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A bem da Nação

BOLSA DE MERCADORIAS DE PORTUGAL

 

 

Caro Dr. Salles da Fonseca,

Já havia prometido responder-lhe a esta questão da "Bolsa de Mercadorias" em Portugal. Já existiu, funcionava às 5ªs feiras no Terreiro
do Paço. Foi aí que iniciei as minhas actividades no Comércio de cereais, já lá vão 52 anos. Já nesse tempo - em que ainda não tínhamos computadores e muito menos Internet e que por conseguinte a informação era restrita ao Século, ao Diário de Notícias, ao Jornal do Comércio e pouco mais - assistia todas as semanas à manipulação dos preços. A coisa era assim: Um Senhor, que resolvi não identificar pelo nome e sim pelas iniciais "A.L.M." grande intermediário (hoje chamar-se-ia de "brocker") de Lisboa iniciava a sessão ditando para um quadro negro, os preços de compra e de venda dos cereais. Depois ele e um grupo de comerciantes ali reunidos - nunca lá vi um
agricultor - faziam umas transacções em que a regra era "agora perco eu e ganhas tu, a seguir perdes tu e ganho eu" de modo a que os preços finais de "transacções efectuadas" aparecessem no quadro. Claro que apenas reflectiam os interesses dos comerciantes ali reunidos - preços altos quando os comerciantes tinham produto para vender, preços baixos quando queriam comprar.

Desconfio que ainda hoje as coisas se passam de modo semelhante nas Bolsas mundiais como Chicago e Nova York.

Depois saía-se dali e todos se reuniam de novo para almoço num Restaurante  onde julgo que hoje se encontra o supermercado Celeiro - junto à estação de Caminho de Ferro do Rossio, e aí sim, colocavam as amostras dos produtos que tinham para vender em cima das mesas, e caso curioso, até, havia um ou dois intermediários que iam de mesa em mesa, levando amostras de uns para os outros, acertando preços e efectuando transacções reais.

No dia seguinte o Diário de Notícias lá transmitia os preços fixados na "Bolsa", que eram baixos, quando os comerciantes queriam comprar e altos quando nada havia para comprar na agricultura mas havia para vender na mão dos comerciantes.

Ainda há poucos anos, instituiu-se no Montijo uma "Bolsa do Porco" que passou a ser o "guia" para os preços do porco vivo a praticar
entre os matadouros e os criadores. Foi - e se ainda existe é - um "flop". Também aí um ou dois comerciantes estabeleciam ou ainda
estabelecem à sua vontade os preços indicativos para o porco gordo, sem que reflictam qualquer transacção real, mas que servem depois para guia dos preços a pagar aos criadores. É ou era uma fraude, que deveria ser legalmente punida, mas que ao contrário, tem sido tolerada e mesmo acarinhada pelas Autoridades.

Hoje, os preços mundiais das principais "commodities" agrícolas - desde os cereais às oleaginosas, passando pelos seus produtos finais, são fixados na Bolsa de Chicago (CBOT). Mesmo Bolsas de grandes espaços como a de S. Paulo no Brasil, apesar de o terem tentado, jamais conseguiram substituir-se a Chicago.

Caro Dr. Salles da Fonseca, entendo muito bem a sua proposta, em termos teóricos ela está certa. Porém, creia que na prática é impossível dar-lhe praticabilidade. Mesmo que os produtores agrícolas decidissem só vender os seus produtos através da Bolsa - e isso, em Portugal, já seria uma tarefa hercúlea - os preços que pretendessem praticar seriam sempre balizados pelos preços de outras origens, e aqui recordo, a mais recente e favorecida pela UE, que é Marrocos.

No Espaço da UE, os Governos podem regulamentar, podem legalmente impedir práticas de restrição da concorrência, de abuso de posição dominante, de "inside-trading" etc., mas não podem criar "bolsas".

Finalmente, aproveito a oportunidade e coloco aqui outra questão que é a do "roubo" que é feito legalmente pelos grandes distribuidores aos proprietários de produtos de marca. Uma marca, para além do nome, da insígnia, do desenho, da imagem, contém o produto, com os seus aspectos de qualidade distintivos, a publicidade, a promoção e O PREÇO. Quando se retira ao dono da marca a possibilidade de indicar o PREÇO de venda ao consumidor e se entrega esta faculdade ao distribuidor, destrói-se a marca e tudo o que nela se investiu. Qualquer manual de "marketing" explica isto. Hoje, a Lei em Portugal - julgo que em toda a EU - impossibilita a criação de novas marcas
para a "grande distribuição". Só existem as marcas líderes regionais, nacionais e internacionais e as marcas dos próprios distribuidores. Estranho que a CIP nunca tenha levantado esta questão ao mesmo tempo que se perde a discutir o salário mínimo, que, por tão baixo, nenhuma indústria paga, e que só interessa às Empresas distribuidoras para que também possam explorar os seus trabalhadores. Eu não entendo, o meu caro Dr. Salles da Fonseca entende?

Um grande abraço,

João A.J. Rodrigues

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