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A bem da Nação

SEM TROVA QUE PRESTE

 

Cartago

 

 

Murchas, foi como nos cumprimentámos ontem, a minha amiga a lembrar que lembrava o mesmo de sempre e que não tinha emenda, e eu a referir o susto provocado nessa manhã de domingo, com os dizeres da arrogância sapiente do “Eixo do Mal” a respeito da Grécia e da vitória da Syriza, a Esquerda Radical Grega, tão apoiada pelos nossos partidos da Esquerda, com o intelectual Louçã à cabeça, tão certos da sua vitória contra a “paz podre” dos partidos da “austeridade”, que já retiravam a Grécia das patas da Europa troikista, da Europa “tout courtde que ela foi cabeça – ou ventre - para a fazerem sucumbir, com os seus dracmas, sob as patas da Turquia, da Rússia, até mesmo, salvo erro, da China.

Creio que foi a Clara Alves que evocou esse cenário que, confesso, me aterrorizou, na minha credulidade ignorante, que já passou por outros cenários, dos que falavam em “paz podre” referindo o salazarismo também austero, e desejando alterá-la para “guerra sã”, ou “guerra santa”, nem sei bem, porque a favor dos pobrezinhos, como se tem visto, que enriqueceram à custa da mudança.

 

Felizmente que eles não acertaram nas suas esclarecidas previsões e a Syriza perdeu a favor da chamada Nova Democracia que volta a pegar nas propostas troikistas da tal paz podre actual, que faz espumar de raiva os que afirmam que estamos a saque, nós, os pequenos. Eu nisso concordo, mas desejo que o nosso país consiga vencer o impasse, e a Grécia também.

 

Mas a minha amiga não acredita que consigamos, e eu então lembrei-lhe umas trovas antigas, embora sem “saudade louca”, nem “cantigas a bailar de boca em boca”, nem mesmo “guitarras a gemer de mão em mão”, como lhes chamaria o nosso Carlos do Carmo, que é um fadista também muito erudito e crente, ao contrário de nós, cépticas por experiência própria, tal como o Velho do Restelo. São elas de Duarte da Gama, poeta do Cancioneiro Geral e chamam-se “Trovas às desordens que agora se costumam em Portugal”, de um conservadorismo tacanho e reaccionário, tal como o nosso, embora não tão passadista como o dele, valha a verdade, que se enraivece contra o novo-riquismo ambicioso trazido pelos descobrimentos marítimos e o envilecimento dos costumes, como agora também sentimos, sem tanta raiva contudo, por muito que o enriquecimento actual tenha provindo também de esforços, mas, apesar de tudo, menos trabalhosos do que os daquele tempo de navegações e naufrágios, o que é sempre um factor prestigiante e de modernidade, por estar assente no conceito hedonista da existência, o prazer sendo o que se leva desta vida. Vejamos então algumas dessas 32 trovas, de uma dimensão temporal à prova de fogo:

 

1-“Não sei quem possa viver

Neste reino já contente,

Pois a desordem, na gente

Não quer deixar de crescer;

A qual vai tão sem medida

Que se não pode sofrer:

Não há aí quem possa ter

Boa vida.

 

2- Uns vejo casas fazer

E falar por entre-solos  (= a ocultas, ruminando os seus projectos de grandeza?)

Que creio que têm mais dolos (= apoquentações)

Do que eu tenho de comer;

Outros, guarda-roupa, quartos

Também vejo nomear,

Que já deviam d’estar

Disso fartos.

 

3- Outros vejo ter cadeiras

De justo e de cruzado

E chamarem-lhes de estado:

Não entendo tais maneiras.

Outros vendem a herdade

Por comprar tapeçaria,

Dos quais eu ser não queria

Na verdade

…………………………………………

 

13- Outros não querem verdade

Falar, com ribaldaria (= desvergonha)

Falando por senhoria

A homens sem dignidade.

Ó usura conhecida,

Tratada por tanta gente,

Porque és no mundo presente

Tão crescida?

 

14 - Na cobiça dos prelados

Não é já para falar,

Que em vender mais que rezar

E em comprar são ocupados.

…………………………………………..

 

18 – A maneira de escrever,

Que costumam nos ditados,

É chamarem já preçados (= distintos, notáveis)

A mil homens sem o ser.

E quando na baixa gente

O costume for geral,

Há-de vir a principal,

A excelente.

………………………………..

 

21 – O cavalo desbocado

Nunca se pode parar

Sem primeiro se cansar:

Então logo é parado.

Assim creio que faremos

Nos gastos demasiados,

E depois de bem cansados,

Pararemos.

…………………………………………..

 

24 – A cidade de Cartago,

Depois de ser destruída,

Fez em Roma mor estrago

Que antes de ser perdida.

Os “Romãos” desde que venceram

Foram dos vícios vencidos,

E seus louvores crescidos

Pereceram.

 

25 – Assim, para não perecerem

Os tão antigos louvores

Dos nossos predecessores,

Convém que nos “reprenderem”

Dos vícios e da torpeza

Em que queremos viver,

Antes de se converter

Em natureza.

…………….

 

Não, a nossa conversa murcha, sempre “à roda”, embora antiga, não tem hoje trova que preste, de tão repetida, impecavelmente à moda.

 

 Berta Brás

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