Heresias - VII
(*)
A aritmética do desemprego - II
v Na Heresia anterior simplifiquei de mais para que os detalhes não prejudicassem a visão geral. Mas agora que já está montado o pano de fundo, é possível dar umas quantas pinceladas de realidade.
v O que então descrevi passava-se num cenário estático – e a realidade, essa, não pára quieta. Por exemplo, a crise atinge em cheio os imigrantes que por cá encontraram emprego em actividades orientadas para satisfazer a procura interna (construção, no topo da lista).
v Muitos estão já a procurar outros destinos. Outros tantos irão regressar aos seus países de origem logo que, por cá, os apoios sociais deixem de tratá-los com benignidade. E como, antes, engrossavam as estatísticas da população activa, temos aí o 1º “estabilizador automático”. (NOTA: Para os economistas, um copo a estilhaçar-se no chão é, apenas, o “estabilizador automático” de um copo que tenha levado um piparote.)
v Este “estabilizador automático” tem muitas virtudes para o programa de ajustamento “macro”:
(i) reduz a taxa de desemprego (mais que proporcionalmente, coisas da aritmética);
(ii) alivia a BTC (menos remessas para o exterior);
(iii) talvez dê algum fôlego à Segurança Social (menos contribuições, mas também menos prestações sociais a pagar agora e menos pensões de reforma a pagar no futuro).
v Tal como eles, muitos nascidos e criados em Portugal estão também a procurar trabalho noutras paragens, assim surjam oportunidades e se fartem de não fazer nada. E aí está o 2º “estabilizador automático” a puxar a taxa de desemprego para baixo (cortesia da aritmética) e a dar um pouco mais de fôlego à Segurança Social. Com sorte, até a BTC beneficiará com as remessas destes novos emigrantes (não sei porquê, mas não acredito lá muito nisto).
v Enfim, a população activa também vai envelhecendo. Ano após ano, uma porção de gente passa à reforma e leva com ela alguns pontos da taxa de desemprego (o 3º “estabilizador automático”, por obra e graça da aritmética), mas deixa a Segurança Social em pior estado (menos contribuições e mais pensões de reforma a pagar durante muito tempo). E melhoria na BTC, só se houver emigrantes na família.
v Os efeitos deste último “estabilizador automático” poderiam ser ampliados se o número de jovens que ingressam na população activa fosse superior ao número dos activos que entram na reforma. Mas não. A total ausência, não direi já de políticas com pés e cabeça, mas de ideias sensatas sobre a evolução populacional tem tido como resultado saldos demográficos insignificantes ou, mesmo, negativos. Sem mais imigrantes, a população portuguesa tenderá a encolher durante muitos e bons anos – e o mesmo acontecerá à população activa. Eis o famoso “deficit demográfico”.
v Temos assim que a demografia, se não contraria para já os “estabilizadores automáticos”, no mínimo, neutraliza-os. Só que – a evolução demográfica é muito lenta (talvez por isso ninguém se tenha apercebido do que estava, e está, a acontecer). Muito mais lenta do que o ritmo a que vão saindo emigrantes e retornando imigrantes, ou do que o ritmo a que as gerações se reformam.
v Tudo somado, é razoável esperar que os próximos 2-3 anos vão ser a época de ouro dos “estabilizadores automáticos”, pelo que a taxa de desemprego só deverá ultrapassar de quando em vez (efeitos da sazonabilidade do emprego) a barreira psicológica dos 20%.
v No capítulo do emprego, a questão de fundo é, porém outra e nem sequer é exclusiva de Portugal. António Guerreiro, em crónica no “Expresso”, cita a propósito Rifkin e Grosz (dois ilustres teóricos destes assuntos) para colocá-la com matemática precisão: Conseguirá o modelo de mercado integrar no processo produtivo toda a população activa, seja ela quanta for? (Em “economês”: Será que o pleno emprego é um equilíbrio estável do modelo de mercado?)