QUE É A CARIDADE?
Devaneios
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O lema das presentes congeminações nada tem a ver com o Interrogatório Ponciano de Nosso Senhor Jesus Cristo, apresentado preso e algemado no Forum como um vulgar criminoso. O histórico episódio do nefando julgamento do Procurador Romano foi abordado pelo bisturi da crítica de Soares Rebelo (1873/1922) in “O Julgamento de Cristo”, Nova Goa (1914), denunciando-o como “o mais tumultuário e o mais monstruoso” nos anais da jurisprudência. Segundo o Evangelista S. João (18, 33-38), Cristo retorquiu a Pilatos que viera ao Mundo para dar testemunho da Verdade e que todo aquele que é da Verdade ouve a Sua voz, ao que o magistrado formulara nova pergunta: “Quid est Veritas” (que é a Verdade)?
Perante o chocante espectro de negra miséria, de gritante pobreza, de um quarto da população portuguesa a gemer de fome, com milhares sem casa assegurada, com um sem número de idosos, enfermos e carenciados, com jovens desempregados, com orfanados e
com mulheres abandonadas, forçoso é perguntar: onde está a Caridade refugiada em Portugal? A Caridade não é um exclusivo apenas de certos povos. Ela pertence ao género humano desde os mais remotos tempos.
Nos anos 400 a.C. e na antiga China havia prosélitos de Caridade como o filósofo e doutrinário de Taoismo, Chuang Tzé, que nos legou seu belo ensaio sobre a Caridade por ele definida como “um acto intencional dum dever intencional de ajuda ao próximo”, ao lado doutros que, indiferentemente, se comprazem em atingir as sumidades do poder e de riquezas a todo o custo.
Passados quatro séculos surgiu o Rabi da Galileia a sacralizar a Caridade para com o próximo numa das suas maravilhosas e encantadoras parábolas, apenas relatada pelo evangelista Lucas (10,25-37 / Parábola do bom Samaritano). Fora dos domínios da História Universal e das Religiões, a Caridade convém ser apreciada à base da Linguística e da ética Moral. É o que vai ser exposto em seguida na 2ª parte destas congeminações.
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Os dicionários da língua portuguesa são unânimes em defini-la como um acto de beneficência, uma virtude teologal de amar a Deus e de amar ao próximo. O Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa além de fornecer seus sinónimos de generosidade e de filantropia, faz extractos curiosos sobre o tema extraídos dos escritores Aquilino, Camilo, Garrett, J. de Melo e Paço de Arcos. Pena é que não figurasse
aí a opinião de algum escritor ou pregador da ética moral. Todavia, no acervo dos meus poucos livros de meditação e de consulta, fui encontrar o livro de “Leis Esquecidas” de Mons. Dr. Tihamer Toth, Professor Universitário de Budapeste e grande pregador, cujos comentários feitos há mais de 60 anos têm toda a nua e crua realidade aplicável a Portugal sacudido pela crise económica, financeira e de ética moral. Eis alguns dos seus comentários:
1) - O nosso mundo perdeu a cabeça: há homens e crianças que morrem de fome e há mulheres que amimam com bolos os seus cãezinhos, penteiam e perfumam esses animais e os deitam em cima de almofadas, dentro de cestinhos;
2) - Na Alemanha, há cem mil homens que não têm casa e quatro milhões que não têm emprego; a Associação dos Amigos de Animais, em Colónia, não achou nada mais urgente do que fundar uma casa para gatos e cães abandonados;
3) - Um cão com uma dentadura de ouro e um desgraçado pai de família sem saber como há-de ir buscar um bocado de pão para crianças que tantas vezes choram de fome; com o luxo deste cão teriam estes pobres miudos um paraíso.
(Cf.«Leis Esquecidas», Coimbra Editora, 1950).
Consolou-me ler (rev. TIME Nº3 de 23 do corrente mês de Janeiro de 2012) que o multibilionário Warren Buffett, cheio de imensa riqueza pessoal, já destinou 99% dos 45 biliões de dólares para os pobres e, como conselheiro do Presidente Barack Obama, está pressionando a que os ricos (empresas e indivíduos) milionários, bilionários e multibilionários sejam fortemente tributados para acabar com a miséria, a pobreza e o desemprego gritantes desse grande país. Quando surgirá alguém no meio de nós para acabar de vez com as mordomias dos sucessivos Governos, dos Parlamentares e dos Administradores das Empresas Nacionais, sobretudo da fauna dos enriquecidos?
Até quando teremos de suportar os gemidos do nosso povo? Quousque tandem…
Alcobaça 2012.01.31
Domingos José Soares Rebelo