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A bem da Nação

A GENTE IMPORTA BATATAS E PROGRAMAS

 

Foi a propósito do programa “A tua cara não me é estranha” da TVI de que escutei Luciana Abreu no fado de Amália “Lágrima”, imitando Dulce Pontes. Já ouvira falar dela como excelente intérprete, mas para mim a interpretação de Margarida Bessa desse fado excedia a da própria Amália e, desconhecedora das regras do programa, que só vira de passagem – e numa delas, dando com Goucha de
gatas, preso por uma coleira a imitar um cão, logo orientara o comando televisivo para outro destino menos deprimente – comentei que me lembrara a Dulce. A minha amiga explicou que era esse o objectivo do programa, reproduzir as vozes de outros cantores. Mas tratava-se de um programa de importação. E concluiu, com o arrebatamento costumeiro:

- “A gente importa batatas e programas”.

 

Gabei a voz de Luciana Abreu, condenei os arrebiques linguageiros dolicodoces de António Sala, mas a minha amiga contou que se tratava de um programa brincalhão, gabou a Alexandra Lencastre, que fazia parte do júri, como actriz segura.

 

Eu tinha outra na manga, e a nossa bica domingueira descambou por aí. Com efeito, tinha ouvido das 7 às 8 horas da manhã, o “Eixo do Mal”, em repetição, e entre a barafunda das gargalhadas, interrupções ou discursos de diferente alcance, dos cinco participantes, ouvi da Clara Ferreira Alves, a respeito da caçada de Juan Carlos, o desdenhoso comentário sobre Cavaco Silva, “que oxalá fizesse caçadas com amantes e se perdesse com elas” – não distingui se a perdição se reportava à companhia das caçadas ou das amantes.

 

 

A minha amiga não me deu tempo a comentar sobre a infantilidade do insulto da cronista, porque enveredou logo pela figura do rei de Espanha e pelas suas experiências cinegéticas de zambeziana divertida:

- Foi caçar elefantes aonde? Aquilo é só para a fotografia! Foi vê-los ao longe. Foi à mata e partiu a anca. Ele é presidente de uma associação de protecção do ambiente, não pode caçar. É preciso gente competente para caçar elefantes. Foi passear para o Botswana, sem se preocupar com as despesas, e agora agradece a quem se preocupou com a sua perna.

- Mas pôs o mundo em alvoroço.

- Eu já estive na Gorongosa juntamente com um grupo de amigos. Em vez de irmos pela estrada principal, metemos por uma picada e apanhámos grandes sustos, pois vimos manadas de elefantes, sem estarmos protegidos. São muito perigosos, pois as trombas são muito pesadas. E abanam assustadoramente as orelhas. Nunca devíamos ter ido pela picada. É claro que tudo, mais tarde, foi motivo de risota, mas já estávamos a salvo. Só não houve fotografia com elefante. Ainda hoje nos telefonamos. Era gente divertida, à moda da Zambézia.

 

E passou a falar em Pio Cabral, seu amigo, que começara como caçador de elefantes:

- Um dia um dos empregados disse-lhe que havia coisas a brilhar, numa determinada zona. Pio Cabral foi ver. Encontrou esmeraldas, turmalinas. Mas não era essa a fortuna da terra. Mandou examinar no estrangeiro o pó da terra, uma espécie de pó de carvão. Tratava-se de tantalite, uma liga que serve para fazer aviões.
Durante anos Pio Cabral explorou a liga, tornou-se o homem mais rico da terra.
Aquela mina, até ao 25 de Abril nunca acabou, estava no auge. No aldeamento que construiu, nada faltava. Aquilo tinha tudo: casas, igreja, cemitério, cantinas, cinema, uma piscina fabulosa na casa dele, campo para os táxis aéreos, pois nos fins de ano as festas na sua casa eram fabulosas, trajes de cerimónia, tudo iluminado… Parecia uma cidade americana…

 

E a minha amiga revivia com entusiasmo o seu passado de passeios e diversão frequentes.

- E a tantalite?

- Creio que continua a ser explorada, talvez por gente da terra, a mina só se acabou para os portugueses.

 

 Berta Brás

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