LIDO COM INTERESSE – 56
Título: CAMINHADA
Autor: Henry David Thoreau
Tradutor: Maria Afonso
Editora: ANTÍGONA, Lisboa
Edição: 1ª, Setembro de 2012
Caminhada, derradeira exposição das principais ideias do autor sobre a Natureza, é um dos seus trabalhos seminais e o seu impacto é indissociável da sua enorme característica visionária. Nos primórdios da industrialização americana, Thoreau antevia o declínio civilizacional e os perigos da sociedade materialista: a distorção das necessidades básicas do homem e o alheamento do mundo natural e da sua espiritualidade. O percurso físico que advoga é uma viagem rumo a uma existência reduzida ao essencial e em liberdade para que o homem se mantenha dono e senhor de si, alheado das leis arbitrárias que o subjugam às «verdades» da maioria.
Extractos que me seduziram:
As mãos calejadas do homem do campo conhecem, melhor do que os dedos lânguidos de um ocioso, os requintados tecidos do amor-próprio e do heroísmo cujo toque arrebata o coração. É mero sentimentalismo o de quem dorme de dia e se pensa alvo e puro, avesso à experiência que tisna e caleja. (pág. 24)
Todos os crepúsculos que contemplo me inspiram o desejo de rumar para um oeste tão longínquo e resplandecente como aquele em que o Sol mergulha. (pág. 37)
A mitologia é a colheita do Novo Mundo antes de se ter exaurido o seu solo, antes de a fantasia e a imaginação serem afectadas por pragas (...); é a decadência de outras literaturas que forma o solo em que a literatura floresce. (...) Talvez, quando, no decurso das eras, a liberdade americana se tornar uma invenção do passado – tal como é de certa forma uma ficção do presente –, os poetas do mundo se inspirem na mitologia americana. (pág. 58 e seg.)
A perdiz adora ervilhas mas não aquelas com que há-de ir parar ao prato. (pág. 61)
(...) um índio não tem nome próprio, antes o ganha e o seu nome é a sua reputação. (...) É lamentável que um homem tenha um nome apenas por conveniência e não por o ter conquistado. (pág. 65)
Após longos anos de aturadas diligências e de leitura de jornais – porque o que são as bibliotecas científicas senão compilações de jornais? -, um homem reúne uma miríade de factos, arruma-os na memória e, depois, em alguma Primavera da sua vida, deambula pelos Grandes Campos do conhecimento, ou seja, começa a pastar como um cavalo e liberta-se de todos os arreios que repousam no estábulo. Daria por vezes o seguinte conselho à Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil: «Ide pastar na relva. Já comeram palha que bastasse». (pág. 69)
Há algo servil no hábito de invocar uma lei a que devemos obedecer. (...) uma vida proveitosa não conhece leis. (...) Vivei em liberdade, filhos da névoa – e no que diz respeito ao conhecimento, nós somos todos filhos da bruma. (pág. 71)
(...) não podemos dar-nos ao luxo de não viver no presente. (...) Há algo que sugere um testamento mais novo – o evangelho segundo o momento presente. (pág. 79 e seg.)
Henry David Thoreau (1817 — 1862) nasceu e morreu em Concord, Massachussets, foi escritor, poeta, naturalista, activista anti-impostos, crítico da ideia de desenvolvimento, historiador e filósofo, ficou conhecido sobretudo pela sua reflexão sobre a vida simples cercada pela natureza e pela defesa da desobediência civil individual como forma de oposição legítima frente a um Estado injusto. É por vezes citado como anarquista individualista: "O melhor governo é aquele que não governa”.
Os livros, ensaios, artigos, jornais e poesias de Thoreau ultrapassam os 20 volumes sobre história natural e filosofia onde antecipou os métodos e preocupações da ecologia e do ambientalismo. O seu estilo literário intercala observações naturais, experiência pessoal e dados históricos evidenciando grande sensibilidade poética, austeridade e uma paixão pelo detalhe prático. Profundamente interessado na ideia de sobrevivência face a contextos hostis, mudança histórica e decadência natural, buscava abandonar o desperdício e a ilusão de forma a descobrir as verdadeiras necessidades essenciais da vida.
Abolicionista, realizou leituras públicas atacando as leis contra a fuga de escravos. A filosofia de Thoreau da desobediência civil influenciou o pensamento político e acções de personalidades notáveis que vieram depois dele, filósofos e activistas, tais como Tolstói, Gandhi e Luther King.
Outubro de 2012