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A bem da Nação

TEOTÓNIO NAS SALSAS ONDAS

 

 

Foi D. Teotónio, com D. Telmo e D. João Peculiar, um dos três fundadores do Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra cuja primeira pedra foi lançada no dia 28 de Junho de 1131. Mas antes disso já o presbítero tinha ido duas vezes em peregrinação à Terra Santa para onde não regressou definitivamente a insistente rogo dos dois amigos que o convenceram a fundar uma Ordem não contemplativa e que pregasse o Evangelho no meio das gentes.

 

Na segunda peregrinação, embarcou em Bari com destino a Jafa mas como depois de alguns dias navegassem pelas alturas de Mália – ponta sul do Peloponeso, cabo muito temido pelos marinheiros por causa da brusca mudança dos ventos – começaram todos a correr perigo devido a uma súbita tempestade escurecendo-se de repente o céu. E eis que por cima deles se assombrou uma nuvem com vento violento e terrível fragor. E ela, a nuvem, revolvendo as águas profundamente, agitava o mar tempestuoso e suspenso à maneira dum monte líquido e ora mergulhava nas profundezas, o navio sacudido pelas massas das ondas, ora levantava do profundo abismo até aos altos cimos e cristas das vagas e derribava-o juntamente e, o que é maravilhoso de dizer, chupava para o alto a água do mar como um cano potente a que os marinheiros chamam sifão.

 

 

Prevendo já a tempestade, logo que o navio começou a andar à roda entre a agitação das ondas quebrando-se com suma rapidez o mastro a caindo às ondas, começaram também os marinheiros a colher as velas, a ligar o cordame e as antenas e a compor todo o equipamento do navio e do leme, não se quebrassem eles com a força do mar e também a alijar a carga, a fim de aliviar o barco. O mar avançava e empolava-se por cima deles, aterrados com medo de morrer. Porém, a coisas terríveis sucedem outras mais terríveis.

Já tinha desaparecido toda a esperança de salvação. Enraivecendo-se as ondas ferozes para os matar e enfraquecidos os membros deles com o temor, estando já todos perturbados por causa da presença da própria morte, deram-se mutuamente a paz, já prontos para morrer, implorando com lágrimas o socorro do Omnipotente para que Aquele que entregava os seus corpos a tão temerosa morte, recebesse as suas almas com muita benignidade ou que lhes enviasse, misericordiosamente, o socorro que os salvasse.

Porém, D. Teotónio, prostrado também a rezar com lágrimas e todo voltado para Deus, depois dos salmos e ladainhas, invocou, deste modo, o Senhor da vida e da alma:

- Senhor, Senhor Jesus Cristo, filho de Deus vivo, filho de Santa Maria, que com o Pai e o Espírito Santo sois um só Deus em altíssima Trindade e verdadeira Unidade, socorre-nos a nós, postos no maior perigo, a fim de que, arrancados à ira das ondas do mar, mereçamos ver o glorioso sepulcro da Tua Santa Ressurreição, ao qual viemos venerar e beijar, e para que demos graças por nos teres livrado.

Enquanto isto se passava, Deus todo poderoso que lhes enchera a alma de terror, com maior maravilha lhes patenteou inesperadamente a Sua misericórdia principiando a sossegar o sopro do vento e, quebradas a pouco e pouco as montanhas de água, tornou-se o mar tranquilo.

 

Foi já com fama de santidade que Teotónio aportou a Jafa mas, não querendo correr novo risco de ser sugado por mais algum olho de ciclone, pouco usou a via marítima no seu regresso a Coimbra.

 

É que, por muita que seja a fé, não se deve abusar da sorte nem da santidade.

 

Lisboa, 25 de Novembro de 2012

 

 Henrique Salles da Fonseca

 

BIBLIOGRAFIA:

 

Uma narrativa marítima do séc. XII, Mário Martins, SJ, in Brotéria, Vol. XLVII, fasc. 4, 1948 remetendo para Vita Sancti Theotonii da autoria de um discípulo de S. Teotónio (não identificado no texto que me serviu de apoio)

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