Privacidade, a grande protectora do crime
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Embora o homem viva em sociedade e em contacto com muitos dos seus semelhantes, a privacidade está a ser considerada, pelo menos na maioria dos países ditos civilizados, como algo importantíssimo que urge preservar a todo o custo. E esse custo pode ser muito elevado.
O chamado crime organizado, nas suas múltiplas facetas que vão desde sofisticados sistemas de assalto aos locais onde se acumulam riquezas às manigâncias da alta finança, com desvio de quantias avultadas e passando pelo tráfico de droga e armamento, tem-se desenvolvido muito nos últimos tempos. Combatê-lo é difícil pelo que seria de desejar o uso de todos os meios possíveis, incluindo os mais sofisticados, para acabar com esse flagelo social que, como temos visto, assume dimensões enormes, com graves prejuízos para as populações honestas e trabalhadoras. Portugal é hoje um bom exemplo desse mal.
Esse combate, no entanto, está a encontrar graves limitações devido exactamente à forma como está a ser considerada a privacidade. Poderia dizer-se que, se alguém quer privacidade absoluta, que se meta em casa, não saia à rua, não apareça à janela e, naturalmente, não fale ao telefone. Em vez disso geram-se leis limitativas dos processos de obter provas de crimes de tal forma que basta que uma prova tenha sido obtida de maneira considerada "ilegal" para o criminoso ficar à solta. Conversas consideradas "privadas" podem ser - e muitas o serão - formas de combinar crimes que, por esse facto, escapam à punição.
A pergunta que lanço aos cidadãos que sofrem as consequências de tais "ilegalidades" é para saberem se preferem o sistema que existe ou se não se importam de abdicar duma parte da sua privacidade em favor de processos como câmaras ocultas e escutas várias, que permitem desmantelar os perigosos sistemas do crime organizado, que toma hoje no mundo proporções astronómicas.
É claro que em países em que o crime organizado está infiltrado nas estruturas dirigentes, legisladores e governantes, não se pode esperar que algo se faça para o combater e a privacidade é um bom pretexto para lhe dar protecção, aparentemente com todo o aspecto de legitimidade.
A propósito, também se deve dizer que, para a opinião pública, não há melhor prova de culpabilidade do que a "destruição de provas". Se se alega que as provas destruídas não continham nada de mau - ou seja, eram inócuas - porque foi "necessário" destruí-las? Mas essa destruição aparece frequentemente como algo natural e legítimo.
Concluindo: vamos, a pretexto de protecção da privacidade, continuar a proteger criminosos?
Miguel Mota
Publicado no Púbico de 5 de Março de 2012 com o título alterado para: "Crime e privacidade "