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A bem da Nação

POSTAIS ILUSTRADOS LVII

 

 

LESA-PÁTRIA III

 

"Peçam-me tudo menos que tape os olhos"

 

Miguel Torga,

in "Diário (1942)"- (1907-1955)

 

 

PARTE I

 

Como tenho vindo a referir nos textos anteriores, estou a debruçar-me sobre alguns aspectos essenciais da Auditoria feita ao novo acordo entre o Estado (concedente) e a Lusoponte, SA, (concessionária). Os objectivos gerais desta Auditoria estão plasmados no ponto 2., a páginas 1, onde pode ler-se que Auditoria visou, nomeadamente, "a análise das consequências jurídicas, económicas e financeiras decorrentes do novo Acordo". O novo acordo em questão é o celebrado no ano de 2000, na continuidade do 2º contrato de concessão datado, de Março de 1995.

 

Estão em análise os Volumes I e II do Relatório de Auditoria nº 47/2001 – 2ª Secção. O Volume I reporta à "Introdução, Conclusões, Desenvolvimento e Observações de Auditoria" e o Volume II dos "Documentos do Contraditório: - Alegações do Concedente e Análise dos Auditores do Tribunal de Contas"


Em 7 de Novembro de 2001, foi o processo devolvido em sessão de visto, para que fosse esclarecida a razão porque não foi cumprida a formalidade especial prevista no art.º 251º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, que determina que: "O contrato de concessão de obras públicas deve ser sempre celebrado por documento autêntico, sob pena de nulidade".

 

Repare-se: sob pena de nulidade!

 

 

Nessa sessão de visto, o Tribunal de Contas pediu, também, esclarecimentos sobre o facto de o Estado vir a assumir riscos relativos ao refinanciamento, atentas as normas do Decreto-Lei nº 168/94, de 15 de Junho, que aprovaram as Bases Gerais, da Concessão, designadamente, as Bases XXIII, XIV e XCIV, assim:

 

A concessionária teria de dedicar-se, em exclusivo, ao seu objecto social, adoptar a forma de sociedade anónima e manter a sede em Portugal, durante o período de vigência da concessão;

(1) A concessionária será responsável pela obtenção do financiamento e celebrará os respectivos contratos, não podendo opor ao concedente (Estado) quaisquer excepções ou meios de defesa que resultem de relações contratuais, no âmbito destes contratos;

(2) A concessionária assume integralmente responsabilidade de todos os riscos, excepto se resultarem do acordo intercalar e do segundo contrato;

(3) Quanto ao equilíbrio financeiro, o Caso Base foi substituído, violando, indubitavelmente, o nº 3 da Base XCVI;

(4) E, por fim, um mimo! Foram introduzidas as despesas com estudos prévios ou de viabilidade da 3ª travessia sobre o Tejo e de comparticipação anual na Fundação das Salinas do Samouco, que não são despesas relacionadas com o objecto da concessão auditada, com reflexos nos montantes das compensações directas a suportar pelo Concedente (Estado). Os Auditores fizeram um trabalho de excelência e rigor analítico!

 

Passo a referir-vos, em pequenas recortes do texto, algumas partes mais polémicas das conclusões da Auditoria em análise. E, transcrevo, logo a primeira, referente ao novo acordo global para reposição do equilíbrio financeiro, a páginas 7: "Da negociação e celebração deste acordo, em que o Estado não podia deixar de ser parte interessada na obtenção dos melhores resultados para o erário público, resultaram, todavia, vantagens para concessionária em três vertentes distintas. Assim, na vertente operacional do empreendimento, a Lusoponte beneficiou com a não participação nos encargos de manutenção da Ponte 25 de Abril, bem como, com a consolidação da política de compensações directas e com a dilação do prazo da concessão; na vertente financeira, a concessionária ganhou com a integração de novas condições de financiamento no modelo Caso Base; e na vertente fiscal, acabou por colher o benefício de uma taxa máxima de IRC a pagar ao fisco". (sublinhados e destaques meus) (5)

Só por aqui, se pode constatar que a reposição do equilíbrio financeiro do novo acordo tem clausulas caracterizadamente leoninas, com o acréscimo de encargos para o Estado concedente.

