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A bem da Nação

Curtinhas XCVIII

Balança de Transacções Correntes

 

 

Miopía, para onde nos levas?

 

v      Por uma razão que me escapa, de tempos a tempos, iluminadas mentes vêm a público recordar-nos que o deficit orçamental é o nosso magno problema. Não é. Que é um problema e tanto, concordo. Que seria excelente que fosse esse “o” problema, sem dúvida. Acontece que há pior.

v      A Dívida Externa é um problema ainda mais bicudo. Pois é. Mas, hélàs!, não haverá como resolvê-lo se não dermos solução à raiz dos nossos actuais infortúnios: muito prosaicamente, pobres com apetites de rico, não sabemos como viver sem nos endividarmos mais e mais. Está aí a causa que impede que Dívida Externa e deficits orçamentais tenham solução, por mais voltas que se lhes dê.

v      Endivida-se o Estado para manter funções e serviços que a capacidade tributária da economia não comporta. Endividam-se os Bancos para poderem sustentar estruturas e esquemas de remuneração que pouco têm a ver com a rudimentar sofisticação financeira das nossas empresas. Endividam-se, um e outros, lá fora, por razões obscuras, por preguiça - ou porque sim.

v      Num país que importa muito do que come e quase toda a energia que consome, o endividamento externo é, dir-se-ia, uma fatalidade. Mas uma fatalidade que abre pistas, pelo menos no capítulo da Balança Alimentar.

v      Dito de outra maneira: (i) técnicas produtivas adequadas; (ii) aproveitamento integral de solos e mares; (iii) logística que elimine o desperdício; (iv) organização dos mercados que ligam os produtores aos consumidores finais. Uma verdadeira economia de guerra na agricultura, na pecuária e nas pescas. Fez-se algo? Está-se a fazer algo? Mas o deficit orçamental é que é.

v      Sem BTC equilibrada, não há sistema bancário sólido, já que não é de esperar que o Investimento Directo Estrangeiro (e outros movimentos de capitais privados) tenha caudal suficiente para absorver o sobre-endividamento dos Bancos. Mas não basta. Regulação, supervisão, capitalização, concorrência e disciplina do mercado são os ingredientes que os mantêm aptos a financiar a actividade económica. Terá havido avanços visíveis quanto a isto? Mas o deficit orçamental é que é.

v      O facto de estarmos numa União Económica e Monetária também não ajuda. Dispuséssemos ainda do instrumento cambial e nem seria necessário sujeitar a controlos administrativos os movimentos transfronteiriços de mercadorias. Desvalorização da moeda, protegida por restrições à livre movimentação de capitais – e estaria mais de meio caminho andado para não vivermos acima das nossas posses. Exportaríamos parte da crise – e a inflação encarregar-se-ia de fazer o resto.

v      Assim, temos a fortuna de cada euro no bolso manter, de um ano para o outro, o seu poder de compra. Só que, nos bolsos, são cada vez menos os euros – e são cada vez mais os bolsos vazios. Um transtorno. Um “collateral damage”. “Friendly fire casualties” é o que é. Sorry!

v      Infelizmente, a Dívida Pública Externa não se paga só com superavits da BTC (e também não pode ser amortizada quando a BTC permanece deficitária). Para pagá-la são necessários, além disso, superavits orçamentais – e estes, ou com menos despesa pública, ou com mais impostos. Dito assim, parece inócuo.

v      Mas se nos recordamos que menos despesa pública, se tudo o mais permanecer tal qual, é sinónimo de menos rendimento gerado cá dentro, logo, de contracção da procura interna, e que é da procura interna que sai o grosso das receitas fiscais – a coisa complica-se. Menos despesa pública: (i) se não for compensada por uma redução equiparável da carga fiscal, é agravamento do deficit orçamental pela certa; (ii) se for, não se sai da cepa torta (ainda que com uma diferente distribuição do rendimento disponível).

v      E se parte dos impostos cobrados for encaminhada para a amortização da Dívida Pública Externa, então, a quebra na procura interna é ainda mais brutal – com efeitos virtuosos na BTC e na Dívida Externa, mas nefastos para o equilíbrio orçamental. Nisto estamos.

