lhe o tenente co­ronel e o commandante da fragata algum fato, com que o rei satisfeito, se despediu, promettendo ordenar, para virem todos os viveres preci­sos para a fragata, e do mais que fosse preciso das suas terras estava prompto para mandar, e que esperava não fizessem violência á sua gente; o dito rei mandou três vaccas de presente, a fragata ao retirar-se o rei se lhe deram cinco tiros de bombarda, e se foi muito satisfeito; tudo isto se passou presentes os officiaes que se achavam a bordo, e por verdade o escrevi, e me assinei.

= António Joaquim Pinto Collares, escrivão.

 

1.- 2 de Abril de 1781

2.- Presentes, ofertas

3.- Austríacos

 

Rio de Janeiro, 17/07/2012

 

 Francisco Gomes de Amorim

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