QUANDO AS AMIGAS CONVERSAM…
… eis a coluna de duas Senhoras à volta de um café cuja vasta cultura nos traz muitos temas para a nossa meditação. Já por cá têm andado mas só agora formalizam esta já antiga pertença.
Continuemos…
Henrique Salles da Fonseca
OS ESTEIOS DE NARCISO
O Dr. Salles da Fonseca pediu-me uma fotografia da minha amiga e minha sentadas à mesa do café, com ela a comandar os referentes da sua experiência de leitura ou audição de noticiários, eu a tomar afanosamente as notas do seu discurso esbracejante, dos seus conceitos generosos ou inconformistas, do seu tom altaneiro de quem, tendo atravessado a ponte aos solavancos, desde a outra margem, continua na margem de cá a patinhar no lodo em que nos vamos afundando, sem esperança para os nossos netos. A minha amiga logo protestou, avessa às fotos deste nosso entardecer, ela que um dia me ofereceu uma foto dos vinte anos, com os dizeres da sua escrita rápida e angulosa, expressiva de liderança – “Esta fotografia é do tempo em que nos conhecemos - também por fotografias – através da Fernanda” (minha irmã). “Por isso é dos bons velhos tempos”.
Pensei que ressalvaria o seu narcisismo, se à fotografia das duas velhas senhoras da cavaqueira desarrumada acrescentasse essa foto elegante, dos anos da sua Zambézia de praias, e amizades e trabalho competente.
A minha filha Paula achou excelente a ideia do Dr. Salles e logo se prontificou a tirar a foto com o seu telemóvel, num dia de conversa a três, mas logo o meu narcisismo exigiu parceria na questão dos vinte anos, levando-me a procurar uma fotografia também do mesmo ano – 55 – tirada com capa emprestada, por ser avessa a praxes, arrimada toscamente ao meu pinheiro de forte tronco da Lousã, como a minha amiga se postara elegantemente à árvore moçambicana da sua pose.
Desta forma se resolveria a questão do vaidoso repúdio dos maus efeitos causados pela nossa figura actual, revelando o que já fôramos, mantendo embora, como símbolo de persistência no tempo, os troncos narcísicos do nosso arrimo e jeito de batalhar: a minha amiga, no rebuscamento saleroso dos seus contorcionismos frásicos irónicos que a sua árvore denuncia, a minha figura mais atarracada prolongando-se no tronco forte do pinheiro generoso e protector mas duro, na opinião de alguns, definitivamente tímido, na opinião própria
Berta Brás