PÉRONISMO À BRASILEIRA
«CUSTO LULA»
Uma das broncas do então presidente Lula com a Vale estava no assunto siderúrgicas. A companhia brasileira deveria progredir da condição de mero fornecedor de minério de ferro para produtor de aço, tal era o desejo de Lula.
Quando lhe argumentavam que havia um problema de custo para investir no Brasil — e não apenas em siderúrgicas — o ex-presidente apelava para o patriotismo. As empresas privadas nacionais teriam a obrigação de fabricar no Brasil.
Por causa da bronca presidencial ou por erros próprios, o facto é que a Vale está envolvida em três grandes siderúrgicas — ou três imensos problemas — conforme mostra em detalhes uma reportagem de Ivo Ribeiro e Vera Saavedra Durão, no "Valor". Em Marabá, no Pará, o projecto da planta Alpa está parado, à espera da construção de um porto e de uma via fluvial, obrigação dos governos federal e estadual e que está longe de começar. No Espírito Santo, o projecto Ubu também fica no papel enquanto a Vale espera um cada vez mais improvável sócio estrangeiro. Finalmente, o projecto de Pecém, no Ceará, está quase saindo do papel, mas ao dobro do custo original.
E quer saber? Seria melhor mesmo que não saísse.
Acontece que há um excesso de oferta de aço no mundo e, mais importante, os custos brasileiros de instalação das usinas e de pro-adução são os mais altos do mundo. Não, a culpa não é só do dólar nem dos chineses. Estes fazem o aço mais barato do planeta, com seus métodos tradicionais. Mas o aço brasileiro sai mais caro do que nos EUA, Alemanha, Rússia e Turquia, conforme um estudo da consultoria Booz.
A culpa nossa é velha: carga e sistema tributário (paga-se imposto caro até durante a construção da usina, antes de facturar o primeiro centavo), burocracia infernal e custosa, inclusive na disputa judicial de questões tributárias e trabalhistas e custo da mão de obra.
Dados do economista Alexandre Schwartsman mostram que os salários estão subindo no Brasil na faixa de 11 a 12 % anuais. A produtividade, estimado em 1,5%. Ou seja, aumenta o custo efectivo do trabalho e mais ainda pela baixa qualificação da mão de obra. Jorge Gerdau Johanpeter, eterno batalhador dessas questões, mostra que a unidade de trabalho por tonelada de aço é mais cara no Brasil do que nos EUA.
Não há patriotismo que resolva. Mas uma boa acção governamental ajudaria. Reparem: todos os problemas dependem de acção política
e, especialmente, da liderança do presidente da República. Trata-se de reformas tributária e trabalhista, medidas legais para arejar o ambiente de negócios, simplificar o sistema de licenças ambientais, reforma do Judiciário e por aí vai, sem contar com um impulso na educação.
Se isso não anda, é falha de governo, não do mercado.
A crise global é a mesma para todo mundo, mas afeia os países diferentemente, conforme suas condições locais. O Brasil precisaria turbinar os investimentos, mas não há como fazer isso num ambiente tão desfavorável e tão custoso, o governo cai então no estímulo ao consumo e no proteccionismo para barrar e/ou encarecer os produtos estrangeiros. De novo, não conseguindo reduzir o custo Brasil, aumenta o custo mundo.
A situação é ainda mais grave no lado dos investimentos públicos. Uma das obras de propaganda de Lula era a Ferrovia Norte-Sul, tocada pela estatal Valec. Pois o Tribunal de Contas da União verificou que o dormente ali saía por R$ 300, enquanto na Transnordestina, negócio privado, ficava por R$220. O actual presidente da Valec, José Eduardo Castello Branco, nomeado há um ano, depois das demissões por denúncias de corrupção, conta ainda que vai comprar a tonelada de trilho por R$ 2 mil, contra o preço absurdo de R$ 3 mil da gestão anterior, que vinha lá do governo Lula. Claro que um presidente da Republica não pode saber quanto custa uma tonelada de trilho, muito menos o preço de um dormente. Nem pode acompanhar as licitações. Mas o ritmo "vamo-que-vamo" imposto pelo ex-presidente, junto com o loteamento político criou o ambiente para os malfeitos e, mais importante, porque mais caro, para os enormes equívocos na gestão dos projectos.
O director do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, general Jorge Fraxe, também nomeado por Dilma para colocar ordem na casa, conta que encontrou contratos de obras no valor de R$ 15 biliões — ou "15 biliões de problemas".
Quando o mundo vai bem, todos crescendo, ninguém repara. Quando a coisa aperta, aí se vê o quanto não foi feito ou foi feito errado.
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
E-mail: sardenberg@cbn.com.br
In jornal “O GLOBO”
Rio de Janeiro, 12/07/2012
Francisco Gomes de Amorim