DEVANEIOS
A VIRGEM MARIA SURGIU NO CORAÇÃO DE ÁFRICA
(1981/1983)
I
No seu curioso livro “O Fenómeno das Aparições” (1974), Erich von Däniken, apreciado escritor católico suíço, mencionou que a primeira aparição de Nossa Senhora a uma belga ocorrera em 1449, portanto mais de quatro séculos antes das aparições da Virgem Maria em La Salette, Lourdes e Fátima. Posteriormente a Mãe de Jesus tem aparecido ao longo do século XX na Europa (v.g. Carabandal, na vizinha Espanha, em 1961), no Cairo (Egipto, em 1968) e, nos nossos dias, em Medjugorje (Bósnia Herzgovina) sempre com mensagens e avisos aos homens para respeitarem a vontade de seu divino Filho. Estava-se no dia de São João Batista, a 24.06.1981, em Medjugorje.
Afonsina Mumureke
Decorridos uns cinco meses, a Virgem Maria apareceu aos 28.11.1981 pelas 12.35 hrs. na sala de jantar da Escola de Kibeho, no Ruanda, a três moças: Afonsina Mumureke (17 anos), Natália Mukamamazimpaka (20 a.) e Maria Clara Mukagango (21 a.). Fez-se anunciar à Afonsina que ela era a Mãe do Mundo com a recomendação de se manter calma tendo em atenção suas orações e de se portar com uma firmeza da Fé juntamente com suas amigas. Seguiram-se outras aparições da Virgem Maria à Natália, de Janeiro de 1982 a 03.12.1983, e à Maria Clara, durante seis meses de Março a Setembro de 1982. Afonsina foi Secretária da Diocese de Gikongoro, criada em 1992. Natália ocupava-se em obras sociais e religiosas da paróquia de Kibeho, fundada em 1934, na Diocese, a 160 km da capital Kigali e a 20 km do Burundi. Quanto à Maria Clara, era professora primária, depois casou-se com Elias Ntabadahiga, jornalista dos Serviços de Informação do Ruanda, ambos trabalhando em Kigali e vivendo no bairro urbano de Gatsaka.
Maria Clara Mukagango
As aparições do Ruanda chamaram a atenção do mundo e foram declaradas credíveis pela Igreja de Roma. Em 1990, o Papa João Paulo II visitou o Ruanda e na ocasião exortou o povo Ruandês a se recorrer à Virgem Maria, como sua protectora e guia; ao mesmo tempo recomendou ao povo o espírito de reconciliação evitando as lutas políticas e étnicas. Nem por isso a trágica hecatombe deixou de asssolar o Ruanda com o mais monstruoso genocídio de um milhão de mortos no acervo de num frenesi de ódio e de vingança traduzido em lutas e guerrilhas mútuas. De Roma deslocou-se ao Ruanda o Cardeal Crescêncio Sepe, Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos a fim de consagrar o Santuário de Nossa Senhora das Sete Dores aos 31.05.2003. Este Santuário recebe anualmente milhares de peregrinos com toda a unção religiosa e com o melhor aparato, como tradicionalmente verifica-se em Fátima, Guadalupe ou Lourdes. Com sua inauguração as lutas fratricidas desapareceram e o espírito de arrependimento e de reconciliação estão hoje em bom caminho.
Toda a empolgante história das aparições da Virgem Maria no Ruanda não deixa de tocar-nos no fundo do coração, particularmente a quem em 1968 na Nota Preambular ao seu estudo “ O Chá na Economia da República do Ruanda “ (1968) havia focado os ódios tribais da população do Protectorado de Ruanda-Burundi entregue à Bélgica no final da I Grande Guerra, sem nunca ter em conta os hábitos e costumes tribais, que os tornaram tão estruturalmente divergentes e antagónicos. Voltarei a debater o assunto.
Sanado o ambiente político-administrativo do Ruanda, resta apontar o desfecho final das três videntes ruandesas. A mais nova, chamada Afonsina, escapou da morte refugiando-se no Presbitério da Diocese de Gikongoro, donde passou para Bukavo (Congo-Zaire) e daí seguiu para Abidjan (Costa de Marfim) para estudos secundários e superiores como Bacharel em Teologia (2003) e acabou por professar como Irmã Afonsina da Gloriosa Cruz. A vidente Natália refugiou-se por seis meses em Bukavo (Congo-Zaire), mas regressou a Kibeho-Ruanda para tomar conta de centenas de órfãos (bebés, crianças e jovens), mulheres e filhos dos feridos, aleijados e de religiosos de ambos sexos da Paróquia, tendo em atenção a especial incumbência recebida da Virgem Maria. A vidente Maria Clara e seu marido jornalista faleceram vítimas dos massacres de 1994/95.
II
Os líderes políticos do Ruanda advogaram seu desligamento do Protectorado como um povo independente e senhor do seu próprio destino. Em 1968 o Protectorado era habitado por três etnias diferentes, fundamentalmente antagónicas: Hutus (85%), Tutsis (14%) e Tuas (1%), com respectivas estaturas físicas medianas de 1,66 m, 1,75 m e 1,55 m (sendo aparentados do povo pigmeu Ituri). Durante séculos os Hutus, embora maioritários, foram escravos dominados pelos senhores feudais Tutsis mancomunados com os Tuas (pastoris, agricultores, carpinteiros, ferreiros, com hábitos ancestrais de povo guerreiro), enquanto os Hutus eram funcionários públicos, os Tutsis eram recrutados como agentes policiais e para-militares. Os Hutus ganharam, com o apoio dos Belgas, duas eleições populares, bem como a maioria na Assembleia Legislativa e o Governo Autónomo, mas os Tutsis não se conformaram e agitaram-se pela sua emancipação política com guerrilhas em 1960 e 1961, mais tarde degeneradas em genocídio monstruoso de Hutus e Tutsis, com um milhão de mortos, além de feridos, aleijados e mortos de fome, sem os géneros de consumo de primeira necessidade.
Eis a razão de ser do presente apontamento de quem nunca sonhara voltar a falar dum tema que enlutou a humanidade num acto de selvajaria. É uma verdade axiomática que é na pedra basilar do nosso passado que se assenta o edifício do presente e do futuro. Assim, foi com profunda fé nas aparições da Virgem Maria através do Planeta, que me dediquei a descrever as Aparições de Nossa Senhora das Sete Dores no coração do Continente Africano com todo o acervo da tragédia sofrida pelo povo ruandês.
Alcobaça 21.11.2012
Domingos José Soares Rebelo