PORTUGUESES QUASE ESQUECIDOS - 1
Todos nos lembramos da Passarola do Padre Bartolomeu de Gusmão, o primeiro português que sustentadamente levantou os pés do chão passando por cima de vilas e cidades, mas poucos saberão que ele tinha um irmão chamado Alexandre.
E quem foi esse tal Alexandre de Gusmão? Pois foi «só» Primeiro Ministro de Portugal.
À época, reinava D. João V, o título que se dava a quem chefiava o Governo era Escrivão da Puridade significando aquele que era confidente do Rei e lhe guardava os segredos. Há biografias que o apresentam como Secretário do Rei (ou até mesmo como Secretário Privado do Rei) mas não me parece que alguém que se limitasse a secretariar o Rei quer pública quer privadamente, organizando-lhe a agenda, mandando entrar nos aposentos reais quem se apresentasse a despacho ou enviasse ao destino missivas privadas mais ou menos secretas a alguma das favoritas de Sua Majestade, pudesse negociar Tratados internacionais. O Escrivão da Puridade não se encarregava da agenda nem da alcova reais e também não desempenhava funções meramente protocolares, ia a despacho com o Rei para assuntos de Estado da maior relevância para a Coroa e, portanto, não o podemos hoje equiparar a um Secretário mas sim a um autêntico Primeiro Ministro.
E se Alexandre de Gusmão foi nomeado para essas funções já depois de D. João V ter tido a trombose que o tolheu do lado esquerdo, note-se que o primeiro Escrivão da Puridade que D. João V tivera, logo após a coroação, fora D. Tomás de Almeida, então Bispo de Lamego, que mais tarde viria a ser o primeiro Cardeal Patriarca de Lisboa. Claramente, não estamos a referir Secretários.
A liderança de Alexandre de Gusmão foi decisiva na negociação do Tratado de Madrid assinado em 13 de Janeiro de 1750 ao abrigo do qual se obteve para Portugal o reconhecimento europeu da realidade das fronteiras do Brasil, pois o uti possidetis [1] e não Tordesilhas, traçavam as linhas de fronteira – a acção dos bandeirantes sendo reconhecida como mais forte do que as linhas imaginadas no século XV. Foi com base nesse Tratado que se estabeleceu o princípio do equilíbrio geográfico, ficando para Portugal a bacia fluvial do Amazonas e para Espanha a do rio da Prata.
Mas este Tratado implicou que Portugal cedesse a Espanha a Colónia do Santíssimo Sacramento (actualmente integrando o sudoeste do Uruguai) de modo a não mais navegar no rio da Prata e abdicando de acesso pelo rio Uruguai ao sul do Brasil mas garantindo que os espanhóis não navegariam pelo Amazonas a fim de alcançarem as suas terras interioranas nas faldas dos Andes.
«Tordesilhas» cortava o Brasil
Sem dúvida, um Tratado da maior relevância para a fixação das fronteiras brasileiras, grosso modo como actualmente as conhecemos.
Mesmo que nada mais tivesse feito como Escrivão da Puridade, bastaria este Tratado para merecer o nosso louvor em vez do esquecimento a que em Portugal o votámos.
Lisboa, Dezembro de 2012
NOTA FINAL:
Para saber mais acerca deste grande português, veja-se, por exemplo, a Wikipédia em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre_de_Gusm%C3%A3o
BIBLIOGRAFIA:
COLLECÇÃO DE VÁRIOS ESCRITOS INÉDITOS POLÍTICOS E LITTERÁRIOS DE ALEXANDRE DE GUSMÃO – editado em 1841 pela TYPOGRAFIA DE FARIA GUIMARÃES, Porto
[1] Ou uti possidetis iuris que é um princípio de Direito Internacional segundo o qual os que de facto ocupam um território possuem todos os direitos sobre este; a expressão advém da frase uti possidetis, ita possideatis, que significa "como possuís, assim possuireis"