MATEMÁTICOS PORTUGUESES DE CEPA GOESA
1
PORTUGAL, em 450 anos de administração do Estado da Índia, não formou entre os filhos de Goa, apenas médicos, advogados, magistrados, professores, farmacêuticos, engenheiros et alii de envergadura. Houve um punhado de goeses a cultivar e a ensinar Matemática nos estabelecimentos secundários e superiores.
Facto notável que caracterizou esse punhado de goeses é que eles formaram-se em Lisboa e em Coimbra. Na sua maioria esses matemáticos goeses estiveram ligados a Coimbra e às suas Instituições, pelo que o presente ensaio não deixa de ser oportuno. Urge evocar esses matemáticos portugueses de cepa goesa, arrancando-os do olvido para o devido conhecimento das gerações novas.
O Governo-Geral da Índia, ao abrigo da Carta Régia de 1832, enviou em 1833 para Coimbra quatro talentosos mancebos para aí se formarem, subsidiados pelas Câmaras Agrárias de Goa. Foi este passo que marcou durante 150 anos o numeroso afluxo de estudantes indo-portugueses à Universidade de Coimbra. No breve caminho de 96 anos a perfazer, tentarei numa síntese apontar os filhos de Goa formados em Ciências Matemáticas arrumados de acordo com os anos dos seus nascimentos.
JOSÉ PAULO GOMES (c.1800). Natural de Anjuna, Bardez, foi Capitão do extinto Regimento das Milícias de Bardez, Lente da Academia Militar de Goa e um grande matemático de sua época. Acérrimo defensor do liberalismo e do deposto e único Governador-Geral da Índia de cepa goesa, escondera-se algures no Estado da Índia fugindo à perseguição dos partidários militares do Governo intruso de Goa (1835) que haviam deposto o Prefeito das Índias Bernardo Peres da Silva.
MANUEL JOSÉ FELICÍSSIMO DE ABREU (c.1810/38). Matriculou-se em Coimbra na Faculdade de Matemática (1834/35) e no 1º e 2º anos do Curso arrancou os primeiros prémios, infelizmente falecera no ano seguinte. Natural de Anjuna (Bardez) fora tido em Goa como um grande matemático.
RAIMUNDO VENÂNCIO RODRIGUES (1815/79). Companheiro de viagem e colega do precedente fez as formaturas de Doutor em Matemática (1839/40) e de Licenciado em Medicina com Accessit. Notabilizou-se em Coimbra como Lente Catedrático da Faculdade de Matemática, Vereador e Presidente da C. M. de Coimbra por vários biénios, Procurador à Junta Geral do Distrito de Coimbra. Deputado pelo Distrito de Coimbra, nas horas vagas prestou relevantes serviços ao Montepio da Imprensa da Universidade, ao Montepio Conimbricense e à Associação dos Artistas de Coimbra. Era natural de Badém, de Serulá (Bardez).
ISIDORO EMÍLIO BAPTISTA (1815/63). Vindo com 2 irmãos, às expensas do pai, Narciso José Baptista, Guarda-mor da Relação de Goa, matriculou-se em Coimbra (1839/40) e formou-se em Medicina e em Filosofia. Depois fez o Curso de História Natural, licenciando-se em Ciências Naturais em Paris, onde se doutorou em Medicina. Desde 1864 até à morte foi Lente da Escola Politécnica de Lisboa, regendo as cadeiras de Montanística e Docimásia. Publicou o livro: «A Geometria em Progresso» (Lisboa, 1846). Foi um homem muito erudito e considerado pelos académicos um «dicionário vivo». Fora oriundo de Loutolim (Salcete).
MIGUEL ARCANJO MARQUES LOBO (1834/83). Natural de Saligão (Bardez), formou-se com distinção em Matemática (1858) e Filosofia (1860) e ainda com Accessit em Medicina, na Universidade de Coimbra. Foi professor de Matemática no Liceu de Viana do Castelo (1865/66) e depois radicou-se em Coimbra, onde exerceu a clínica geral e ensinou as disciplinas de sua especialidade em Curso Livre. Publicou dois livros para facilitar aos alunos a aprendizagem de geometria, trigonometria, história natural, botânica, mineralogia, geologia et alia, além de Generalidades de geometria plana e geometria no espaço (Coimbra, 1866).
EUSTÁQUIO BRÁS GOMES (c.1835). Era oriundo de Benaulim (Salcete). Formou-se em
Teologia no Seminário de Rachol (Salcete), ordenou-se padre e leccionou Matemática no Colégio–Liceu de Guirim (Bardez). Depois ensinou essa disciplina no Curso do antigo Liceu de Goa, em Mapuçá, nos anos 70/80. Foi Capelão da Capela de Carona, de Aldonã (Bardez), onde faleceu em 1900. A freguesia de Carona dedicou-lhe solenes exéquias no 1º ano do seu falecimento, publicando um “In Memoriam” evocativo de quem, além de funções pastorais, fora um eminente matemático de sua época.
