MENTES BRILHANTES
Foi na instrução primária que tive professoras de alto nível diplomático. Diziam que certos dos meus colegas eram inteligentes e que eu era trabalhador. Eis por que me habituei desde a infância aos eufemismos que os sábios usavam para me chamarem burro. Mas foi também logo nessas idades que não me deixei abater talvez já conformado com a realidade e com o princípio que mais tarde aprenderia que diz que contra factos não há argumentos.
E como a inteligência é relativa tanto no espaço como no tempo e muito resultante dos trabalhos que fortalecem ou enfraquecem a rede de sinapses com que cada um nasce, aí estive eu a trabalhar o suficiente para nunca ter perdido um ano desde as primeiras letras até à conclusão da licenciatura.
Ciente de que possuía alguma capito deminutia, eis-me a fazer uma coisa de cada vez para que todas as sinapses se dedicassem apenas a um tema, sem dispersão que pudesse levar a que o sistema gripasse. Desenvolvi, pois, a capacidade de concentração e ao longo da vida tenho encontrado mentes brilhantes que quando estão a fazer uma coisa já estão a pensar noutra nunca chegando a rematar à baliza e muito menos a meter golo. Fazer uma coisa de cada vez não obsta que se faça uma aproximação holística ao tema. O meu método é, pois, inspirado no provérbio italiano que diz que «chi va piano va sano e va lontano».
Ainda tentei fazer 10 coisas ao mesmo tempo aprendendo a tocar piano mas acabei com a experiência para salvaguardar a serenidade da
vizinhança.
Já lá vão quase 67 anos e acho que tenho feito bem pelo que tenciono assim continuar.
Um dos temas que mereceu a minha atenção durante o ano de 2011 foi a chamada «Primavera árabe» e foi com algum receio que fui ouvindo as opiniões dessas mentes brilhantes espalhadas por tudo quanto é televisão europeia e americana. Se os factos já me davam motivos para recear as consequências, as opiniões desses iluminados deixavam-me estarrecido.
(*)
Ahmad Badr El Din El Hassoun, Grande Mufti da Síria
Estava-se mesmo a ver que não era Primavera de qualquer espécie e que o derrube dos ditadores iria descambar na tomada do Poder pelas forças mais conservadoras do Islão. E aí estão as eleições egípcias a dar-me razão!
O que se passa na Síria é exactamente o mesmo que se passou nos outros Estados muçulmanos, com ligeiras diferenças que confirmam a regra: derrube de Estados laicos para instauração de hierocracias fundamentalistas.
Mas as mentes brilhantes dizem outras coisas e eu fico-me pela minha burrice... Haja saúde!
Lisboa, Abril de 2012