VIAGEM NA MINHA TERRA – 2
E se a viagem acabou pelas 4 da manhã com um regresso a Lisboa sem mais novidades do que os motivos para a risota, a leitura do livro mais citado, o dos três insubmissos suicidas, deu mais matéria que merece ser respigada. Sim, mas só a que a minha mãe e a minha sogra poderiam ter lido.
Uma última frase de Cravan que inexplicavelmente tinha ficado para trás: Se a teoria das influências dos meios é verdadeira, espanto-me por o génio não ter cornos para se defender.
Mas será que não tem? Serão os geniais uns pacíficos que dão a outra face depois de esbofeteados? Duvido. Mas se Cravan se espantava, ele lá saberia com que génios se tinha alguma vez cruzado. Pelos vistos, tanto Wilde como Gide não eram génios. Eram outra coisa...
Rigaut
Seria este o rei do non-sense ou do humor negro? Não sei!
Francês, chamava-se Jacques, nasceu em 1889, teve uma vida igual à de milhões de outros franceses e deu um tiro no coração em finais de 1929 mas os seus papéis só foram publicados em 1934 e por isso ficaram conhecidos como Papiers Posthumes.
Na sua Agência Geral do Suicídio – de que parece ter sido o único cliente – anunciava corda para enforcamento a 20 Francos o metro e a 5 Francos por cada 10 centímetros suplementares. Garantia um serviço em total privacidade não permitindo a presença de mirones até porque ele próprio considerava que a morte é a única fraqueza que não permite desculpas.
Para além da conveniência de receber algum pecúlio para a satisfação das necessidades básicas, argumentava num pedido de emprego com uma fundamentação notável: Há pessoas que fazem fortuna, outras depressões, outras filhos. Há as que fazem humor, há as que fazem amor e as que fazem dó. Há muito tempo que eu procuro fazer qualquer coisa! Não há nada a fazer: não há nada a fazer.
A propósito de não haver nada a fazer, nada consta sobre se conseguiu que alguém o empregasse mas duma coisa ninguém o poderia acusar: inveja.
Dizia ele: Suporto mais facilmente a minha miséria quando penso que há pessoas ricas. O dinheiro dos outros ajuda-me a viver, (...) Em vez de saudarem os carros funerários, as pessoas fariam melhor em saudar os Rolls-Royce.
E, apesar do desenlace final, ele achava que só temos dado tanta importância ao amor porque ele ultrapassa em utilidade o resto.
Vaché
Sobre este, o terceiro da tríade, digo apenas que também se chamava Jacques o que, só por si, já dá para acertar com muita probabilidade na nacionalidade. Mas mais não digo pois acho que agora deve ser o Leitor a descobrir sur le papier.
Boa leitura!
Lisboa, Outubro de 2012