GRANDES CAÇADAS!
Há muito que não relembramos caçadas! Qualquer caçada! Só o sair para o interior, para o mato, fizesse frio ou calor já era um espectáculo e um fim-de-semana magníficos. Lugares tranquilos, longe do barulho e da infelizmente chamada civilização, muitas vezes no meio da natureza selvagem e imensa.
Fosse caça grossa ou rolas, que havia aos milhares, ou nas lagoas, aos patos, o único sentimento incómodo que se trazia era a consciência de ter matado algum animal.
O vício no entanto era mais forte, e como a carne sempre era aproveitada, e não se caçava mais do que se podia comer e distribuir pelos
amigos, caçar era um prazer imenso.
A chuva prejudicava muitas vezes esse encontro com o imenso espaço, e a solução era aguardar que passasse. Quando possível.
Sábado, pelo meio-dia saímos de Luanda em dois jeeps, quatro mais três nos dois carros, e de todos estes, pelo menos sete caçadores!
Direcção Zenza do Itombe. Objectivo: caçar uma ou duas pacaças.
De Zenza seguimos para norte por uma estrada - estrada ? - por onde quase ninguém circulava. E começa a chover; aquelas chuvaradas
tropicais que fazem a chuva entrar até no pensamento.
Um dos jeeps só tinha capota, daquelas de lona para proteger do sol, nada de janelas, e em pouco tempo neste carro todos estavam
encharcados! No outro, um Land Rover de capota rígida, o pessoal ia mais protegido.
O dia a chegar ao fim e um dos caçadores, conhecedor da região, decidiu, ao fim duns tantos, muitos, quilómetros dessa picada, entrar
mato adentro, porque haveria por ali uma baixada que ele conhecia bem, onde sempre encontrava caça. Nem por picada seguíamos. A “olho” que o caçador conhecia tudo muito bem. Não entrámos muito. O jeep da frente chegou à tal baixada que as chuvas tinham transformado em lamaçal, e atolou. Tracção 4x4, vai à frente – não vai para lugar algum – e ficámos à espera do segundo jeep que vinha atrás, e parou quando nos viu, mas também já em cima da lama. Atolou.
A noite chegou, a chuva continuou, e a melhor decisão foi esperar pelo amanhecer, para se poder fazer alguma coisa. Pode-se imaginar a
comodidade em que passámos a noite em dois carros atolados na lama, sem se ver mais do que os faróis mostravam: no Land Rover não entrava água mas como só tinha o banco da frente, três “caras” querendo dormir... Mas no Jeep as coisas eram dramáticas! Nada de capas ou plásticos (nem sei se já os haveria na ocasião) e o incómodo e o frio deixaram todos a bater os dentes. Assim que a chuva amainou sai-se do jeep para mexer as pernas, mas até isso era difícil por se enterrarem os pés na lama!
Começa a surgir o dia e analisa-se então a posição: crítica! Vá de cortar ramos, paus - e procurar pedras, que não se encontraram – e após uma boa luta, foi possível recuar o Land Rover para terra mais firme. Depois, com o guincho deste, rebocar o Jeep. O meio-dia aproximava-se e a caçava às pacaças... terminava também, antes de começar!
Regresso a casa com os dois jeeps e os caçadores carregados de... lama.
Assim mesmo foi óptimo!
Em Portugal, no Alentejo, vou visitar um amigo e após o almoço desafia-me para darmos uma “volta” aos coelhos. Campo lavrado (arado, no Brasil), chão de cor acinzentada, um em cada ponta, e aí vamos nós. Coelhos que era bom... nada. Andámos um quanto tempo, e de repente, ao dar mais um passo, vejo que mesmo no lugar onde ia colocar o meu pé direito, estava um coelho,
deitado, imóvel, da cor do chão! Fiquei de perna no ar, no momento sem saber o que fazer. O bichinho não se mexia, os seus pequenos olhos fixados em mim, medrosos, e pensei então apanhá-lo à mão. Assim que lhe toco ele sai numa
corrida à minha frente. Ponho a arma à cara, miro, mas a lembrança do simpático coelhinho ali parado a olhar para mim, travou-me o dedo. Para não “parecer mal” dei o tiro meio para alto e deixei o bonitão seguir a vida dele! O meu parceiro de caça comentou que tinha sido um tiro péssimo! Eu ri, e disse-lhe que tinha sido óptimo!
Voltemos a Angola, lá no Sul, dois caçadores e dois penduras, salda de madrugada, noite gelada a querer ceder, procurar ou esperar
os animais ao romper do dia. Desta vez o alvo procurado seriam elefantes.
A manhã toda, vasculhando até de binóculo, horizontes, savanas e pequenas matas, mas a caça, nesse dia estaria de folga! Regresso ao
acampamento a meio da manhã, com o calor já a apertar, quando os animais param de comer e se abrigam nas melhores sombras, tornando-se quase invisíveis. A carabina trocada por uma caçadeira 12 para a eventualidade de aparecer algum pequeno animal que nos pudesse dar um bom e saudável almoço.
Sol a queimar, quase no caminho do jeep salta uma perdiz. Arma à cara, sai o tiro, a perdiz cai. Todos com os olhos fixos no lugar onde
ela caiu, não fosse ela começar a correr e ir embora. Saio do carro para apanhar o “petisco”, mas no lugar onde este caíra, nada se encontra. Uma porção de folhas secas, mas perdiz que era bom... cadê ela? Os parceiros, de cima do jeep faziam-me sinal, garantindo que ela estaria ali. Agacho-me, olho bem, volto a olhar, mas... de repente, no meio daquela folhagem “adivinho” um pequenino olho. Só! Era a perdiz, tão bem escondida e disfarçada; um belo espectáculo de mimetismo.
Estava condenado o bichinho. Com um tiro nas asas ficava liquidado. Infelizmente, hoje, e não na época, acabou como aperitivo. E,
verdade seja dita, aperitivo óptimo!
Lembro um dos meus avós que nos anos 30 foi a Angola caçar. A caça que ela mais recordava, quando já velhote me contava as suas “proezas”, era o que lhe dizia um amigo quando perguntado sobre a caçada: “não acertámos nenhum tiro nos amigos, ninguém passou mal, o dia estava lindo e não caçámos nada! Foi uma bela caçada!”
Esta filosofia sempre me acompanhou, e ainda hoje, para situações que nada tenham a ver com caça, mas com a nossa maneira de
interpretar o que nos circunda.
Rio de Janeiro, 08/05/2012