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A bem da Nação

PICUINHAS DE ANTIGAMENTE

 

 

A verdade é que em tempos idos, e até hoje, encontramos nas altas rodas da sociedade regalias hierárquicas sociais, militares e políticas que se fazem notar e que são zeladas como relíquias. Mas o que nos conta Marcelino Lima no seu livro “Famílias Faialenses” é, no mínimo, de espantar.

 

O caso passou-se a 21 de Fevereiro de 1782, na ilha do Faial, entre o Juiz de Fora Dr. Manuel Garcia da Rosa e Francisco Inácio Soares de Souza, fidalgo que reclamava para si, pela origem e pela idade avançada, a primazia na chamada e assento nas sessões de vereação da Câmara.

 

Manuel Garcia da Rosa (n. 1749 e m. 1837) era sobrinho de Antonio Garcia da Rosa que emigrou para o Brasil e foi vigário na Igreja de Nossa Senhora da Glória, em MG, não se sabendo quando recebeu as ordens pastorais. Esse tio, no Brasil (1741), juntou forte cabedal. Ao voltar para os Açores, no Faial, tornou-se protector do sobrinho que desde pequeno mostrava grande aptidão para os estudos. Por isso, mais tarde, enviou Manuel para estudar em Coimbra, onde tirou a formatura em Direito. De volta à terra natal, foi nomeado Juiz de fora para o Faial. Homem íntegro, bondoso, porém pragmático, levava sua vida profissional e particular sempre com dedicação e minúcia.

Naquele dia, Manuel Garcia da Rosa, alto, esguio, peruca branca, encaracolada, vestido a rigor na sua casaca cor de canário, pontual, recebia com mesuras cada um que entrava no belo edifício de dois andares, que ficava na praça, esquina com a Ladeira de São João. O sinal de chamada já havia sido dado pela garrida que em cima do telhado repicava, anunciando notícias e solenidades que se passavam na comunidade. Os convidados chegavam pouco a pouco, em pequenos grupos ou isolados, para a abertura dos trabalhos na posse dos novos vereadores. Estes, perfilados, calçando sapatos de fivelas reluzentes, portando capas pretas, abertas pela frente, deixando os folhos das camisas brancas aparecerem, engomados, aguardavam a chamada solenemente. Em pé junto à cabeceira da mesa, o juiz se posicionava, segundo a norma, para ler a pauta de introdução dos novos vereadores.

 

Com voz pausada e firme, chamou o primeiro a tomar lugar:

 

- Manuel Inácio de Souza. Homem ilustrado, formado em Cânones pela Universidade de Coimbra, poeta, prosador, verve picante, sarcástica, tinha incontestável merecimento. Dono de vinhas, navios (6) e de uma das casas mais ricas e faustosas de seu tempo, tomou assento. O silêncio se fez geral... Uma agitação silenciosa aconteceu quando a plateia percebeu a quebra da etiqueta. Logo ali, na casa onde sempre se respeitou a ordem estabelecida e a hierarquia, a primeira cadeira era ocupada pelo mais credenciado e não pelo mais velho dos oficiais eleitos. Francisco Inácio Soares de Souza, homem de estirpe, sangue azulado, fidalgo reconhecido e o mais velho de Casa sentiu-se lesado no seu direito. Após o juramento regulamentar, fez a sua reclamação. O juiz ouviu-o, mas não se comoveu, e dizendo que tudo que ele queria eram inúteis velharias e o que importava eram os títulos oficiais. Continuou a cerimónia. Porém, ao perceber o olhar fulminante do vereador acrescentou; se caso o vereador não concordasse, que recorresse às Cortes competentes. O que logo Francisco Inácio o fez. Mobilizou céus e mares e finalmente ganhou a questão. No final do ano, em 23 /12/1782, baixou uma provisão do Paço Real na Câmara declarando que o recorrente tinha o pleníssimo direito ao assento na primeira cadeira, conforme estatuía o antigo livro da Vereação.

 

Assim ficou resolvida a pendência entre o Juiz de Fora e o fidalgo mais velho da Vereação. Ganhou a lei das Ordenações sobre a qualificação. Francisco Inácio Soares de Souza pôde então dormir em paz, com a sensação de que se fez afinal justiça, no seu caso....

 

 Maria Eduarda Fagundes

 

Uberaba, 22/11/12

 

Fonte: Famílias Faialenses (Marcelino Lima)

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