O SENTIDO DUMA “VIDA SEM SENTIDO” – 3
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UMA EXISTÊNCIA SEM METAS É VIDA DESPERDIÇADA E PERDIDA (2)
O horizonte do nosso ego encontra-se numa relação complementar à intimidade do nós. Somos o cruzamento duma panorâmica com vários horizontes, todos eles enquadrados na nossa pessoa e a serem considerados no trilho da sociedade. Como o Sol tem uma missão em relação à Terra, assim o humano tem uma missão de seguir e criar sentido. Quem cria e dá sentido sente sentido na vida, realizando-se e expandindo-se na alegria dos raios sociais que irradia. Então as sombras da vida já não adoentam, passam a ser canais por onde passa a luz, por onde passa a vida. Daí surge a satisfação de tornar a humanidade e o mundo num lugar digno, onde a vida é equacionada e mantida sob o ponto de vista da pessoa, do universo e do divino.
A futilidade dum viver numa democracia de cidadãos vencedores e perdedores, de realização individual, sem uma órbita que transcenda o eu, só poderá conduzir à frustração do cidadão que constata nas órbitas das instituições do Estado e da humanidade a repetição da própria órbita egocêntrica, apenas um pouco mais alargada.
Falta a consciência duma órbita universal cujo trajecto se origina no nós e tende para o nós numa dinâmica complementar. Uma teoria e uma praxis na perspectiva do nós (comunidade e não mera sociedade) interromperia a continuidade histórica de exploração (a relação de caçador e presa) para, na História da humanidade, se introduzir a sustentabilidade do seu desenvolvimento. Isto para não reduzirmos o trajecto histórico a um movimento rotativo de explorados e exploradores.
Doutro modo, a nossa vida dará sustentabilidade à reiteração da exploração e da lamentação, continuando a História ordenada em dois acampamentos: dum lado os mais solidários; do outro os mais egoístas, os privilegiados.
Marx pensava poder mudar a humanidade e a natureza humana, se se acabasse com a propriedade privada. O seu erro foi querer reduzir tudo ao ciclo da matéria e querer sacrificar as diferentes esperanças da humanidade à sua esperança, não contando que a realidade consta de erros complementares que possibilitam o alívio do mal. Há muitos caminhos na tentativa de superar o mal e de melhorar a sociedade. Será tarefa de todos fazer desembocar o seu caminho na comunidade e no respeito da diferença. Uma só solução é engano. Até hoje, as revoluções criam novas classes dominantes que se legitimam com novas ideias impostas ao povo e aos vencidos. A ilusão voa mas o sofrimento provocado pelo ser humano é continuado sob o sol de novas explicações e dominações.
A tarefa apontará no sentido de se agir a partir do ponto de vista do nós. Para isso ajuda um princípio duma ética universal digna: não faças ao outro o que não queres que te façam a ti. A ética superior das bem-aventuranças poderá ficar para uma segunda fase da evolução da humanidade. Por enquanto, continuamos a ser crianças contentando-nos com o jogo das escondidas.
Cada sistema de valores corresponde a um ecossistema cultural aferido à geografia, às necessidades e desejos de cada biótopo. Destrui-los em nome doutras grandezas seria crime. Há que disponibilizar o Sol para todos. A óptica divina apela à consciência duma perspectiva universal num mundo a ter de se recriar: um mundo de luz e de treva de todos para todos.
António da Cunha Duarte Justo