OS INDEFECTÍVEIS
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Só uma Fé absolutamente inabalável evita a debandada geral da audiência indefectível quando uns quantos voluntários do canto abrem as goelas em sons guturais e outros se empenham em gritar notas de horrível estridência. Há muito que não ouvia «coisa» tão horrível. E, contudo, há quem chame àquilo um coro. Não, é uma prova da Fé da audiência. Dignidade acústica apenas salva pelo órgão.
Há quantos anos eu não ia a Alcobaça? Nunca menos de 50. Desde que a estrada nacional 1 mudou para Rio Maior e desde que a auto-estrada foi concluída no percurso entre Lisboa e o Porto, várias foram as cidades por que deixámos de passar nelas largando algum dinheiro para um café, um almoço, uma visita a um monumento ou qualquer outra coisa. Agora, para isolarem ainda mais a urbe, temos que deixar os carros lá longe e o centro é mesmo só para quem se desloque numa nuvem. Está certo! É mais condizente com a elevação inspirada pela abadia.
Seria eu ainda criança quando pela mão dos sábios visitei o Mosteiro de Alcobaça e estranhei agora a total ausência de patine na nave principal da igreja. Pareceu-me tudo acabado de construir, muito limpinho, muito parecido com... Com quê? Cimento ou plástico? Já não me lembrava que os túmulos de Pedro e de Inês tinham em tempos sido vandalizados e fiquei com pena de, aí sim, não se ter feito alguma reconstituição recorrendo a materiais modernos para que o visitante não hesitasse em reconhecer que se trataria de cuidado e não da entrada em funcionamento de alguma modernização para ocultar a passagem dos séculos.
E os séculos têm passado... desde a pujança cisterciense até ao marasmo actual passando por efémeros momentos de alguma animação. Mas desenvolvimento sustentado é coisa que mal se vislumbra. E, contudo, o cenário poderia ser bem diferente se as fábricas disto e daquilo não tivessem fechado, se os mercados das frutas e legumes fossem transparentes, se a instrução média das populações fosse tão elevada quanto nos países escandinavos...
O Mosteiro, se falasse, teria tanto que contar que muitos seriam os governantes a pintar a cara de preto pela pasmaceira em que
Alcobaça caiu.
Continuo a crer que o Oeste tem tudo para ser uma verdadeira locomotiva nacional se a agricultura pudesse ser o elemento dinâmico
que tem sido impedida de assumir, se o analfabetismo adulto fosse erradicado e a juventude encaminhada para profissões inequivocamente ligadas à produção de bens transaccionáveis e se localmente houvesse quem quisesse debater estes temas.
Quanto à tenacidade das gentes ali residentes, basta ouvir aquele coro para se ter a certeza de que, não arredando pé, são firmes nas suas convicções, que sabem distinguir o fundamental do acessório e que facilmente poderiam desenhar um futuro modelo de desenvolvimento regional bem melhor que o presente. Que bom seria se os Partidos políticos se dedicassem a este género de temas em vez de, em plena menoridade, se dedicarem à maledicência uns dos outros, à demagogia e às promessas de tudo fazerem com o dinheiro dos outros.
Como por certo diriam os indefectíveis cistercienses se lessem estas linhas, «ámen!»
Lisboa, Junho de 2012