POSTAIS ILUSTRADOS LIII
"O Monstro"
"O Monstro" "Por um gesto julgamos um carácter: por um carácter avaliamos um povo". Eça de Queirós, in 'A Correspondência de Fradique Mendes' |
Nem todos concordamos que o Ente Público, conhecido por Estado, deve ter um desempenho activo em sectores que influenciem o comportamento dos mercados. Este é um debate que tem ocorrido ao longo dos tempos entre as teorias clássicas, neoclássicas e intervencionistas, sobre o papel do Estado nas Economias.
Cá por mim, entendo que, hodiernamente, já não podemos falar de Economia Pura de Mercado e do papel da mão invisível, mas, as economias de Estado cem por cento intervencionistas e centralizadoras, já deram o que tinham a dar. O Comunismo colapsou, porém, o Capitalismo está a seguir-lhe o rasto; se, nas Leis de Mercado foram introduzidos factores humanos imponderáveis, designadamente, as criminosas manipulação e usura internacional.
O Ente Público deveria condicionar o seu papel às funções de legislar, regular e fiscalizar o desempenho da Economia, porém, neste particular, os neoclássicos vieram defender um papel mais intervencionista do Estado, fundamentalmente, no combate ao desemprego, através da introdução de políticas de pleno emprego, criando o Estado-Patrão e, por consequência, empregador privilegiado.
Com estas políticas de pleno emprego, vieram as obras públicas e o Estado-Patrão e Empreendedor, além, de empregar e ser dono de obra, passou a intervir, por essa duplicidade, nas Leis de Mercado, introduzindo a criação de necessidades públicas, que para serem satisfeitas, teriam de o ser, através de obras de natureza pública, em concorrência com os empreendimentos de natureza privada.
De uma forma lenta e progressiva, step by step, de necessidade em necessidade, foi nascendo e crescendo "o Monstro".
Isto é uma forma muito simples, sem teorias técnicas, nem discussões sem fim à vista, sempre maçadoras e inconclusivas, que encontrei para vos referir o que temos hoje e que toda a gente conhece: um sector público com dimensão paralela à do sector privado. Um Estado-Patrão, Empresário, Proprietário, Empreendedor e Produtor, mas, neste último sector, "produzindo", essencialmente, serviços, que coloca o sector privado perante uma concorrência desequilibrada. Um Estado que faz Leis para o sector privado cumprir, mas, a que ele não não se sente obrigado. Um Estado que foi, no passado, uma pessoa de bem e cumpridor das suas obrigações contratuais e agora despreza prazos ou compromissos assumidos, provocando a desestabilização do funcionamento do mercado, por, o sector privado depender do cumprimento dessas obrigações contratuais, para sobreviver.
A título de exemplo, comecemos pela frota automóvel!
Sabem quantos veículos tem o Estado Central, o Sector Público Empresarial e os Municípios? Ninguém sabe! O controlo desta realidade é tão pouco eficaz que ninguém sabe os custos reais envolvidos; não há gestão que nos valha, porque não existe rigor, antes a inconsciência e desordem generalizada. Já calcularam, os milhares de veículos a circular todos os dias, o combustível consumido de centenas de milhares de euros e a manutenção que é necessária para manter em movimento e em bom estado de funcionamento esta parafernália ambulante?
Ainda assim, há uma despesa que o Estado não faz. Os veículos do Estado circulam sem seguro obrigatório. Estão já a ver esta pequena diferença? O Estado criou uma Lei a exigir que tudo o que se move a duas ou quatro rodas tenha seguro obrigatório de responsabilidade civil; mas, só os particulares é que são fiscalizados e multados (as multas fazem estragos no bolso de qualquer condutor imprudente); as rodas do Estado não têm seguro. Eis o primeiro exemplo, o Estado Proprietário não pratica aquilo que obriga os outros proprietários a cumprir.
Debrucemo-nos, então, sobre a utilização do material público circulante, hierarquicamente. São utilizadores públicos, os Presidentes da República e da Assembleia da República, os ex-Presidentes, o Primeiro-Ministro, e o respectivo Gabinete, os Ministros e respectivos Gabinetes (os Chefes de Gabinete são equiparados a Directores-Gerais), os Directores-Gerais, os Subdirectores-Gerais, Juízes Conselheiros dos Tribunais Superiores, o Procurador-Geral da República, Presidentes dos Institutos e Empresas Públicas e nos Municípios, os Presidentes, os Vereadores, os Directores de Departamento (equiparados a Directores-Gerais), os Directores de Serviço e os Chefes de Divisão. Os Presidentes de Juntas, também. Destes, conheço, pelo menos, dois que têm carros de serviço de 25 mil euros! Também, moram ao pé de mim, dois Chefes de Divisão de duas Câmaras diferentes e que trazem o carrinho de serviço, ao fim-de-semana, para uso particular. Nesta mesma zona reside um razoável número de funcionários dessas autarquias, que ganham bastante menos e circulam em transportes públicos e devem questionar-se sobre o motivo porque os seus Chefes de Divisão têm transporte de graça, mesmo ao fim-de-semana.
E não referi as Empresas Municipais e de todos os outros que dispõem de carros de serviço a que não têm direito, pois não me quero alongar mais neste texto.
Pondo de lado o uso protocolar de carros de representação das autoridades superiores, a que devia ser dada outra orientação na usança, há toda uma panóplia de abusos e mordomias a que é preciso pôr cobro.
Farei, em próxima texto uma análise deste assunto; expondo o que poderíamos conseguir, na minha modesta opinião, corrigindo os abusos e os excessos, com sugestões para uma gestão equilibrada e racional deste património, cujas medidas terão efeito imediato e directo nas poupanças do Estado.
Milton Friedman comentava e com razão que há sempre muito cuidado a gastar o nosso dinheiro, mas, não há preocupação alguma a gastar o dinheiro dos outros. Referia-se, claramente, ao dinheiro do erário público.
O próximo texto, conterá algumas sugestões para racionalizar este sorvedouro alucinante, que é o uso dos veículos públicos.
Já agora, a finalizar e a título de comentário, fora do assunto deste texto e do seguinte, mas dentro do contexto geral de medidas de poupança, fico contente por ter tido a notícia que o Governo se debruçou, finalmente, sobre as Fundações e vai tomar decisões; tenho notícia de que, também, vêm aí medidas sobre as Parcerias Público Privadas.
As políticas financeiras, económicas e fiscais nunca surtirão o efeito que destas se espera, se não foram acompanhadas de medidas estruturais que corrijam a "ossada do Monstro".
Há luz ao fundo do túnel!
(Continua)