CRÓNICA DE LISBOA - 4
... Tagore, por corruptela britânica
O confronto de civilizações a que estamos a assistir entre islâmicos e cristãos e entre islâmicos e hindus recomenda que tomemos consciência do que nos distingue para que possamos encontrar motivos de entendimento.
Quando a mente não teme
Quando a mente não teme
e a cabeça se mantém erguida
Quando o conhecimento é livre
Quando o mundo não foi quebrado em fragmentos
por mesquinhos muros domésticos
Quando as palavras brotam das profundezas da verdade
Quando o incansável lutador estende os braços rumo à perfeição
Quando a clara corrente da razão
não perdeu o sentido contra a triste areia deserta da condição morta
Quando tu fazes avançar a mente
rumo a horizontes cada vez mais amplos do pensamento e da acção
rumo àquele céu de liberdade,
meu Pai, deixa o meu país acordar.
Poderei não ter dado a este poema uma forma que o classifique como uma obra prima da literatura em língua portuguesa mas eu peço aos leitores que abdiquem do tosco feitio que produzi com um mínimo de liberdade interpretativa e observem atentamente o conteúdo desta definição da dignidade humana, da abnegação, da heroicidade, do comovente louvor a uma Nação.
Há valores por que vale a pena lutar e creio que reuniremos a unanimidade entre as civilizações superiores ao afirmarmos que a dignidade humana é sagrada.
Na civilização cristã, a dignidade humana deriva da convicção de que o homem é obra de Deus e que por essa razão tem uma génese divina. Em 1784, Immanuel Kant pedia ao homem que se libertasse da confortável menoridade em que caíra ao deixar que os tutores o conduzissem sem fazer qualquer esforço na escolha de opções racionais e que assumisse a dignidade do ser pensante.
Qualquer cristão reconhece no poema acima um hino à dignidade e, contudo, ele foi escrito no original por um bengali de espírito superior. Os ingleses deturparam-lhe o nome pois ele era da família Takhur e ficou para a História com o nome de Rabindranath Tagore.
Lisboa, Junho de 2004
Henrique Salles da Fonseca
Publicado em Panjim, Goa, no Lusofonia-Goa na edição de Agosto de 2004