 

Ainda na página 7, mas já no ponto 8, no tocante à evolução verificada entre 1995 e 2000, no modelo da concessão, pode ler-se:

"No actual modelo, ou seja, no subjacente ao FRA (*) global de 2000, a evolução observada nos termos de afectação de riscos veio acentuar ainda mais o desequilíbrio do contrato de concessão, em favor da concessionária, ao permitir transferir para o Estado riscos que, normalmente, caberiam à concessionária" (sublinhado e destaque meus). Dentro do mesmo ponto 8, mas já na página 8, relata-se: "O resultado final das sucessivas mutações sofridas pela arquitectura contratual da concessão acabou por se traduzir na celebração de um Acordo que não defendeu da melhor forma o interesse público, já que dele decorrem consequências financeiras mais elevadas para o erário público e, também, para os utentes das duas travessias sobre o Tejo, e uma situação objectivamente mais favorável para concessionária" (sublinhados e destaques meus).

 

E, continuando: "O concedente, ao consentir à concessionária inscrever no novo modelo Caso Base os custos relativos aos novos termos de financiamento da concessão, acabou por assumir, indirectamente, riscos e encargos de financiamento da exclusiva responsabilidade da concessionária, por via dos mecanismos de reposição do equilíbrio financeiro da concessão". (destaque do próprio texto). E, no parágrafo seguinte: "O concedente, de uma forma indirecta, e contra o teor das próprias bases da concessão, ao assumir a cobertura de responsabilidades e de riscos, no âmbito das actividades de financiamento da concessão, acabou por concorrer activamente para perverter a lógica global de financiamento subjacente ao conceito project finance,(**)que havia sido inicialmente perfilhado pelos contraentes" (o destacado é do próprio texto e o sublinhado é meu) (página 8, ponto 9, quanto aos custos das novas condições de financiamento da concessionária para o erário público).

 

E, vou quedar-me, por hoje, com esta pequena maravilha do exercício da ciência da matemática, adaptada aos objectivos que se pretendem, transcrevendo o parágrafo final do ponto 10, quanto à lógica e aos pressupostos de reequilíbrio financeiro subjacentes ao FRA Global (*):

 

"A integração matemática daqueles pressupostos no modelo financeiro, conjugada com a lógica de "reposição do equilíbrio dos modelos", focalizada para o restabelecimento de valores mínimos de critérios chaves, desajustados do perfil de risco do projecto, contribuíram para desequilibrar o contrato de concessão em favor da concessionária" (destaques do próprio texto e sublinhado meu).

 

Vou, por enquanto, deixando aos estimados leitores, as conclusões que a vossa imaginação vos sugerir, mas, esta é a primeira parte do texto. Quando acabar, apresentarei, então, as minhas conclusões que, naturalmente, estarão sujeitas à apreciação de qualquer leitor que poderá, até, divergir destas.

 

 Luís Santiago

 

(continua)

 

(*) Financial Rebalance Agreement – Acordo de reequilíbrio financeiro.

(**) Project finance - Financiamento com base no desempenho do projecto.

(1) Base XIV:- Objecto Social:- A concessionária terá como objectivo social exclusivo, ao longo de todo o período de duração da

concessão, o exercício das quemanter ao longo do mesmo período a sua sede em Portugal e a forma de sociedade anónima.

(2) Base XXIII:- Responsabilidade da concessionária:- 1. A concessionária é responsável pela obtenção do financiamento necessário ao desenvolvimento de todas as actividades que integram o objecto da concessão, por forma a cumprir cabal e atempadamente todas as obrigações por si assumidas, sem prejuízo do disposto nas bases XXIV e XXV. (NOTA: Sem prejuízo das disposições relativas a projectos e estudos e sua aprovação). 2. Com vista à obtenção dos fundos necessários ao desenvolvimento das actividades objecto da concessão a concessionária celebrará os contratos de financiamento. 3. A concessionária não poderá opor ao concedente quaisquer excepções ou meios de defesa que resultem das relações contratuais por si estabelecidas nos termos do número anterior.

(3) Base XCIV:- Assunção de riscos:- A concessionária expressamente assume integral responsabilidade por todos os riscos inerentes à concessão excepto nos casos em que o contrário resulte do acordo intercalar e do segundo contrato de concessão.

(4) Base XCVI:- Equilíbrio financeiro:- 3. As partes acordam em que, sempre que a concessionária tenha direito à reposição de equilíbrio financeiro da concessão, tal reposição terá lugar com referência ao caso base, com as alterações que este vier a sofre ao abrigo de nº 2 da base XCV, e será constituída pela reposição de dois dos três valores dos critérios chave definidos no número seguinte, sem prejuízo no nº 5 da presente base.

(5) Capítulo II – CONCLUSÕES GERAIS – Ponto 7 – Referentes ao novo acordo global para a reposição do equilíbrio financeiro, página 7, do Relatório da Auditoria.

(6) CONCLUSÕES GERAIS – Ponto 9.

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