ANTÓNIO BERNARDO DE SOUSA (c.1835). Granjeou a fama de grande matemático e foi pai do médico e professor da Escola Politécnica do Porto, Domingos Agostinho de Sousa (1859/1919).
LÚCIO S.B. DO ROSÁRIO MIRANDA (1904/62). Concluído o Liceu de Goa partiu para Coimbra onde se formou com distinção em Matemática. Foi professor de Desenho e de Matemática nos Liceus de Lisboa, Açores e Goa (1939). Foi um cultor de letras, acreditado conferencista e colaborador da imprensa portuguesa. Era natural de Loutolim (Salcete).
ALFREDO DOS ANJOS OSÓRIO (c.1915). Natural de Chinchinim (Salcete) concluído o Liceu, formou-se farmacêutico pela Escola Médico-Cirúrgica de Goa e partiu para Lisboa (c. 1945), onde o conheci. Cursou na Faculdade de Letras, onde se formou e, após estágio no Liceu Pedro Nunes, enveredou pela carreira de professor liceal. Foi professor de Matemática no Liceu Nacional de Goa, onde em 1949 contribuiu com um artigo sobre a Geometria não Euclidiana na revista ALA, órgão da Associação Escolar do Liceu de Goa.
VASCO DOS ANJOS OSÓRIO (s.d.). Irmão do precedente, concluído o Liceu de Goa veio com três outros irmãos para estudar na Universidade de Lisboa, acabando por formar-se em Ciências Matemáticas, sendo depois Professor de Matemática Moderna nos Liceus Pedro Nunes e Gil Vicente. Dali foi enviado para o Liceu de Lourenço Marques, por 2 anos. Como Professor Catedrático de Matemática, recebeu convite para leccionar as Ciências Matemáticas na Alemanha, onde se radicou e passou a viver com
sua mulher alemã. (Os dois irmãos acima referidos têm surgido com o sobrenome de DOS ANJOS OSÓRIO ou OSÓRIO DOS ANJOS).
2
Houve dois grandes matemáticos indus, ambos nascidos na Índia Portuguesa, mas formados em Universidades estrangeiras. Eles também merecem um destacado lugar ao lado dos seus conterrâneos de formação cristã.
DINANATH ATMARAMA DOLVI (s.d.). Nascido em Pali, do Concelho de Bicholim (Goa). Muito novo foi estudar em Bombaim, onde se formou com distinção B.Sc. (Bacharel em Ciências) e M. A. (Mestre em Letras). Ganhou a fama de «primeiro matemático indiano» da Presidência de Bombaim. Muito procurado e admirado, sobretudo pelos matemáticos ingleses e professores universitários britânicos. Sobrepujou outros matemáticos pela celeridade e prioridade demonstradas na resolução dos problemas propostos. Suas soluções foram arquivadas na revista «Bombay Educational Report», da sua época. Publicou, em 1869 e em inglês, sua análise da “Regra de Sir Isaac Newton” para a solução do número de raízes imaginárias numa equação, com ajuda de teoremas mecânicos, geométricos e fórmula trigonométrica.
DAMODAR DHARMANANDA KOSAMBI (1907/66). Era um natural de Sancoale, de Salcete (ora, Concelho de Mormugão). Em 1918 partiu com o pai e sua família para os EUA, onde o pai leccionou as línguas orientais, na Universidade de Harvard. O jovem Damodar formou-se com altas distinções em Matemática, História e Línguas da Harvard University. Regressando à Índia, foi professor das Universidades de Benares (indu) e de Aligarh (islâmica), nos anos de 1929/33. Depois dedicou-se à profunda investigação nos mais diversos domínios (matemática abstracta, estatística aplicada, genética, arqueologia, proto-história, budismo, marxismo, etnologia, socioeconomia, estudos indulógicos e numismática), discutindo-os em cerca de 50 comunicações em revistas científicas. Trabalhou de 1945 a 1962 no «Tata Institute of Fundamental Research», de Bombaim, e poucos anos depois faleceu, em 1966. Sustentou longas discussões em Princeton com o famoso Einstein sobre questões de relatividade. O eminente sábio concordando com Kosambi, passou a nutrir por este uma grande admiração. A ONU obsequiou-o com uma bolsa para estudar o maquinismo do calculador electrónico da época. Pouco antes, Damodar D. Kosambi visitara os EUA e o Reino Unido, a convite oficial. Foi autor de larga e variada bibliografia.
Alcobaça, 11.10. 2011 e revisto em 26.07.2012
DOMINGOS JOSÉ SOARES REBELO
(soares.rebelo@hotmail.com)
Fontes de informação: Aleixo Manuel da Costa – Dicionário de Literatura Goesa, 3vs.; Pe. M.J.Gabriel de Saldanha – História de Goa, 2vs.; D.J. Soares Rebelo Dicionário de Goanidade (Vol.I), c.380 págs., a publicar em breve.