v      A sensatez recomendaria que os objectivos prioritários do Programa de Ajustamento fossem, não o equilíbrio orçamental, nem sequer a Dívida Pública Total, mas o equilíbrio da BTC e a Dívida Pública Externa. Aquele, para diminuir o endividamento externo dos Bancos. Esta, não para reduzi-la num primeiro momento (o que é irrealizável), mas para lhe pôr, de vez, travão – depois, logo se veria como amortizá-la.

v      Quem diz “equilibrar a BTC”, diz “austeridade” – não há volta a dar. Ou austeridade por obra e graça da desvalorização cambial - e são as importações de bens e serviços (e todas as actividades com elas relacionadas) que vão suportar o peso da crise e do desemprego. Ou austeridade por via orçamental (mais impostos, menos despesa pública, desvalorização fiscal) – e a crise (leia-se, quebra na procura interna) não distinguirá entre e produção doméstica e compras ao exterior (sobretudo, se as importações permanecerem liberalizadas). Tem algo de familiar, não tem?

v      Porquê efeitos tão desiguais? Porque a desvalorização cambial é compatível com um rendimento nominal estabilizado, ou mesmo, crescente, ainda que de pouco valia no exterior – e deixa intacto o stock de liquidez na economia; ao passo que a desvalorização fiscal tem por efeito uma queda rápida do rendimento nominal (sem prejuízo de cada euro manter o seu poder de compra) – e, consequentemente, diminui em espiral a liquidez que circula. Azar nosso que os modelos “macro” mais à mão ignorem academicamente estas singularidades da liquidez.

v      Em vista disto, a sensatez aconselharia que: (i) aos Bancos se exigisse que repercutissem no custo do crédito os riscos a que se expõem – para afastar tentações de novas “bolhas de crédito” que relancem a procura interna; (ii) o Governo reduzisse o deficit orçamental conforme as conjunturas permitissem - financiando-o, porém, na totalidade com Dívida Pública Interna.

v      Dívida Pública Interna a emitir, concorrentemente, em três modalidades: (i) no mercado; (ii) através do depósito liberatório de uma parte dos impostos (proximamente, descreverei esta solução mais em detalhe); (iii) por via de empréstimos patrióticos (sempre que necessário).

v      Esta abordagem teria, desde logo, as seguintes vantagens: (i) congelaria o rendimento disponível, sem o reduzir em definitivo (como acontece com os impostos); (ii) permitiria graduar o esforço financeiro segundo a fonte do rendimento e/ou o escalão de rendimento colectável (sem mexer nas taxas de imposto); (iii) admitiria a possibilidade de mobilização em condições de mercado (o que dinamizaria o esclerótico mercado da dívida pública); (iv) seria compatível com a opção de resgate em circunstâncias excepcionais (contribuindo para o sentimento de segurança do vulgar cidadão); (v) poderia ser facilmente encaminhada para objectivos de política económica (por exemplo, a capitalização das nossas tão descapitalizadas empresas).

v      Três notas finais.

v      Não há experiência, nem teoria, que oriente processos de ajustamento “macro” (como este que estamos a viver) sem instrumento cambial - e, convenhamos, a desvalorização fiscal é uma treta mal contada (por dar de barato os efeitos sobre a liquidez em circulação).

v      Esta fixação nos Custos Unitários do Trabalho acontece, apenas, porque a teoria económica faz deles a variável estrutural dos seus modelos - uma simples hipótese, que o salvífico Investimento Directo Estrangeiro, aliás, nem sempre perfilha (excepção feita às “sweat shops”, claro está). E os modelos que explicitam os Custos de Contexto (como a insegurança jurídica, por exemplo) são, ainda hoje, uma raridade.

v      Os modelos das zonas monetárias óptimas (Mundell, etc.) pressupõem a livre movimentação de pessoas - ou, visto por outro ângulo, não se escandalizam com a desertificação dos territórios.

v      Azar nosso que, para nos orientar, só haja tão destrambelhadas bússolas - e pilotos que confiam nelas cegamente.

 A. Palhinha Machado

SETEMBRO de 2012

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