CHÉCIA – 5
QUEM OS VIU JÁ NÃO OS VÊ
Tinha eu perguntado ao velhote do barco – que afinal é cinco anos mais novo que eu – qual a evolução económica do país desde que deixara de ser comunista e obtive meia resposta que eu já adivinhava e meia resposta que me deixou um pouco perplexo. Disse ele que antigamente, no tempo comunista, a economia checoslovaca se baseava na indústria pesada – cujo «fait divers» consistia na produção automobilística (Skoda, Tatra) – e de armamento para satisfação das necessidades militares da URSS e do Pacto de Varsóvia; actualmente a economia baseia-se no turismo e os antigos conglomerados industriais foram desmantelados sendo a actual Skoda propriedade da Volkswagen tendo uma dimensão de cerca de 5% do antigamente e a Tatra, propriedade de um consórcio internacional, fabrica apenas peças para camiões de marcas estrangeiras. A parte da resposta que me deixou perplexo teve a ver com a importância do turismo que, a seu ver, é tudo o resto da economia checa: nada mais existe.
Fui ver...
... e constatei que logo à saída de Praga nos deparamos com uma agricultura pujante sem uma parcela ao abandono e com as culturas a entrar pelas aldeias. E o que significa isso? Pois é, significa a auto-suficiência alimentar nacional e um efeito multiplicador sobre o resto da economia que não tardará muito a produzir resultados na indústria e nos serviços. Não nos esqueçamos de que, ao contrário do que se passa connosco que temos uma das mais altas propensões marginais à importação, os checos mantêm uma cultura produtiva que deu provas sob um regime anacrónico e que nos há-de espantar dentro de não muito tempo, agora libertos de espartilhos dogmáticos que os obrigou a produzir muito lixo.
Mesmo sem entrarmos na componente mais importante, a tecnológica, atentemos apenas à estética desses Tatra que só deixaram de ser produzidos em 1999 depois de várias tentativas (falhadas) de lançamento de um modelo concorrencial no mercado automóvel aberto. Bem sabemos que «quem o feio ama, bonito lhe parece» mas há conceitos estéticos mínimos que nos permitem um largo consenso acerca do horrível e do belo puro. Estes eram carros que existiam à sombra do Decreto que os instituiu; caído o Decreto furaram-se-lhes os pneus... E não vi um único tanto em Praga como na quase centena de quilómetros até Kutná Hora.
Curioso, este desaparecimento do parque automóvel comunista. Tinha peste ou alguma moléstia semelhante (níveis de consumo e de poluição exorbitantes) e já só devem restar exemplares nalgum museu que não visitei.
Mas fiz outras visitas e foi maravilhado com a paisagem agrícola que fui ver uma mórbida capela decorada com os ossos de cerca de 14 mil defuntos que em nada se assemelha com a nossa de Évora, na Igreja de S. Francisco, cujos ossos integram as paredes mas não servem para chacota.
Lisboa, Janeiro de 2013
Henrique Salles da Fonseca